Os fãs da Porsche já estão acostumados com mudanças na estratégia da empresa. Basta lembrarmos do 911 quando trocou o motor refrigerado a ar pelo a água, depois quando surgiu o primeiro SUV da marca (o bem-sucedido Cayenne) e, mais recentemente, quando houve a troca de quase todos os propulsores aspirados pelos turbo, em busca de eficiência. Nada, porém, se compara à mudança que está acontecendo neste momento na planta de Zuffenhausen, em Stuttgart, com investimentos da ordem de 6 bilhões de euros, a contratação de 1.200 novos funcionários e a implementação do conceito de Produção Porsche 4.0. Tudo para lançar, no segundo semestre de 2019, o Taycan, o primeiro modelo 100% elétrico da marca.
A ideia de um esportivo elétrico não é exatamente uma novidade - eu mesmo dirigi um conceito do Mercedes SLS movido a eletricidade em 2009. Acontece que a Porsche promete, já aproveitando para alfinetar a Tesla, que o Taycan não será somente rápido, mas também envolvente, dinâmico e divertido como todo carro da marca deve ser. Os dados oficiais são promissores: 600 cv vindos de dois motores elétricos (um em cada eixo), aceleração de 0 a 100 km/h em menos de 3,5 segundos e autonomia superior a 500 km, pelo método de medicão europeu - certamente será um pouco menor na prática. Para alimentar tudo isso, há uma imensa bateria de 400 células que ocupa praticamente todo o assoalho abaixo da cabine do Taycan. Ah, e com peso total inferior ao do Panamera.
Taycan terá um motor em cada eixo e uma enorme bateria no assoalho; desempenho será forte
Projetar um carro elétrico foi quase uma obrigação para a Porsche. O encerramento da oferta dos motores a diesel na marca (após o dieselgate no Grupo VW) e a necessidade de redução de 27% nas emissões até 2020, imposta pelas leis europeias, fez que a marca começasse a trabalhar no Taycan em 2014. Em paralelo, a Porsche foi adotando medidas de redução de consumo nos demais modelos da gama, como motores turbo de menor capacidade cúbica, transmissões mais eficientes, sistema start-stop, melhor aerodinâmica e redução de atrito de rodagem, frenagem regenerativa e, claro, as versões híbridas para o Cayenne e o Panamera. O Taycan, no entanto, será o primeiro Porsche de emissão zero.
Assim que o conceito Mission E apareceu no Salão de Frankfurt, em 2015, já ficou claro que a Porsche começava a trilhar um novo caminho. No fim de 2016 foi iniciada a produção dos primeiros protótipos, ao passo que em 2017 ficou pronto o primeiro protótipo "guiável". Desde então, o Taycan já rodou mais de 2 milhões de quilômetros em testes, enfrentando desde o caótico trânsito chinês até as altas velocidades do circuito de Nardò, na Alemanha. Um dos maiores desafios é a recarga da bateria de 800 V sob muito baixas ou muito altas temperaturas, o que exigiu mais de 100 mil recargas de teste para garantir que o carro de produção não tenha problemas neste sentido.
Antes mesmo de chegar às lojas, o Taycan já tem declaradas mais de 10 mil encomendas - inclusive com pagamento de sinal. Não é à toa que a Porsche está terminando de construir praticamente uma nova fábrica dedicada ao modelo, que fica integrada às demais linhas de produção em Stuttgart (de onde saem os 718 Boxster e Cayman, além dos 911). Ela é completamente digitalizada e incorpora a mais recentes soluções de sustentabilidade e tecnologia - como, por exemplo, ser a primeira linha seriada do mundo a não precisar de motorista em nenhuma parte do processo. Durante nossa visita à uma ala que está encarregada dos modelos pré-produção (incluindo alguns que irão para testes de impacto), foi possível notar alguns detalhes do carro final, como os faróis, lanternas, rodas, acabamento e, claro, o interior todo tomado por telas. Além do cluster digital, há mais duas telas paralelas no painel (a mesma que usa o Cayenne, porém em dupla). Os comandos do console central também são acionados em outra tela, que fica inclinada. Infelizmente, a Porsche não permitiu fotos em nosso tour - as imagens desta página foram as únicas divulgadas pela marca.
Sistema de produção Porsche 4.0 prevê automação total da linha de montagem, sem qualquer motorista
Em termos visuais, o Taycan é basicamente o que se espera da versão de produção do Mission E. Ou seja, mantém as mesmas linhas, mas recebe itens funcionais como os retrovisores externos, as maçanetas convencionais e as molduras das janelas. Proporcionalmente falando, o Taycan está entre o 911 e o Panamera, embora mais perto do segundo. A intenção da Porsche era ter um veículo que completasse sua gama, sem competir com os modelos já existentes. Daí o surgimento de um “sedã médio”, uma vez que o Panamera faz o papel de sedã grande contra BMW Série 7 e Mercedes Classe S.
Apesar das quatro portas, a Porsche garante que o Taycan será um legítimo esportivo, a começar pela posição de dirigir semelhante à do 911. Ainda sem revelar valores, a Porsche adianta que o Taycan terá preço entre o Cayenne e o Panamera - o que, no Brasil, considerando as versões de entrada, significaria algo entre R$ 400 mil e R$ 500 mil. A estreia no mercado nacional acontecerá em 2020.
Além do carro elétrico em si, a Porsche também está levando a sério a questão da recarga. Para isso, desenvolveu um sistema de recarga rápida para a bateria de 800 V, cujo desenvolvimento e aprendizado veio das pistas, com o 919 Hybrid campeão de Le Mans. Trata-se de um sistema que, em apenas 4 minutos, garante energia para rodar cerca de 100 km - e estará disponível em todas as concessionárias da marca, ao menos na Europa. Como complemento, a Porsche trabalha em conjunto com a BMW, Mercedes e Ford na construção de 400 pontos de recarga (com capacidade para 350 kW em cada recarga) espalhados pelo continente europeu até o fim de 2019. A marca também prevê a instalação de mais de 2 mil pontos de recarga nos 20 outros mercados onde o Taycan será lançado.
Posição de pilotagem semelhante à do 911 e mais de 2 milhões de km de testes: nasce o Porsche elétrico
Tanto investimento, claro, não servirá apenas ao Taycan. Em conversas com executivos da Porsche, eles não escondem que a plataforma elétrica do sedã vai gerar filhotes, a começar pela perua Mission E Cross Turismo, já mostrada como conceito. “Nós esperamos que mais de 50% dos Porsche vendidos em 2025 sejam eletrificados”, diz Lutz Meschke, um dos membros do board responsável pelas finanças e TI da empresa. Pode parecer o começo do fim dos motores a combustão, mas não se esqueça de que nesta conta estão também os híbridos. E quando perguntei para um dos executivos da Porsche sobre o domínio elétrico no futuro, ele retrucou: "Aqui o motor a combustão não vai acabar nunca!". Pronto, os puristas já podem dormir tranquilos...