No esforço para preservar a história, fabricantes de automóveis têm recriado artesanalmente alguns carros importantes porém extintos. A Mercedes-Benz refez o Renntransporter com que transportava seus bólidos de corridas nos anos 50. A Volkswagen providenciou réplicas dos primeiros protótipos do Fusca, sucateados durante a Segunda Guerra.
A BMW construiu, em 2010, um exemplar do 328 Kamm Coupé, vencedor da Mille Miglia de 1940. Já a Renault refez o 40 CV Montlhéry, carro de recordes de 1926. Agora, a Audi foi ainda mais longe nessa ideia: trouxe ao mundo real um modelo que teve seu projeto abortado 90 anos atrás.
Conceito Auto Union Type 52
Todos conhecem os “Flechas de Prata” da Auto Union, revolucionários carros de Grand Prix dos anos 1930. Mas um fato pouco divulgado é que, nos planos da fabricante alemã, também havia uma versão de rua com motor de 16 cilindros: o Auto Union Type 52 que, na época, não saiu do papel.
Agora, quase 90 anos depois, a Audi finalmente construiu esse supercarro - o Schnellsportwagen (Carro Esporte Veloz). O modelo foi apresentado ao público no Goodwood Festival of Speed, realizado na Inglaterra, no último fim de semana.
Voltemos no tempo para contar essa história: a Auto Union AG foi formada em 1932 pela fusão das fabricantes Audi, DKW, Horch e Wanderer (daí as quatro argolas em seu logotipo, usado até hoje pela Audi). No mesmo ano, foram publicados os novos regulamentos para os carros de Grand Prix, a Fórmula 1 da época, nas temporadas de 1934 a 1936. A regra principal era que o peso do carro (sem piloto, combustível, óleo, água e pneus) não poderia ultrapassar os 750 quilos.
Em 1933, a Auto Union encomendou o projeto de um carro de GP ao escritório de Ferdinand Porsche. Assim nasceu o Auto Union Typ A, pioneiro carro de corridas com motor central - padrão adotado até hoje na Fórmula 1.
Auto Union GP Typ A (1934), com Hans Stuck
Daí até o início da Segunda Guerra Mundial, a Auto Union estabeleceria diversos recordes mundiais com seus carros de GP (tipos A, B, C e D), vencendo inúmeras subidas de montanha, três campeonatos alemães e o campeonato europeu de 1936. Entre seus pilotos estavam Achille Varzi, Tazio Nuvolari, Bernd Rosemeyer e Hans Stuck (este último trouxe o Auto Union Typ C ao Rio de Janeiro para correr no Circuito da Gávea em 1937, terminando em segundo lugar).
O que pouca gente sabia era que, enquanto os carros de Grand Prix estavam sendo desenvolvidos, a Auto Union e o escritório de Ferdinand Porsche planejavam criar também um carro esportivo de rua, com carroceria fechada. Os primeiros esboços foram assinados por ninguém menos que Erwin Komenda (1904-1966), que mais tarde desenharia as carrocerias do Fusca, do Porsche 356 e do Porsche 911. Inicialmente, o supercarro era chamado de Schnellsportwagen, mas logo o projeto foi rebatizado de Auto Union Typ 52.
Auto Union Type 52 Concept
Auto Union Typ 52 (1935/2023)
A ideia era que o carro fosse vendido a clientes que quisessem participar de provas de longa distância, como a Mille Miglia, ou corridas de resistência para carros de turismo em Spa-Francorchamps ou Le Mans. Também se falava que o bólido poderia ser usado pela equipe oficial da fábrica.
Já no final de 1933, a equipe de Ferdinand Porsche desenhou os primeiros esboços do Typ 52, que tomaram forma mais concreta em 1934. Os projetistas decidiram construir um carro de teste – mas até onde se sabe, isso jamais se concretizou.
O projeto original assinado por Erwin Kommenda
O projeto foi abandonado em 1935, e o trabalho de desenvolvimento do Typ 52 acabou nos arquivos da Audi e da Porsche. Sua tecnologia era baseada na do Auto Union de Grand Prix, elaborado na mesma época. O chassi tinha longarinas tubulares, com motor central. Sim… seria o primeiro supercarro com motor central!
A transmissão vinha do Auto Union de GP, e a taxa de compressão do potente V16 foi reduzida para permitir que o carro funcionasse com gasolina comum. Os engenheiros também baixaram a pressão gerada pelo compressor volumétrico Roots.
O motor de 4,4 litros deveria render 200 cv e 44,5 kgfm - uma redução de potência e torque em relação ao Auto Union Typ A de Grand Prix da temporada de 1934 (295 cv e 54 kgfm). Ainda assim, o Schnellsportwagen honraria seu nome: com máxima estimada em 200 km/h, teria sido um dos supercarros mais fortes e competitivos da época. Mas o fato é que a Auto Union tinha outras prioridades e o projeto não saiu das pranchetas.
Passadas nove décadas, a Audi Tradition - divisão responsável pela preservação da memória da marca alemã - decidiu concretizar o projeto do Auto Union Typ 52. Em um trabalho de arqueologia automotiva, reuniu todos os planos e esboços referentes ao modelo. O serviço artesanal de construção do carro foi encomendado à Crosthwaite & Gardiner, especialista em fabricar peças e fazer a manutenção de carros de corrida antigos. Esta empresa britânica já havia restaurado/reconstruído os Auto Union de GP para a coleção de veículos históricos da Audi.
Direção central e três lugares
Após anos de trabalho, o Typ 52, enfim, ficou pronto. Todos os componentes foram feitos sob medida para o modelo. Com mais de cinco metros de comprimento, o Schnellsportwagen causa impacto: sua silhueta alongada reflete os conhecimentos aerodinâmicos dos anos 30. Diferentemente dos monopostos de Grand Prix, o carro tem carroceria fechada e lugar para bagagem, além de faróis e lanternas. O volante é central e o motorista vai ladeado por dois bancos para caronas ligeiramente deslocados para trás. Há também espaço para os dois estepes e bagagem - as duas portas traseiras servem como acesso a esse compartimento. O peso é de 1.300 quilos (sem ocupantes).
O motor V16 e o câmbio de cinco marchas vieram dos Auto Union GP. Já a suspensão foi feita especificamente para o Typ 52, com barras de torção e amortecedores hidráulicos. O tanque, com 110 litros foi instalado sob os assentos. No carro de corridas, o tanque era maior e ia atrás do piloto, para otimizar a distribuição de peso. Tanto o Schnellsportwagen quanto o Typ A de competição têm freios a tambor nas quatro rodas - os freios a disco só chegaram às pistas nos anos 50 (uma curiosidade: os tanques alemães Tiger já usavam freios a disco em 1942!).
Construir um carro 90 anos depois de ter sido projetado exigiu anos de pesquisas, muita intuição e alguma licença técnica. Para começar, não existia qualquer foto do Typ 52, uma vez que nenhum protótipo chegou a ser construído pelo escritório de Ferdinand Porsche.
A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) complicou as coisas. Após a rendição alemã, parte da Auto Union AG ficou na zona de ocupação soviética e a maioria dos carros de Grand Prix desapareceu, bem como parte dos arquivos da empresa. Tampouco restam depoimentos da equipe que desenvolveu o Typ 52. Salvaram-se, contudo, alguns planos que permitiram ter uma visão clara dos objetivos e do caminho que os engenheiros estavam seguindo.
Durante a fase de construção, a Audi Tradition e os especialistas da Crosthwaite & Gardiner estiveram em constante comunicação. Timo Witt, chefe da coleção de veículos históricos da Audi, teve que tomar decisões para resolver uma série de questões que não constavam nos projetos resgatados.
“Em nosso intenso intercâmbio durante a construção do carro, percebemos que os projetistas dos anos 30 também teriam que ajustar vários detalhes técnicos se tivessem chegado à fase de testes”, conta Witt.
Um exemplo: o entre-eixos do Auto Union Typ 52 teve que ser aumentado em 31 cm pois seria tecnicamente impossível montar suspensão dianteira, direção, motor e transmissão na medida prevista originalmente. Já o interior da cabine foi inspirado nos carros de Grand Prix, com uma interpretação moderna de cores e forrações.
Nenhum dos documentos antigos especificava a cor que o carro teria. Assim, a Audi Tradition novamente usou o carro de GP como inspiração e escolheu a tinta “prata celulose” para o acabamento.
Quanto ao motor, a opção foi pelo V16 do Auto Union Typ C de corridas (1936-1937), sem limitação de potência. Isso garante a compatibilidade de componentes com os carros que a Audi Tradition já tem em seu acervo, facilitando a manutenção. É puro veneno de época: com 6 litros de cilindrada e compressor volumétrico, esse motor queima uma mistura de metanol, gasolina de alta octanagem e tolueno. Rende 520 cv - mais que o dobro da potência prevista originalmente para o Schnellsportwagen!
Auto Union Typ 52 em Goodwood
O Auto Union Typ 52 já estava pronto nas oficinas da Crosthwaite & Gardiner desde o ano passado, mas só agora fez sua estreia diante dos olhos do público, no Goodwood Festival of Speed. A honra de conduzi-lo coube ao experiente Hans-Joachim Stuck, duas vezes vencedor das 24 Horas de Le Mans e filho de Hans Stuck (1900-1978), que pilotava os carros de Grand Prix da Auto Union nos anos 30.
Auto Union Typ 52, com Hans Stuck
“Nos eventos em que guio o Auto Union Typ C que meu pai pilotou em sua época, consigo perceber toda a excitação e a fascinação dos fãs de automobilismo. Assim, foi um grande prazer dirigir o Auto Union Typ 52 em Goodwood pela primeira vez. O Schnellsportwagen é simplesmente impressionante: seu som é incrivelmente musical – como se viesse de uma orquestra. E o design é surpreendente, genial!", entusiasma-se Stuck filho.
Stefan Trauf, chefe da Audi Tradition completa:
"Estamos emocionados em apresentar o Auto Union Typ 52, que entusiasma a todos por seu design e tecnologia. Na época, infelizmente, o carro foi só um sonho – que agora, 90 anos depois, conseguimos tornar realidade. O Schnellsportwagen demonstra a genialidade de seus criadores e a inovação tecnológica de seu tempo".
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