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Juro escandaloso ainda limita vendas de carros

Com reduções da Selic e inadimplência, bancos aprovam mais financiamentos mas continuam cobrando alto e ganham mais do que há um ano

VW Taos 2022 nas lojas

O destino do mercado brasileiro de veículos sempre esteve atado a dois fatores: concessão de crédito, que aumentou no último ano, e a taxa desemprego, que caiu para 6,9%, o melhor nível dos últimos dez anos, índice muito próximo do pleno emprego, aumentando a confiança e a renda disponível para consumo.

Esta combinação positiva aqueceu as vendas no primeiro semestre acima das expectativas mas poderia impulsionar o resultado ainda mais para o alto se não fosse pela escandalosamente alta taxa de juros ainda cobrada pelos bancos no financiamento de automóveis.

Novo Nissan Sentra nas lojas

Novo Nissan Sentra nas lojas

Segundo dados do Banco Central o volume de financiamentos concedidos a pessoas físicas para compra de automóveis, em junho passado, chegou a R$ 16,8 bilhões, valor que cresceu quase 40% nos primeiros seis meses de 2024.

Esta evolução mostra que os bancos estão menos avessos ao risco de conceder financiamentos, aprovando cerca de sete a cada dez pedidos, segundo a Fenabrave, que representa os concessionários. Endossa a confiança das financeiras em emprestar mais a expressiva redução da inadimplência do pagador de prestações do carro, que melhorou de 5,4% para 4,5% nos últimos doze meses.

Outro fator de redução de risco – e possível aumento das concessões de crédito – foi a aprovação, no fim do ano passado, do Marco das Garantias, que desburocratiza e torna mais rápido o processo de retomada do bem em caso de falta de pagamento do financiamento, agora sem que seja necessária a autorização judicial – algo que tornava muito cara e demorada a recuperação da garantia do empréstimo, no caso, o próprio carro financiado.

BYD Song Plus na concessionária

BYD Song Plus na concessionária

Bancos ganham mais

No entanto nada disso reduziu o excessivamente caro e inexplicável juro do financiamento no País. Embora o financiamento de carros seja um dos mais baratos do mercado em comparação com outras modalidades de crédito, a taxa média atual caiu muito pouco no último ano.

Em julho de 2023 a inadimplência dos financiamentos de veículos era de 5,4% e o juro básico do mercado financeiro, a taxa Selic, estava fixada pelo BC em 13,25% ao ano, enquanto a taxa média do crédito para compra de carros estava em 26,1% ao ano – a diferença da Selic para o juro final cobrado do consumidor, o chamado spread, era portanto de quase 13 pontos porcentuais.

Um ano depois a inadimplência caiu para 4,5%, a Selic foi reduzida em 2,75 pontos, para a 10,5%, mas a taxa média para compra de veículos não foi reduzida na mesma proporção, desceu apenas 0,6 ponto, para 25,5% ao ano, com spread de 15 pontos, ou 2 pontos maior do que na mesma época de 2023.

Ou seja: o risco e a Selic estão mais baixos mas os bancos estão cobrando spread mais caro – e ganhando mais – pelo financiamento do que faziam um ano atrás.

A explicação mais plausível para esta distorção econômica é que há quem pague. A grande maioria dos consumidores brasileiros nunca teve educação financeira suficiente para se importar com os juros que paga, mas presta atenção apenas para a conta simples do tamanho da prestação: se couber no bolso, tudo bem.

Hyundai HB20 Limited Plus vs. Peugeot 208 Style

Hyundai HB20 Limited Plus e Peugeot 208 Style

Pode ser melhor

Com crédito mais disponível, desemprego menor e confiança do consumidor em alta, o volume de vendas de veículos leves no País surpreendeu até os mais céticos – inclusive este colunista – no primeiro semestre, com pouco mais de 1 milhão de emplacamentos e crescimento de 15,4% na comparação com o mesmo período de 2023.

A aceleração acima do esperado fez a Anfavea, que representa os fabricantes, elevar de 5,7% para 11% sua projeção de expansão do mercado este ano, enquanto a Fenabrave, que representa os concessionários, espera ainda mais: 15%, contra os 12% da estimativa elaborada em janeiro passado.

Olhando para a evolução das vendas, do crédito e dos juros a conclusão é que o mercado brasileiro de veículos poderia crescer bem mais do que o ritmo atual.

Em junho, segundo dados da B3, foram financiados 86 mil veículos leves zero-quilômetro, número 7,8% maior do que o registrado no mesmo mês de 2023, mas que representou apenas 42% dos 202,6 mil automóveis e utilitários leves vendidos no período, um porcentual ainda baixo na comparação com os cerca de 70% de 2019, por exemplo.

Como comparação, o crescimento verificado no mesmo mês foi bem maior, de 40,3%, no número de veículos financiados com mais de doze anos de uso, justamente os mais baratos, que fazem a prestação caber no bolso, mesmo com juros mais elevados.

Esta enorme diferença de desempenho nas vendas financiadas de carros zero-quilômetro e dos velhos com mais de doze anos comprova que o custo do crédito ainda é uma trava importante para a evolução do mercado de veículos novos, cada vez mais caros e sem a diluição das suaves prestações.

* Pedro Kutney é jornalista especializado em economia, finanças e indústria automotiva. É autor da coluna Observatório Automotivo, especializada na cobertura do setor automotivo, e editor da revista AutoData. Ao longo de mais de 35 anos de profissão, foi editor do portal Automotive Business, editor da revista Automotive News Brasil e da Agência AutoData. Foi editor assistente de finanças no jornal Valor Econômico, repórter e redator das revistas Automóvel & Requinte, Quatro Rodas e Náutica.

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