Nada melhor que um roteiro de mais de mil quilômetros para conhecer um carro totalmente novo, fruto de um projeto lançado na Europa há menos de um ano e agora produzido no Brasil, certo? Foi por isso que dispensamos o Boeing 737-800 da Gol e optamos por voltar do evento de lançamento do Peugeot 208, realizado em Búzios (RJ), para São Paulo ao volante do novo compacto. Como já havíamos avaliado a versão Allure 1.5 para a "Volta Rápida", escolhemos o modelo Griffe 1.6 para realizar a viagem e o teste completo do modelo.
Trocamos o Allure prata (R$ 45.990) por um Griffe vermelho escuro (R$ 50.490), que traz diferenças notáveis a começar pela carroceria. O modelo topo de linha tem ar mais refinado, com um friso cromado em volta da linha das janelas, além de rodas de liga aro 16 polegadas (contra 15" no Allure) de desenho mais trabalhado e acabamento em tom escurecido. Por dentro, a faixa transversal no painel e os puxadores de porta mudam de cinza claro para grafite, enquanto o console central ganha acabamento em black piano, no sentido de deixar o 208 com ar sofisticado. Os bancos recebem um tecido mais caprichado, mas o couro não é oferecido nem como opcional - deverá ser acessório de concessionária.
A oferta de equipamentos do Griffe é pouca coisa mais farta, uma vez que o Allure já vem bem equipado. O destaque fica para o ar digital de duas zonas, equipamento até então ainda não oferecido num compacto no Brasil. Há também vidros elétricos nas quatro portas (só nas dianteiras no Allure), controlador de velocidade automático e sensores de chuva e iluminação. Estranhamente, porém, não existe opção do retrovisor eletrocrômico, algo disponível até em hatches mais baratos. Por outro lado, itens interessantes como a central de entretenimento (com GPS, entradas USB/AUX e Bluetooth) e o teto panorâmico de vidro destacam o 208 em relação à concorrência. À noite, o ambiente interno parece ainda mais high-tech, no que colaboram as luzes de cabine "frias" (e não amarelas como na maioria dos carros).
A Peugeot, porém, poderia ter investido mais na segurança. O 208 Griffe não acrescenta nada em relação ao Allure nesse aspecto, mantendo apenas os airbags frontais e o ABS. A marca poderia ter trazido o controle de estabilidade (ESP), ainda mais sabendo que o Ford New Fiesta nacional vai contar com o recurso e ainda sete airbags. Pelo menos a questão dos airbags deverá ser resolvida em breve: bolsas laterais e de cortina serão oferecidos como opcional a partir de julho, segundo os executivos da empresa.
Teto quente
Antes de pegar a estrada, acomodo com folga a minha bagagem no porta-malas (afinal, eu estava sozinho). Apesar de a capacidade seguir a média da categoria, com 285 litros, o compartimento parece muito bem aproveitado, com praticamente nenhuma intervenção das torres de suspensão no espaço disponível. O estepe agora fica ali embaixo das bagagens, em vez de sob o carro como no 207. Na cabine, eu poderia levar mais três adultos que o espaço estaria garantido. O 208 tem o maior entre-eixos da categoria (2,54 m), o que proporciona folga para as pernas mesmo no banco de trás. O senão fica pelo teto meio baixo na parte traseira, desconfortável para quem mede mais de 1,80 m.
Fazia calor naquela manhã em Búzios, o que me fez já sair de lá com o ar-condicionado ligado e perceber, novamente (eu já havia reparado isso no 1.5), que o teto de vidro esquenta a cabine de uma forma que o forro do teto não consegue conter. Bastaram alguns minutos, porém, para que o interior do 208 ficasse numa temperatura agradável, mostrando que a potência do sistema de refrigeração foi bem ajustada para o Brasil. Comecei, então, a fuçar a central de entretenimento para conectar meu celular à ela.
Como queria apenas ouvir música, e não fazer ligações, recorri ao cabo USB. É legal que o sistema fica mostrando a capinha do CD que está tocando; a não ser que você queira ver outra função, como o GPS, por exemplo. No entanto, não achei o sistema tão intuitivo quanto o My Link do Chevrolet Onix. Tive de recorrer ao manual para ver como fazia para sair do modo "repeat" das canções e também para usar o navegador corretamente. Mas, uma vez entendido o sistema, é bem conveniente operar pela tela sensível ao toque. E a qualidade sonora vai bem até o volume 25 da central.
O 208 é bem construído. E você consegue ver isso tanto do lado de fora, pelos encaixes justos de carroceria, quanto por dentro, pelo painel com materiais de qualidade (embora todos rígidos) e maçanetas de metal cromado. Mas nosso carro foi premiado com um barulho no painel, que se manifestava toda vez que o piso passava de liso para irregular. E nem adianta culpar a suspensão, pois dessa vez a engenharia da PSA brasileira fez o dever de casa direitinho. Como dissemos na avaliação da versão 1.5, o 208 ganhou 10 mm de altura em relação ao modelo europeu e ficou mais macio, além de os amortecedores receberem o stop hidráulico para não bater no fim de curso. O resultado pôde ser visto antes mesmo de sair de Búzios, pela forma como o carro passou sem traumas pelas ruas de terra e de paralelepípedo, sem falar no asfalto mal-cuidado da cidade praiana.
Nessa versão Griffe, com aros 16, os pneus têm perfil mais baixo para compensar a roda maior (195/55 R16 contra 195/60 R15 da Allure), mas na prática senti pouca diferença tanto no conforto quanto na estabilidade. O 208 roda suave e silencioso, com boa superação e absorção de obstáculos, mas também gera confiança para entrar mais "quente" nas curvas da vida. Aliás, esse Peugeotzinho convida a uma direção mais esportiva, por conta da posição de guiar baixa e do volante de diâmetro reduzido que faz com que você enxergue os instrumentos por cima do aro, no melhor estilo head-up-display. A meu ver, será um belo argumento de vendas do modelo.
Sonhando com o GTi...
Se o motor 1.5 é inédito num Peugeot, esse 1.6 16V Flex Start já é conhecido do 308. E, embora tenha tecnologias como o sistema que pré-aquece o etanol e dispensa o tanquinho de gasolina para a partida a frio, além do comando de válvulas variável na admissão, não se trata exatamente de uma unidade de última geração. A potência é vistosa, de 122 cavalos, só que ela se manifesta apenas acima das 3.500 rpm, faixa por onde o torque começa a aparecer com mais vontade - são 16,4 kgfm a 4.000 rpm. O desempenho satisfaz, mas não chega a empolgar. No ensaio de 0 a 100 km/h, por exemplo, o 208 Griffe levou 11,6 s, marca idêntica à registrada pelo Onix LTZ, que tem motor 1.4 8V de 106 cv. Curiosamente, também foi um resultado igual ao do "primo" Citroën C3 com o mesmo propulsor.
As respostas agradam na estrada, com fôlego interessante em altas rotações, o que faz a gente dirigir "esticando" as marchas com frequência. Era o que eu fazia nos aclives da Via Dutra para manter o bom ritmo de viagem - veja os testes de retomada no final da reportagem, agora com a prova de 80 a 120 km/h feita em quarta marcha, mais usual numa ultrapassagem. Como dissemos anteriormente, o 208 é silencioso e não deixa a gente perceber, pelo ruído, que está em velocidades elevadas. Mas isso também ocorre com a versão 1.5. E ambas demandam quase o mesmo esforço do motor para manter 120 km/h em quinta marcha: cerca de 3.400 rpm. Nesse ritmo, o consumo do 1.6 na estrada não passou dos 10 km/l de etanol.
A parte mais divertida foram as curvas da subida da Serra das Araras, encaradas sob chuva. Mesmo com piso molhado, o 208 se comportou bem e exibiu boa estabilidade e aderência. A suspensão macia deixa a carroceria inclinar na tomada da tangência, mas logo ela apoia nos eixos e lá fica, bem postada, sem balançar. Os freios também se mostraram eficientes, como comprovariam mais tarde nos testes: 80 km/h a 0 em 26,1 m. O volante esportivo deixa as coisas mais lúdicas, com respostas rápidas e bem calibradas da direção. Com assistência elétrica, pela primeira vez num Peugeot compacto, ela é levinha nas manobras, mas tem peso adequado em velocidades de três dígitos. Uma evolução e tanto em relação aos demais Peugeots, geralmente pesados em demasia.
O que destoa na tocada do 208 é o câmbio. Compartilhado com o C3 (embora com uma alavanca de melhor pegada), tem o curso longo dos engates e deixa o giro do motor cair demais entre as trocas, além de ter o manejo barulhento na passagem das marchas. Optar pela versão automática (R$ 4 mil extras) também não resolve: ela traz a antiquada caixa de quatro velocidades usada no 207, apenas com outra programação e borboletas para mudanças manuais na coluna de direção. O jeito é torcer pela vinda do GTi, versão endiabrada com motor 1.6 THP de 200 cv e um exclusivo câmbio manual de seis marchas (como no Citroën DS3). Esse, sim, é o powertrain que o divertido 208 merece. Estrela da marca no Salão do Automóvel de 2012, o esportivo tem sua importação avaliada pela filial brasileira para o final de 2014, a estimados R$ 80 mil.
Por enquanto, eu ficaria com o 208 1.5 mesmo - tanto que a Peugeot aposta que 50% das vendas sejam da versão Allure. Isso porque, de volta a São Paulo, ainda rodamos mais uns dias com o 1.6 na cidade e achamos que o motor menor funciona melhor no dia-a-dia. É uma questão de torque: o 1.6 é mais forte e vai andar mais se você pisar fundo, mas mostra uma hesitação inicial que incomoda um pouco, especialmente com o ar-condicionado ligado. Já o 1.5 parece mais presente e bem disposto em baixas rotações, sem que seja preciso ficar fazendo reduções para acordar o motor. Isso sem falar no consumo melhor. Com o 1.6, registramos apenas razoáveis 7,4 km/l de etanol em circuito urbano.
Conclusão
Falar da evolução do 208 em relação ao 207 nacional é desnecessário, dada a diferença de praticamente 15 anos entre o projeto dos carros - vale lembrar que o 207 daqui é nada mais que uma repaginada do 206, de 1999. Mas é preciso reconhecer que, desde o 206, a Peugeot brasileira não tem um produto tão forte nas mãos. Durante uma rápida visita a uma concessionária da marca na capital paulista, foi curioso observar como o 208 causou furor na loja e se tornou um verdadeiro imã de funcionários que vão trabalhar com ele. Para apagar a fama ruim do pós-venda da marca, o novo hatch chega com três anos de garantia, revisões a preço fixo e seguro de 5% do valor do carro (sem perfil), em parceria com a própria Peugeot.
Após mais de 1.000 km rodados entre estradas e vias urbanas, podemos afirmar que o 208 é "o" carro para recuperar a auto-estima da marca por aqui. É estiloso e bem acabado, inovador no jeito de dirigir e está em sintonia com os mercados europeus. Apelo emocional parece não faltar ao novo compacto para fazer uma carreira de sucesso no Brasil e criar um ambiente positivo para a chegada do crossover 2008, já confirmado para produção em Porto Real (RJ) no final de 2014. A resposta do público virá a partir do dia 13 de abril, quando o primeiro lote do 208 desembarca nas revendas.
Por Daniel Messeder
Fotos: Rafael Munhoz, especial para o CARPLACE, e autorFicha técnica - Peugeot 208 Griffe
Motor: dianteiro, transversal, quatro cilindros em linha, 16 válvulas, comando variável na admissão, flex; Potência: 115/122 cv a 6.000/5.800 rpm; Torque: 15,5/16,4 kgfm a 4.000 rpm; Transmissão: câmbio manual de cinco marchas, tração dianteira; Direção: elétrica; Suspensão: Independente McPherson na dianteira e eixo de torção na traseira; Freios: discos ventilados na dianteira e tambores na traseira, com ABS; Peso: 1.153 kg; Porta-malas: 285 litros; Dimensões: comprimento 3,966 mm, largura 1,702 mm, altura 1,472 mm, entreeixos 2,541 mm;
Medições CARPLACE – valores entre parênteses se referem ao teste com ar-condicionado ligado
Aceleração
0 a 60 km/h: 4,9 s (5,1 s)
0 a 80 km/h: 7,3 s (7,6 s)
0 a 100 km/h: 11,6 s (12,2 s)
Retomada
40 a 100 km/h em 3a marcha: 9,6 s (11,4 s)
80 a 120 km/h em 4a marcha: 11,8 s (12,5 s)
Frenagem
100 km/h a 0: 42,0 m
80 km/h a 0: 26,1 m
60 km/h a 0: 15,1 m
Consumo
Ciclo cidade: 7,4 km/l
Ciclo estrada: 10,0 km/l
Números do fabricante
Aceleração 0 a 100 km/h: 9,7 s
Consumo cidade: N/D
Consumo estrada: N/D
Velocidade máxima: 198 km/h
Galeria: Viagem-teste de 1.000 km: Peugeot 208 Griffe vem para tirar o atraso