Na última terça-feira (27), a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) e a Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar) assinaram um acordo para unir esforços em torno de dois programas. Respectivamente o Rota 2030, voltado à indústria automotiva, e o RenovaBio, do qual você provavelmente ainda não tinha ouvido falar, mas que quer garantir uma oferta previsível e constante de etanol e de outros biocombustíveis.
Pode parecer uma preocupação besta, mas só é se você não viveu o final dos anos 1980, mais especificamente 1989, quando uma série de coisas levou a um desabastecimento de etanol no mercado. Do mesmo tipo que a crise do petróleo fez o mundo enfrentar em relação à gasolina. Quem tinha carro a álcool ficou dias sem conseguir rodar. Surgiram conversões estapafúrdias para usar gasolina, com comprometimento dos motores, que batiam pino. Foi daí que nasceu a ideia do carro flex: das emergências que a falta de uma política clara para os combustíveis traziam aos consumidores. Hoje, se faltar gasolina, é só abastecer com etanol. E vice-versa.
Outro grande problema para o combustível vegetal é sua fonte, com a cana-de-açúcar. Como seu próprio nome denuncia, se o preço do açúcar subir, os produtores podem priorizar sua produção em vez da de etanol. Com isso, os preços sobem. E deixam de ser competitivos, como já acontece hoje com o álcool na maioria dos Estados brasileiros.
Segundo o Ministério das Minas e Energia, a ideia do RenovaBio é ser "um programa do Governo Federal para expandir a produção de biocombustíveis no Brasil, baseada na previsibilidade, na sustentabilidade ambiental, econômica e social, e compatível com o crescimento do mercado". Não se sabe exatamente o quanto isso é criar subsídios, reservas de mercado e outros mecanismos costumeiros do capitalismo de compadres que é padrão por aqui, mas podem ser políticas de competitividade como as que o Rota 2030 quer implementar para o mercado automotivo. Preocupa, porém, que as entidades queiram criar "diferenciais competitivos" para o álcool e outros biocombustíveis. Normalmente, isso indica subsídio.
O caso é que só o Brasil já conta com uma rede de distribuição de etanol. Com uma frota tão expressiva de veículos movidos a etanol. E com a vantagem de combustíveis vegetais não incrementarem os níveis de dióxido de carbono na atmosfera, como os fósseis. É uma receita mais simples para atender às demandas do Acordo de Paris, sem a necessidade de aderir a automóveis elétricos do mesmo modo que a Europa ou os EUA. E também é uma desculpa para perder o bonde da eletrificação, infelizmente.
O RenovaBio deve investir na produção de etanol de segunda geração, que usa biomassa fermentada para gerar o combustível e não compete com o açúcar. E, com o acordo assinado com a Anfavea, deve casar seus objetivos aos do Rota 2030. “A Anfavea e a Unica reconhecem a importância e a complementariedade dos programas RenovaBio e Rota 2030 e entendem que ambos são fundamentais para a promoção da segurança energética nacional e do desenvolvimento econômico”, disseram as entidades na assinatura do acordo de cooperação. “Além de garantir a segurança energética de forma sustentável, as políticas públicas e demais medidas necessárias à execução desta agenda contribuirão para a promover um ambiente propício para novos investimentos, com benefícios econômicos, ambientais e sociais ao país.”
Os pontos em comum entre o RenovaBio e o Rota 2030 são a previsibilidade no fornecimento de biocombustíveis (que garantem demanda para quem os produz e combustível para quem faz carros e desenvolve tecnologias) e a redução de gases de efeito estufa. A necessidade de eficiência energética exige padrões de produto, com um etanol uniforme, eventualmente com menor teor de água, a quantidade de álcool anidro adicionado à gasolina etc. E isso acaba interessando aos produtores de biocombustíveis, por mais que a eficiência represente veículos que consomem menos seus combustíveis.
Tanto o Rota 2030 quanto o RenovaBio estão em discussão. Já é louvável que eles tragam a preocupação com previsibilidade, tudo que o Brasil se acostumou a não oferecer. Atualmente, a única certeza que o consumidor tem é que a conta é dele. E que ela é quase sempre muito mais salgada do que deveria ser.
Fotos: divulgação
RECOMENDADO PARA VOCÊ
Eletroescola? Projeto de lei prevê aulas de direção com carros elétricos
Fiat Mobi alcança 600 mil unidades produzidas em quase 9 anos de mercado
Governo federal pode ser obrigado a abastecer carros oficiais com etanol
VW revela novo Tiguan 2025 nos EUA e adianta SUV que pode vir ao Brasil
China quer instalar uma fábrica de automóveis na Argentina
Quer apostar? Híbridos vão depreciar mais que elétricos daqui a 10 anos
EUA: plano do governo para barrar chinesas poderá afetar Ford e GM