Os esperados lançamentos nos próximos dois a três anos de novos carros híbridos flex, equipados com motores elétricos e a combustão que podem rodar com gasolina e etanol em qualquer proporção, indicam uma rota tecnológica que pode conferir ao biocombustível a relevância internacional que lhe falta.
Especialistas apontam que a combinação do biocombustível com a eletrificação é atualmente a solução mais eficiente para reduzir emissões de CO2 dos carros.
Segundo cálculos da Unica, União da Indústria da Cana, considerando o ciclo completo do poço à roda – inclui o plantio e colheita da cana, seu processamento, transporte e distribuição, além do uso nos carros –, um veículo alimentado exclusivamente com a gasolina brasileira, com 27% de etanol anidro, emite 131 gramas de CO2 por quilômetro, contra apenas 37 g CO2/km abastecido integralmente com o etanol hidratado de cana.
Esse valor é menor do que um modelo a elétrico bateria na Europa, que alimentado pela matriz energética atual da região emite 54 g CO2/km – e emitiria 35 g CO2/km se usasse a energia mais limpa gerada no Brasil, 64% a partir de hidrelétricas.
O híbrido flex, como o Toyota Corolla já produzido no país desde 2019, apresenta a melhor relação de eficiência: abastecido só com etanol tem emissão de 29 g CO2/km.
Mesmo no Brasil do etanol, que teoricamente não precisaria de carros elétricos para neutralizar as emissões de CO2, a eletrificação da motorização dos veículos será quase uma obrigação para atender às metas bem mais apertadas de eficiência energética da segunda fase do programa Rota 2030, de 2023 a 2027.
Sem a ajuda do powertrain elétrico em alguma medida, especialistas julgam ser impossível atingir os novos objetivos de gasto energético máximo, calculados em megajoules por quilômetro, independentemente do combustível usado.
Os motores a combustão também estão na alça de mira da legislação brasileira estabelecida pelo Proconve, o programa de controle de emissões veiculares de gases poluentes. A próxima fase do Proconve para veículos leves, a L8, começa em 2025 com limites bem mais rígidos, o que também deverá requerer algum grau de eletrificação para atender a lei.
A grande vantagem ambiental do etanol é que cerca de 90% das emissões de CO2 provenientes da queima do biocombustível nos carros são reabsorvidos pela própria plantação de cana-de-açúcar, matéria-prima de 90% do álcool combustível consumido aqui – outros 10% vêm do milho.
Contudo, o etanol também emite poluentes, como aldeídos (potencialmente cancerígenos) e os gases orgânicos não-metano, os NMOG, que eleva a concentração de ozônio na baixa atmosfera e causa problemas respiratórios. Atualmente, os motores alimentados por etanol emitem esses compostos em níveis acima do que está previsto no Proconve L8. Algo que terá de ser resolvido até 2025.
Com esse cenário à vista logo adiante, boa parte dos fabricantes de veículos instalados no Brasil tem projetos, em diferentes graus de maturação, para lançar modelos híbridos flex no país, hoje um segmento explorado apenas pela Toyota, que produz dois modelos em duas fábricas paulistas. Todos os demais híbridos vendidos no mercado brasileiro até agora são importados e equipados com motores a gasolina.
Em setembro de 2019 a Toyota lançou aqui o primeiro carro híbrido flex do mundo, a versão topo de linha do sedã Corolla produzido em Indaiatuba, que chamou de “híbrido mais limpo do mundo” – como comprovam as medições citadas acima. Um ano e meio depois a mesma propulsão passou a equipar o SUV Corolla Cross feito em Sorocaba.
Ambos são híbridos fechados, não plugáveis, com bateria recarregável somente pelo motor. O powertrain é inteiramente importado do Japão e até o momento a montadora não revelou planos de nacionalizar o sistema, afirma que para isso precisa de escala de produção maior.
Desde o fim de 2019 até o primeiro trimestre deste ano a Toyota já vendeu mais de 40 mil unidades de versões híbridas flex, perto de 40% das vendas de ambos os modelos no período, volume acima das expectativas da própria fabricante, comprovando que há mercado para essa opção.
Sabe-se que os dois maiores fabricantes no Brasil, Volkswagen e Grupo Stellantis (produzindo no país carros das marcas Fiat, Jeep, Peugeot e Citroën) estão desenvolvendo modelos híbridos flex que podem ser lançados até 2024. Com mais incertezas, Renault e Nissan também têm projetos em desenvolvimento.
Parece bastante provável que a chinesa Great Wall também deverá incorporar o sistema bicombustível etanol-gasolina aos modelos híbridos de SUVs e picapes que pretende produzir no Brasil a partir do segundo semestre de 2023, na fábrica comprada da Mercedes-Benz em Iracemápolis (SP).
Em tese, outras fabricantes também poderiam incorporar facilmente o sistema flexfuel em modelos a serem feitos no país futuramente, ou até mesmo importados. Tudo depende de escala.
Se o mercado brasileiro parar de crescer, como acontece no momento, especialmente para as marcas com baixos volumes de vendas, será difícil justificar gastos com adaptações de tecnologias para vender poucos carros. Ou seja: precisa valer a pena.
Em tese, a tecnologia flex pode ser aplicada em qualquer tipo de powertrain eletrificado, desde o mais barato híbrido leve com bateria de 48 V, em que o impulsor elétrico só ajuda nas partidas, passando pelo híbrido fechado (caso dos Toyota brasileiros), até os mais caros híbridos plug-in, que podem ser recarregados na tomada ou pelo motor a combustão e rodam cerca de 50 km com propulsão elétrica, ou híbridos em linha, que têm tração 100% elétrica e usam motor térmico como gerador para recarregar as baterias.
Seja qual for o sistema adotado, para ganhar escala, a tecnologia flex, o uso de etanol e sua combinação com a eletrificação precisam ganhar escala global, para se tornar viável e relevante.
Se o Proálcool, nos anos 1980, foi o maior plano de substituição de combustível fóssil do mundo – obviamente antes de se ouvir falar em carro elétrico –, o sistema flexfuel criou no Brasil o mais bem-sucedido programa de descarbonização com uso de biocombustível renovável, garantindo ao país a matriz energética veicular mais limpa do mundo, mas em baixa escala.
Atualmente só o Brasil, que responde por apenas 2,5% das vendas globais de veículos, tem larga distribuição e uso de álcool combustível no mundo. É pouco para garantir a sobrevivência da tecnologia flex, com ou sem eletrificação.
“Se continuarmos a desenvolver motores flex só para um mercado de menos de 2 milhões de veículos [por ano], claro que vamos perder relevância no mundo. Mas se projetarmos aqui propulsores que rodam com etanol em conjunto com tecnologia híbrida, isso nos coloca em um mercado global potencial de 11 milhões [de unidades/ano], considerando só as vendas da Volkswagen no mundo hoje”, calcula Pablo Di Si, presidente da VW América Latina.
O executivo é um defensor do biocombustível como solução mais rápida e viável para reduzir emissões veiculares. Ele conseguiu incluir o etanol no plano global de descarbonização da Volkswagen e aprovou investimento para criar em São Bernardo do Campo (SP) um centro de pesquisa e desenvolvimento de biocombustíveis.
Aqui mesmo no Brasil é necessário criar condições para elevar o uso do biocombustível. Apesar de mais de 80% dos veículos leves novos vendidos no país serem equipados com o sistema flex, que já foi aplicado a quase 40 milhões de carros desde o lançamento em 2003, o etanol responde hoje por apenas 37% do consumo de combustíveis por automóveis e utilitários no país. É pouco, reduz substancialmente o potencial ambiental de neutralizar emissões de gases de efeito estufa.
Isso ocorre porque o preço do etanol não compensa em relação à gasolina na maior parte dos estados brasileiros. A formação de estoques reguladores, concessão de incentivos e a transformação do biocombustível em commodity internacional, com maior produção no mundo, são fatores fundamentais para tornar o álcool combustível mais competitivo.
Se isso acontecer, carros híbridos flex deixariam de ser uma “jabuticaba”, algo que só cresce no Brasil, e passariam a ser produzidos e vendidos em maior escala e diversos outros países.
O mundo automotivo está atualmente dividido em dois. De um lado estão os países mais ricos, que representam hoje 74% das vendas mundiais de veículos, cerca de 60 milhões de unidades em 2021, basicamente China, Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão, que rumam para a eletrificação parcial e total do powertrain.
Do outro lado estão nações subdesenvolvidas que não podem pagar por isso, incluindo o Brasil e Índia, os únicos entre os dez maiores mercados de veículos do mundo que estão fora da rota de eletrificação, mas que têm alto potencial de produção e consumo de biocombustíveis.
Os governos de Índia e Brasil vêm se aproximando em torno do etanol, em um movimento com potencial de dobrar a produção de carros flex no mundo. A Índia é o quarto maior mercado de veículos do mundo e quer aproveitar a solução brasileira para descarbonizar sua matriz energética extremamente suja – o país é o quarto maior importador de gasolina e gera 73% de sua energia elétrica em usinas a carvão.
Na semana passada, uma missão brasileira esteve na Índia. Representantes dos governos dos dois países, além de empresários do setor sucroalcooleiro e fabricantes de veículos – Pablo Di Si da Volkswagen e Roberto Braun da Toyota –, assinaram protocolos para estabelecer cooperações com o objetivo de transferir aos indianos tecnologias para aumentar a produtividade do cultivo de cana, além da produção de etanol e de veículos flex.
Com ou sem eletrificação, o etanol pode evoluir para ser opção viável à descarbonização da matriz energética veicular em algumas regiões do planeta, especialmente onde falta renda para bancar carros elétricos e há condições para produzir o biocombustível.
Se souber utilizar sua experiência adquirida com o etanol e combinar o biocombustível com a eletrificação em modelos híbridos flex, o Brasil poderá liderar a descarbonização veicular de uma parte do mundo que não tem renda para comprar carros elétricos, mas que também precisa atender compromissos de redução de emissões de CO2. Essa porção do planeta consome atualmente algo como 20 milhões de veículos por ano, considerando América Latina, África e países asiáticos com exceção de China, Japão e Coreia do Sul. É uma oportunidade.
A Renault considera vender uma parte de sua participação acionária de 43% na Nissan, avaliada em € 7 bilhões, que criou a Aliança entre as duas fabricantes há 23 anos. A notícia foi publicada semana passada pela agência Bloomberg e é atribuída a fontes da empresa.
Segundo essas fontes, a Renault tentará vender parte de suas ações na Nissan em uma operação delicada, sem acabar com a Aliança, buscando reequilibrar as forças das duas empresas na sociedade, tendo em vista que a japonesa tem participação cruzada bem menor na francesa, de 15%, sem grande poder de mudar decisões.
Seria uma forma de a Renault levantar recursos para viabilizar investimentos em uma nova empresa de carros elétricos, além de compensar perdas bilionárias que deve acumular com sua saída da Rússia, para cumprir com as sanções impostas pela União Europeia após o país invadir a Ucrânia.
O mercado russo é o segundo maior da montadora no mundo. Para além da perda de vendas, a saída da Rússia pode custar ao grupo € 2,2 bilhões em ativos, incluindo uma fábrica em Moscou. A Renault também tenta vender a um investidor local sua participação majoritária na AvtoVaz, fabricante dos modelos Lada.
Após apresentar resultados financeiros além do esperado, com lucro líquido de € 13,4 bilhões no primeiro ano da fusão dos grupos PSA e FCA, a Stellantis quer pagar ao seu poderoso CEO, Carlos Tavares, salários, bônus e benefícios que somam € 19 milhões em 2021, além de remunerações de longo prazo até 2028 de € 25 milhões e ações no valor atual de € 32 milhões e outros.
O astronômico pacote de pagamentos a Tavares ainda será melhor explicado, mas causa polêmica e foi rejeitado por 52% dos participantes da última assembleia de acionistas realizada em 13 de abril. No entanto, a votação é consultiva, não tem o poder de barrar os pagamentos de 2021 já aprovados pelo conselho da companhia.
Na última semana antes do segundo turno da eleição presidencial na França, ambos os candidatos consideraram o valor escandaloso diante da perda de renda da população – e prometeram propor medidas para barrar o pagamento.
“Estamos falando de somas astronômicas, precisamos colocar limites”, afirmou o presidente reeleito Emmanuel Macron, antecipando a posição do governo francês, que tem participação de 6% na Stellantis, ainda da época em que injetou recursos para salvar a PSA.
Com o embarque de mais 45 veículos, a Caio completou a entrega de 450 ônibus urbanos para Angola, que se tornou um dos maiores clientes da encaroçadora fora das Américas. A venda foi feita pelo Grupo Asperbras, que mantém concessionárias Volkwagen no país africano. Os chassis Volksbus receberam carrocerias Apache VIP, com lotação máxima de 74 passageiros.
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