Apesar de teimosamente não ser considerado um feriado o fato é que nada além de folia ou descanso acontece no Carnaval. Mas para o mercado de veículos leves, ao menos este ano, algo surpreendente aconteceu. Há tempos não se vendiam tantos carros e utilitários no mês de Carnaval – e este colunista não tem lembrança de quando fevereiro foi melhor do que janeiro.
Com o Carnaval no meio que reduziu o número de dias úteis [de verdade] a dezoito, fevereiro registrou o emplacamento de 154,4 mil veículos leves, uma surpreendente alta de 2,2% sobre janeiro com 22 dias úteis, nos quais foram emplacados 151 mil automóveis e comerciais leves. Na comparação com fevereiro de 2023 – que também teve o Carnaval no meio – o crescimento foi de robustos 29,7%. Os números foram apurados pela consultoria Jato Dynamics e divulgados na sexta-feira, 1º de março.
“Inesperado, inusitado, estupendo, excelente e notável.” É com esta penca de adjetivos que o diretor da Jato no Brasil, Milad Kalume Neto, define o resultado de vendas de fevereiro.
Segundo o consultor, que acompanha o comportamento dos preços de mercado, o que houve foi um carnaval de promoções para desovar estoques – que em janeiro chegou a 216,5 mil veículos estacionados nos pátios de montadoras e concessionárias, equivalente a quarenta dias de vendas pelo ritmo de emplacamentos daquele mês, de acordo com dados divulgados pela Anfavea, a associação dos fabricantes.
Kalume Neto indica que houve muitas promoções chamando consumidores para as compras, com sensível aumento dos descontos, quase todos os carros de entrada estavam sendo oferecidos com generosos bônus e os fabricantes impulsionaram vendas com a oferta de financiamentos com taxa zero – o que não existe, mas anima muitos fregueses desavisados a comprar.
Sintoma dos descontos aparece no ranking dos carros mais vendidos de fevereiro. Na lista dos dez primeiros, seis são considerados hatches compactos de entrada, que ostentam os preços mais baratos do mercado, e só aparecem dois SUVs, mesmo assim na parte mais baixa da tabela: o Hyundai Creta em sétimo lugar e o Jeep Compass em décimo.
O consultor sublinha que houve “um movimento atípico de promoções” para fevereiro, que sempre costuma registrar o mais baixo volume de emplacamentos do ano para todas as marcas, tendo ou não o Carnaval.
Endossa esta análise o número de vendas diretas, que representaram 46,1% dos emplacamentos, porcentual que Kalume Neto considera normal para esta época do ano, quando as locadoras diminuem o ritmo das compras, e está bastante abaixo dos 55% previstos pela Jato para este ano inteiro – em dezembro o faturamento direto representou 53,3% dos negócios.
Ou seja, o impulso de fevereiro veio das vendas de varejo nas concessionárias, infladas pelas promoções que as montadoras sustentaram para baixar o nível dos estoques. O movimento comprova, mais uma vez, que há demanda mas os preços estão altos e falta renda, pois quando há redução os clientes aparecem.
Os descontos amenizaram a alta de 7,7% do preço médio do automóvel vendido no Brasil, que segundo acompanhamento da Jato saltou de R$ 140,6 mil em 2023 para R$ 151,5 mil janeiro. Segundo Kalume Neto este é um movimento normal em todo início de ano, quando os fabricantes lançam linhas de produtos com preços maiores. Ele aponta que a bolha de vendas de veículos eletrificados também forçou o valor para cima.
O fato é que se estes valores fossem de fato os preços mais cobrados do mercado o resultado de fevereiro seria bem outro.
Também não houve impulso adicional dos carros eletrificados que aqueceram as vendas de janeiro, em um movimento que os importadores fizeram de trazer o maior volume possível antes da retomada do imposto de importação sobre estes veículos, que eram isentos e voltaram a ser taxados este ano.
Como era esperado a bolha de vendas de modelos híbridos e elétricos começou a desinflar em fevereiro, com registro de 10,4 mil emplacamentos, queda de 13% sobre os 12 mil de janeiro. A participação dos eletrificados no total dos negócios também caiu de 7,9% no primeiro mês de 2024 para 6,8% no segundo.
Quase metade das vendas de eletrificados no País foi da chinesa BYD, com pouco mais de 4,4 mil emplacamentos em fevereiro puxados pelo híbrido plug-in Song Plus com 1,9 mil licenciamentos, seguido por 1,8 mil do 100% elétrico Dolphin.
Os números da fabricante devem ter impulso adicional com o lançamento do elétrico Dolphin Mini, seu modelo mais barato que começou a ser vendido no fim de fevereiro com preço público sugerido de R$ 115,8 mil, mas com desconto de R$ 10 mil para quem fizesse a reserva até o dia 29.
Com as especulações de que o Dolphin Mini seria lançado abaixo de R$ 100 mil a fabricante recebeu cerca de 7 mil reservas, mas não está certo se todas vão se transformar em emplacamentos. A BYD espera vender 20 mil unidades do modelo este ano e 120 mil no total. Para isto acontecer as vendas precisam aumentar muito nos próximos meses.
As vendas de janeiro e principalmente de fevereiro muito acima das expectativas já enseja a esperança que 2024 pode ser melhor do que o previsto. A Anfavea projeta a venda de 2,3 milhões de veículos leves este ano, o que representa crescimento comedido de 5,7% sobre 2023, que também não foi lá dessas coisas – não fosse o programa de descontos do governo o resultado teria sido algo como 200 mil unidades abaixo dos quase 2,2 milhões de emplacamentos no ano passado.
Ainda é cedo para dizer se o desempenho de 2024 será melhor do que o esperado, vai depender muito do fôlego dos fabricantes em continuar oferecendo descontos e da queda de juros ao consumidor para viabilizar financiamentos e suavizar os preços altos.
Mas é possível dizer que já são surpreendentes os 305,4 mil carros e comerciais leves emplacados no primeiro bimestre do ano, com crescimento robusto de quase 30% sobre o mesmo período de 2023.
Para além dos descontos e das promoções também entram em cena fatores macroeconômicos favoráveis que já enganaram analistas no ano passado. Crescimento da economia – mesmo que em ritmo mais lento que o de 2023 –, juros em queda, maior oferta de financiamento e mais gente empregada são fatores que, em passado recente, alimentaram otimismo e aqueceram o mercado nacional de veículos para níveis muito acima dos que têm sido vistos nos últimos quatro anos.
Kalume Neto pontua que a Jato continua a projetar a venda de 2,3 milhões de veículos leves este ano, mas depois do carnaval de vendas de fevereiro já colocou um “viés de alta” na previsão. A ver.
* Pedro Kutney é jornalista especializado em economia, finanças e indústria automotiva. É autor da coluna Observatório Automotivo, especializada na cobertura do setor automotivo, e editor da revista AutoData. Ao longo de mais de 35 anos de profissão, foi editor do portal Automotive Business, editor da revista Automotive News Brasil e da Agência AutoData. Foi editor assistente de finanças no jornal Valor Econômico, repórter e redator das revistas Automóvel & Requinte, Quatro Rodas e Náutica.
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