Quando a Segunda Guerra terminou, a avidez por automóveis zero-quilômetro no Brasil era tal que qualquer novidade com quatro rodas que chegasse aqui logo encontrava compradores. Ao mesmo tempo, ocorria nos Estados Unidos uma efervescência de novos fabricantes.
Dessa leva, a Tucker é hoje a marca mais lembrada, mas houve outras tantas fábricas natimortas, sempre capitaneadas por empresários com mais ideias do que capital disponível. A receita era captar dinheiro vendendo ações na praça ou cotas antecipadas a concessionários, antes mesmo que os carros chegassem à produção em série.
Foi nesse cenário que começaram a pipocar no Brasil representantes de marcas recém-criadas lá fora. Alguns tinham entusiasmo, boas intenções e pouco tino para negócios. Outros eram simplesmente escroques atrás do dinheiro de incautos - e o sonho do carro novo muitas vezes terminava em um distrito de polícia.
A história do único Tucker que chegou ao Brasil hoje é conhecida graças a uma minuciosa série de reportagens de Atos Fagundes, publicadas ao longo de 13 edições da revista Classic Show, entre 2011 e 2013. O revolucionário modelo com motor traseiro chegou a ter um representante em São Paulo.
Um exemplar foi importado em 1949 por um certo Jaime Gantmanis, mas acabou sendo rifado inúmeras vezes, tanto no Rio (onde chegou a ser exposto em frente ao Hotel Copacabana Palace), quanto em pátios de paróquias paulistanas. Chegou a ganhar novas cores para parecer um carro diferente a cada sorteio...
Em 1951, quando esteve no Brasil em busca de investidores para uma nova fábrica, Preston Tucker afirmou que a importação de 1949 fora feita a sua revelia. E mais: contou que tentaram trazer um segundo carro para cá, mas ele não permitiu.
O Tucker das rifas existe até hoje. Nos anos 50, ganhou mecânica completa de Cadillac 1947 e hoje está no Museu Paulista de Antiguidades Mecânicas Roberto Lee, em Caçapava (SP).
Toda essa introdução foi para falar do Playboy - carro que chegou ao Brasil um ano antes do Tucker, teve trajetória semelhante, mas foi quase que completamente esquecido.
Nossa história começa em 1946, quando um revendedor da Packard, Louis Horowitz, juntou-se a um ex-engenheiro da Pontiac, Charles Thomas, e a um talentoso mecânico, Norman Richardson, para criar uma fábrica de carros, a Playboy Automobile Company, na cidade de Buffalo, estado de Nova York.
Thomas e Richardson já haviam trabalhado juntos no fim dos anos 30, quando fizeram um carro muito aerodinâmico, com suspensão independente nas quatro rodas e um periscópio no lugar do retrovisor interno. Chamado Thomas Rocket Car, o projeto futurista não foi além de um único protótipo construído.
Passada a Segunda Guerra, Horowitz, Thomas e Richardson acreditaram que haveria mercado nos Estados Unidos para um carrinho simples e com menos de 4 metros de comprimento, diminuto para os padrões locais. O primeiro protótipo do Playboy ficou pronto no início de 1947. Era um conversível de três lugares (em um único banco inteiriço).
Com quatro cilindros em linha, a gasolina e refrigerado a água, o motor desse protótipo ia na traseira. A estrutura era do tipo monobloco, num tempo em que chassis separados da carroceria eram o mais comum. Outro toque raro para um carro americano da época era a suspensão independente nas quatro rodas.
Em agosto de 1947, ficou pronto o Playboy de pré-produção, ainda feito a mão, mas já destinado à fabricação em série. Chamado de Playboy A48, o modelo tinha projeto mecânico mais convencional, com motor dianteiro e tração traseira, além de eixos rígidos na frente e atrás.
Suas linhas e dimensões eram parecidas com as do primeiro protótipo: 3,94 m de comprimento e 2,28 m de entre-eixos. O A48 também era conversível, mas seu teto não era mais de lona e sim rígido retrátil, todo de aço. Era algo bem incomum - até então, a única marca a produzir um coupé cabriolet havia sido a Peugeot, com o 402 Éclipse, concebido nos anos 30 pelo dentista Georges Paulin.
Uma particularidade da Playboy Automobile Company era ser uma "montadora", mais do que uma fabricante propriamente dita. A companhia não dispunha de forjas, estamparia ou máquinas pesadas. Quase tudo era fornecido por terceiros ou reaproveitado de outras marcas.
Os motores tanto podiam vir da Continental Motors Company quanto da Hercules Motors Corporation, dependendo da disponibilidade. Independentemente do fabricante, todos eram de quatro cilindros em linha, com "cabeça chata" e potência entre 40 cv e 48 cv. Eram motores de uso genérico, que normalmente tocavam geradores, tratores e veículos de carga. Já o câmbio manual tinha três marchas e era fornecido pela Borg-Warner. Alguns Playboy A48 chegaram a sair com um overdrive, o que permitia ao carrinho de 923 quilos alcançar os 120 km/h.
O consumo "de até 14 km/l", segundo o fabricante, poderia ser um apelo de vendas, mas ninguém ligava muito para isso nos anos 40, tempo de gasolina barata. Carros tão compactos e econômicos quanto o Playboy só viriam a fazer sucesso nos EUA duas décadas depois.
Os Playboy A48 pré-produção atraíram 119 interessados em montar concessionárias da marca nos EUA. Em janeiro de 1948, a empresa adquiriu uma antiga fábrica de motores de avião, que havia sido utilizada no esforço de guerra, com a intenção de produzir ali "100 mil carros por ano". O parco capital inicial da empresa, porém, já estava acabando - e a Playboy lançou suas ações ao mercado bem no momento em que a Tucker era massacrada nos tribunais. A imagem das pequenas marcas estreantes havia virado cinza.
O preço do carrinho não era muito competitivo: um Playboy A48 custava US$ 985 enquanto um Ford V8 saía por US$ 1.100. E não apenas as três grandes (GM, Ford e Chrysler) corriam no páreo, como fabricantes menores, como a Kaiser e a Nash estavam para lançar modelos compactos.
Assim, a pequena Playboy Automobile Company teve sua falência declarada em abril de 1949, após produzir tão somente 97 automóveis e alguns protótipos (entre estes, uma station wagon). Há registros de pelo menos 51 carros Playboy "sobreviventes". Ou seja: 72 anos após o fim da marca, 52% dos automóveis fabricados por ela ainda existem, incluindo o protótipo com motor traseiro.
A história nos EUA termina com centenas de pretendentes à compra de carros Playboy invadindo concessionárias para tentar receber de volta o que haviam pago como sinal. Muitos ficariam sem automóvel nem dinheiro, uma vez que a companhia de Buffalo já não dispunha de uma coisa nem outra.
Em 1947, um executivo da Playboy Automobile Company andou pela América do Sul estabelecendo contatos com empresas locais para a distribuição do pequeno conversível. E, em 11 de fevereiro de 1948, Nicolau Baranowsky, diretor-presidente da Companhia Pneumáticos Cooper-Baranowsky, assinou um contrato para tornar-se representante exclusivo da Playboy em todo o Brasil.
Vale dizer que a Companhia Pneumáticos Cooper-Baranowsky havia sido criada apenas dois meses antes. Os irmãos Leo e Nicolau Baranowsky, ucranianos radicados em São Paulo, vendiam ações com a promessa de construir uma fábrica de pneus para carros, ônibus e caminhões.
Fato é que, em 4 de março de 1948, a Playboy terminou a construção artesanal de seu carro com chassi número 000015. Pintado de amarelo limão, o conversível equipado com motor Continental tinha como destino o Brasil. Esta era a segunda exportação da empresa de Buffalo - antes, um Playboy azul claro, chassi 000013, fora enviado para a Venezuela.
O carrinho amarelo chegou ao Brasil em grande estilo, de avião, no Aeroporto de Congonhas, em maio de 1948. Vinha com uma faixa "Playboy from U.S.A. to Brazil" e, dias depois, foi exposto no saguão do Teatro Municipal de São Paulo. Até o prefeito Paulo Lauro compareceu à apresentação.
Anúncios do Playboy, "o verdadeiro carro de após-guerra" e "único carro do mundo com capota de aço conversível", eram publicados nos jornais de São Paulo. "Surgiu uma maravilha!", dizia a publicidade do modelo, apregoado como "o carro sensação de 1948".
Seu preço atraía a atenção: Cr$ 36 mil. Era menos do que custava um Ford Prefect, pequeno sedã inglês que, por ser um dos carros mais baratos no Brasil (Cr$ 38 mil), tornou-se o campeão de vendas em 1948.
Bastou o Playboy ser mostrado no Teatro Municipal de São Paulo para que os vereadores Cid Franco e Jânio Quadros levantassem dúvidas sobre a lisura dos importadores, uma vez que os carros já estavam sendo vendidos sem que a fábrica tivesse iniciado sua produção em massa. Franco apurou ainda que a empresa dos Baranowsky não tinha capital suficiente para lançar-se no negócio de importação de automóveis.
Diante das manchetes negativas dos jornais paulistanos, os representantes da Playboy levaram o carro para o Rio de Janeiro, em junho de 1948. Por três dias, o conversível amarelo esteve à mostra no Cineac Trianon, na Avenida Rio Branco (coincidência ou não, mesmo cinema em que o Tucker seria exposto no ano seguinte!). Os interessados em comprar um Playboy deveriam pagar um sinal de Cr$ 12 mil, mas a data de entrega era vaga: "até o fim do ano".
Desta vez foram os diários cariocas que suspeitaram da operação. Um levantamento nos bancos mostrou que os Baranowsky tinham, juntos, um total de Cr$ 20 mil de crédito - o que não daria para comprar um Playboy sequer... Além disso, Nicolau já tinha títulos protestados por falta de pagamento. Um dos bancos fez um alerta sobre a empresa dos Baranowsky: "Trata-se de uma firma que não goza de bom conceito e seus elementos são referidos como espertos e chicaneiros. Não se recomenda para negócios a crédito".
Mesmo com todos os avisos, 163 compradores pagaram o sinal para ter seu Playboy zero-quilômetro. E, mensalmente, os Baranowsky enviavam boletins informando sobre o andamento da importação. Chegou 31 de dezembro de 1948, data limite para a entrega, e havia somente um carro da marca no Brasil - aquele mesmo amarelo limão usado nas apresentações ao público.
Diante da polícia, os representantes da marca alegaram que não podiam mais garantir o mês da entrega, nem quando seria possível devolver o sinal, uma vez que "já não dispunham de nenhuma importância em dinheiro". Afirmaram que todo o montante recebido havia sido enviado para a Playboy Automobile Company ou gasto com publicidade. Sua fábrica de pneus tampouco existiu fora do papel...
No fim, o Playboy chassi 000015 foi mesmo o único que chegou por aqui. Se alguém ainda o tem, esquecido em algum galpão, tirou a sorte grande: nos EUA, os raros remanescentes hoje valem mais de US$ 130 mil (R$ 675 mil) se estiverem em bom estado.
Em 2003, no site CNN Money, o empresário americano Hugh Hefner contou como escolheu o nome de sua revista, a Playboy, lançada em 1953. A ideia inicial era chamar a publicação de "Stag Party" ("Despedida de solteiro", em inglês britânico). Acontece que já havia uma revista Stag nos Estados Unidos.
"Reuni então alguns amigos para que pensássemos em um novo nome. A mãe de um desses amigos havia trabalhado para uma pequena e malsucedida fábrica de carros chamada Playboy. Pensei que poderíamos pegar esse nome genérico e torná-lo nosso", revelou Hefner na entrevista.
E, assim, o que era o nome de uma fracassada fábrica de carros tornou-se, nas décadas seguintes, uma marca mundialmente famosa, associada a mulheres com pouca (ou sem nenhuma) roupa.
Siga o Motor1.com Brasil no Facebook
Siga o Motor1.com Brasil no Instagram
RECOMENDADO PARA VOCÊ
Volkswagen comemora os 65 anos de seu complexo industrial na Via Anchieta
Fiat Mobi alcança 600 mil unidades produzidas em quase 9 anos de mercado
Hildebrand & Wolfmüller, a mãe de todas as motos, teve um fim melancólico
VW revela novo Tiguan 2025 nos EUA e adianta SUV que pode vir ao Brasil
Exclusivo: mais um Tucker chega ao Brasil com destino ao museu Carde em SP
Quer apostar? Híbridos vão depreciar mais que elétricos daqui a 10 anos
História: Os 40 anos do Kadett que chegou ao Brasil