O mercado brasileiro de automóveis e comerciais leves ficou estagnado em 2021 e começou 2022 com o pior volume de vendas em 17 anos no primeiro bimestre. Mas nem isso ou a pequena redução de IPI são capazes de trazer os preços para baixo.
Sustentados por custos em elevação constante, maior inclusão de tecnologia e pela estratégia dos fabricantes de vender menos por muito mais, focando na produção e lançamentos de modelos cada vez mais caros, os preços dos carros no Brasil seguem nas alturas.
Acompanhamento da Jato Dynamics mostra que o preço médio de venda de um automóvel no Brasil subiu quase 30% entre 2020 e 2021, para R$ 112 mil, e em fevereiro passado já tinha avançado quase R$ 20 mil, para R$ 131,3 mil. Olhando mais atrás, esse valor era de R$ 71 mil em 2017, uma elástica progressão de R$ 60 mil em apenas cinco anos.
Levantamento semelhante da Bright Consulting mostra que o preço médio de automóveis e comerciais leves vendidos de 2020 para 2021 teve aumento real de 17%, já descontada a inflação de 10% medida pelo IPCA, chegando a R$ 123,9 mil. Em janeiro houve nova alta real de 3,6% e o valor foi a R$ 137 mil.
“Além do repasse da inflação, dos aumentos de custos e recomposição da margem de lucro, as montadoras estão lançando modelos mais caros. Essa combinação de fatores puxa os valores médios para o alto”, resume Cassio Pagliarini, diretor de estratégia da Bright.
Nesse cenário, a redução de 18,5% nas alíquotas de IPI de veículos leves, adotada pelo governo no fim de fevereiro, tem pouco fôlego para segurar a alta contínua dos preços.
Em tese, o IPI menor resultaria em uma redução potencial no preço final ao consumidor de 1,4% a 4,1%, dependendo do modelo, segundo cálculos da Anfavea, a associação dos fabricantes. No entanto, o que se viu até agora são novas tabelas divulgadas com descontos insignificantes, que variam de 1% a 2%, com poucas exceções.
“Estamos vendo repasses pequenos, às vezes de R$ 20 ou R$ 30. Essa redução é muito fraca para segurar os preços, tem curta duração diante da pressão da inflação, que continua muito forte”, avalia Milad Kalume Neto, diretor da Jato.
Para o consultor, o IPI menor pode até frear por um mês reajustes que vinham sendo aplicados todos os meses, mas todos os fatores levam à continuação dos aumentos de custos e dos preços ao longo do ano.
“O que pode obrigar os fabricantes a conceder incentivos até maiores é a continuação da queda das vendas. Eles devem começar a promover descontos, bônus, valorização do usado na troca pelo zero-quilômetro e taxas menores para financiamentos”, diz Kalume Neto.
“Desde agosto do ano passado as montadoras estão trabalhando com tabela cheia, com reajustes acima da inflação e sem concessão de incentivos às concessionárias. Por isso agora têm condições de oferecer descontos, ou o resultado do ano pode ficar muito ruim. Mesmo assim, vai ser difícil escapar da alta da inflação”, avalia Pagliarini, da Bright.
Após o forte impacto da pandemia nas vendas de veículos em 2020 e 2021, combinado com a falta de componentes eletrônicos que fez a produção rodar abaixo da demanda, todas as montadoras, no mundo todo, adotaram a estratégia de compensar a queda dos volumes com a oferta de carros mais caros e lucrativos.
Não é por outra razão que, mesmo com fortes ventos contrários da economia e da cadeia de suprimentos, os fabricantes vêm reportando lucros recordes.
A Volkswagen é um exemplo bem acabado dessa estratégia. Duramente afetada pela falta de chips em 2021, as vendas globais recuaram 3,5% comparadas ao volume de 2020. No Brasil o tombo foi ainda maior: queda de 7,6% e redução na participação de mercado de 16,8% em 2020 para 15,3% em 2021.
Mas o que poderia ser um resultado trágico se transformou no primeiro lucro na América do Sul em quase uma década, com crescimento anual de 15 pontos porcentuais no retorno sobre as vendas, hoje baseadas em produtos lançados nos últimos anos acima dos R$ 100 mil, como os SUVs T-Cross, Nivus e, mais recentemente, o Taos vendidos acima de R$ 200 mil.
“Foi o ano da virada, com retorno à lucratividade e fluxo de caixa positivo”, disse Pablo Di Si, presidente executivo da Volkswagen América Latina, em sua apresentação semana passada durante a divulgação dos resultados globais da fabricante.
Vendendo no mundo todo 100 mil carros a menos do que em 2020, a Volkswagen aumentou em 453% seu lucro operacional, que somou € 2,5 bilhões, com faturamento que cresceu bem menos, apenas 7%, para € 76,1 bilhões.
“Aumentamos significativamente a participação nas vendas de veículos com maior nível de equipamentos. Com isso, retornamos ao lucro tanto na América do Norte como do Sul”, confirmou Ralf Brandstätter, CEO da Volkswagen Passenger Cars.
O chefe de finanças (CFO) Alexander Seitz reforçou: “Em 2021 enfrentamos efeitos negativos da inflação e do câmbio desfavorável (devido à desvalorização do real no Brasil e do peso na Argentina), mas as adequações de preços (reajustes e modelos mais caros) foram mais que suficientes para compensar esses efeitos”.
O Grupo Stellantis, criado há apenas um ano após a fusão da FCA com a PSA, focou no que o CEO Carlos Tavares chama de “rentabilidade sob qualquer clima” e assim conseguiu resultados recordes em 2021, com lucro operacional de € 18 bilhões, duas vezes acima do que tinham apurado as duas empresas separadas em 2020, enquanto o faturamento avançou 14%, para € 152 bilhões.
A divisão sul-americana da Stellantis nunca entregou tanta rentabilidade à matriz: registrou lucro operacional de € 882 milhões em 2021, resultado cinco vezes maior que o de 2020 (considerando os resultados somados de PSA e FCA).
A receita: cortar custos e preservar a lucratividade, com o aumento da receita por carro vendido. “Manter a rentabilidade é a maneira que temos de nos proteger de novas tempestades, como aconteceu agora com a covid-19 ou a falta de semicondutores”, afirmou Carlos Tavares, CEO da Stellantis, em entrevista a jornalistas semana passada em sua rápida visita ao Brasil.
Antonio Filosa, presidente da Stellantis América do Sul, reconhece que o bom resultado de 2021 é devido a dois fatores: o primeiro foi a gestão da falta de semicondutores mais eficiente do que os concorrentes, o que permitiu continuar a produzir enquanto outras fábricas estavam paralisadas; e o segundo é a entrada da Fiat e da Jeep em faixas de maior lucratividade, com o lançamento dos novos SUVs Pulse e Commander.
Usando metade da capacidade de produção e vendendo 33% menos do que em 2019 (antes da pandemia), em um mercado de 2 milhões de veículos/ano os fabricantes estão registrando no Brasil resultados financeiros melhores do que tinham quando as vendas chegaram perto de 4 milhões.
Comprovou-se que focar esforços nos consumidores mais abastados, que em média pagam R$ 130 mil por um carro no Brasil, dá mais resultado, reduz problemas de produção e custos, mantém o caixa positivo.
Essa estratégia começou antes da pandemia, mas ainda não está claro ainda o quanto ela é sustentável ao longo do tempo – ou quando o mercado vai cair o suficiente para fazer os preços recuarem ao nível do poder aquisitivo médio dos brasileiros, que não conseguem mais pagar pelos piores carros mais caros do mundo.
Com a visita do CEO global do Grupo Stellantis, Carlos Tavares, à fábrica de Porto Real (RJ), entrou em produção comercial semana passada o novo Citroën C3, hatch com cara de mini-SUV que começa a ser vendido mês que vem no Brasil.
Após anos de ociosidade e incertezas quanto ao futuro, a planta de Porto Real, que atualmente também produz o Peugeot 2008 e o Citroën C4 Cactus, renasce com o novo C3.
A linha recebeu investimentos de R$ 230 milhões para fabricar o primeiro carro no Brasil sobre uma variante simplificada (leia-se mais barata) da plataforma global CMP, desenvolvida no meio da década passada pela PSA, desde 2021 unida com a FCA no Grupo Stellantis.
Após seis anos sem representação oficial no Brasil, a Aston Martin está de volta. A UK Motors, sociedade dos irmãos Henry e Marcel Visconde que já representa a McLaren por aqui, investiu cerca de R$ 6 milhões para trazer ao mercado brasileiro sua segunda marca inglesa de carros superesportivos.
A primeira e única concessionária brasileira da Aston Martin, com showroom e oficina, foi inaugurada semana passada no Itaim Bibi, em São Paulo, com expectativa de vender de 30 a 40 unidades por ano. A loja vai oferecer todos os modelos da marca, por preços fixados em dólares que começam em US$ 430 mil (Vantage) e sobem a US$ 950 mil (DBS).
A Aston Martin São Paulo foi instalada em uma porção separada por uma parede da área da concessionária Audi Eurobike, rede de carros de luxo que pertence a Henry Visconde e também tem franquias da BMW, Mini, Porsche e BYD. Eventualmente, os clientes Aston Martin poderão recorrer à assistência da rede Eurobike e da Stuttgart, revenda Porsche de Marcel Visconde.
Em preparação para iniciar a produção do primeiro chassi de ônibus urbano elétrico na fábrica de São Bernardo do Campo (SP), a Mercedes-Benz revelou que já tem 100 pedidos para o eO500U, exatamente no meio da expectativa que era de vender de 50 a 150 unidades no primeiro ano.
Segundo o fabricante, que investiu R$ 100 milhões para produzir o eO500U no Brasil, as entregas das unidades encomendadas serão feitas entre o fim deste ano e começo de 2023.
O modelo usa eixo trativo elétrico da ZF de 250 cv e tem autonomia de até 250 km. É uma versão a bateria do chassi urbano Padron 4x2, que pode receber carrocerias de transporte urbano de até 13,2 metros de comprimento, piso baixo e capacidade para até 83 passageiros.
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