A Volkswagen dominava boa parte do mercado brasileiro de veículos de passeio em meados da década de 1960, mantendo-se na liderança com o Sedan, mais tarde batizado oficialmente como Fusca - apelido que virou nome de batismo. A receita do Fusca já era mais do que premiada e bem aceita pelos consumidores. A cada esquina havia uma Kombi, um Fusca, um Karmann Ghia... Os produtos da VW ocupavam a paisagem de qualquer cidade do Brasil, graças à boa fama gerada pela manutenção simples, facilidade de guiar e baixa desvalorização na hora da revenda.
Para tentar reduzir esse domínio alemão, a Willys-Overland, em parceria com os projetistas da Renault, trabalhava em um novo projeto para substituir o Gordini. Com a aquisição da Willys pela Ford, o projeto foi aproveitado e deu origem a dois automóveis distintos: Renault R12 e Ford Corcel, este último apresentado ao público no Salão do Automóvel de 1968, no recém-inaugurado Palácio de Exposições do Parque Anhembi, em São Paulo. O resultado era um carro que oferecia mais espaço para os passageiros, um porta-malas que acomodava a bagagem de uma família tradicional e ainda tinha desempenho satisfatório e boa economia de combustível - tudo isso a um preço bastante competitivo.
A Volkswagen então não poderia ficar para trás. Com as vendas do Corcel lá em cima, a fabricante alemã contra-atacou e apresentou seu primeiro automóvel quatro portas para o Brasil no final de 1968, o 1.600. Para disputar a categoria dos carros médios a VW trouxe da Alemanha o ferramental de estamparia do protótipo EA97, desenvolvido até a fase de pré-série sem que nunca tivesse entrado em produção na Europa.
Os engenheiros da filial brasileira trataram de trabalhar no protótipo, agora com o nome B-135. Foi colocado para rodar pelas piores estradas que se podia encontrar no Brasil, antes de ser aprovado. Mudanças estéticas e estruturais resultaram em uma configuração nunca antes oferecida pela Volkswagen: um automóvel com três volumes bem definidos e quatro portas.
A carroceria trazia um desenho incomum para a gama da marca. Os traços retilíneos acompanhados de faróis retangulares com indicador de direção nas extremidades chamavam a atenção de quem estava acostumado com as linhas arredondadas do Fusca. O interior era ainda mais surpreendente, com bancos dianteiros mais confortáveis e um ajuste preciso de regulagem do encosto que possibilitava ao motorista encontrar a posição ideal para dirigir em pouco tempo.
Uma das características do 1.600 era a ampla área envidraçada, praticamente livre de pontos cegos - principalmente na traseira devido ao perfil mais baixo do terceiro volume. Os passageiros de trás também encontravam muito mais espaço que no Fusca, com conforto para até três ocupantes. Por fim, as portas de trás facilitavam o acesso, com abertura suficiente e facilidade de manejo.
O sedã era equipado com propulsor de 1.600 cilindradas e carburador Solex H30, motor desenvolvido a partir do tradicional 1.300 do Fusca com algumas modificações que geraram 60 cv de potencia a 4.500 rpm. O torque de 11,5 mkg estava disponível a partir dos 2.500 rpm, o que fazia do 1.600 um carro ágil sem que fosse necessário ficar esticando marchas para que ele ganhasse velocidade.
Essa motorização deixava o modelo apto ao dia-a-dia dos grandes centros urbanos e ainda garantia boa velocidade de cruzeiro nas rodovias. Outro ponto positivo estava nos freios (disco na dianteira e tambor na traseira), que se mostravam mais eficientes do que o sistema do Fusca 1.300.
Só que as qualidades do 1.600 não foram suficientes para levá-lo ao estrelato. E na época do lançamento ainda houve uma infeliz coincidência. O cineasta José Mojica fazia imenso sucesso com seus filmes de terror como “O estranho mundo de Zé do Caixão”, que apresentava um sinistro personagem na busca incansável da mulher perfeita, uma pessoa que tivesse inteligência acima da média para dar origem a um filho com ele e continuar a procriar uma raça superior. Logo o nome do personagem foi associado ao desenho do carro, que lembrava um caixão pelas quatro maçanetas cromadas e pelo desenho da carroceria. Não deu outra: o apelido pegou e ninguém mais lembrava do nome original do carro...
Assim, as vendas do 1.600 estavam lá em baixo, e o pequeno número de veículos vendidos em 1969 mostrou a dificuldade do público em associar o carro à marca através das linhas, além do apelido que desencorajava muitos possíveis compradores a adquirir o modelo. Por outro lado, as vendas do rival Corcel estavam aquecidas.
Rejeitado pelos consumidores, o sedã foi encontrar refúgio entre os taxistas cariocas. Na praça ele era boa opção para o trabalho, pois oferecia mais conforto e a facilidade de acesso pelas quatro portas, coisa que já era exigida pelos turistas estrangeiros. Então o 1600 passou a colher elogios dos proprietários pela agilidade e mecânica confiável.
Em 1970 a Volkswagen encerrou a produção do 1.600 “Zé do Caixão”, devido à queda abrupta nas vendas - no total foram produzidas apenas 24.475 unidades. A introdução das linhas quadradas do modelo deu origem a dois produtos que traçaram um caminho de sucesso, a perua Variant e o hatch TL, que chegou a ter uma variante com quatro portas. Mais tarde chegaria a aclamada Brasília, um projeto inovador da Volkswagen totalmente desenvolvido no Brasil para os brasileiros.
Por Júnior Almeida
Galeria: Carros para sempre: Volkswagen 1.600, o “Zé do Caixão”