Na década 60, concorrer com o robusto e eficiente Fusca era uma missão quase impossível. Em novembro de 1959, a Willys-Overland começou a produzir no Brasil os delicados Renault Dauphine, que logo ganharam o maldoso apelido de "Leite Glória, o que desmancha sem bater". O modelo evoluiu e, em 1962, foi transformado no Gordini, com o slogan "40hp de emoção". O apodo e o preconceito, contudo, persistiram.
Em 1964, o jornalista e publicitário Mauro Salles, que tinha a conta de propaganda da Willys, pensou em como vender uma imagem de resistência do Gordini.
Propôs um desafio: com seu motorzinho de 845cm³, o carro iria rodar por 50 mil quilômetros no autódromo de Interlagos. Era o equivalente a três anos de uso normal, só que sem paradas... Os pit stops seriam apenas para trocas de pilotos, calibragem dos pneus e reabastecimento de gasolina, óleo e água. Tal façanha renderia cobertura diária nos jornais.
William Max Pearce, o presidente da Willys, bancou o recapeamento do anel externo de Interlagos e a construção de dormitórios e cozinha, além de salas de cronometragem, meteorologia e lazer.
Numa entrevista a este repórter, em 2014, Bird Clemente (um dos pilotos que dirigiram o Gordini) revelou detalhes dos bastidores da prova:
— Havia até autorama, afinal, iríamos morar por mais de 20 dias no autódromo.
Paul Massonet, representante da Fédération Internationale de l'Automobile (FIA), foi trazido da França para homologar os recordes.
O carro deveria ser rigorosamente de série. Assim, um Gordini “bege marfim” foi escolhido aleatoriamente na linha de produção da fábrica, na Avenida do Taboão, em São Bernardo do Campo.
Todas as peças a serem trocadas durante a prova deveriam ser levadas em um pacote dentro do carro. Tal regra valera para os recordistas anteriores — uma das equipes fora a Ford inglesa, com um esperto sedã Cortina e ninguém menos do que Jim Clark entre seus pilotos!
A largada em Interlagos foi em 26 de outubro de 1964. Os pilotos eram, quase todos, da Equipe Willys, o melhor escrete do automobilismo nacional na época: Bird Clemente, Luiz Pereira Bueno, José Carlos Pace, Chiquinho Lameirão, Wilson Fittipaldi Jr, Carol Figueiredo e Geraldo Meirelles. Até Luís Antônio Greco, o chefe da escuderia, assumiu o volante. Havia ainda três convidados: Vladimir Costa, Danilo de Lemos e Vitório Andreatta.
Os pilotos iam se revezando a cada tanque, que durava umas três horas. A ordem era baixar a bota, dia e noite.
— Íamos batendo recorde atrás de recorde. Nossa média estava acima dos 100km/h — contou Geraldo Meirelles em 2014, quando a prova de resistência completou 50 anos.
Lá pelo oitavo dia, o acidente: o asfalto novo da Curva 3 começou a virar farofa. Bird entrou rápido e capotou.
— O carro rolou e parou sobre as quatro rodas. Nos boxes, Nelson Brizzi, chefe dos mecânicos, usou as costas para desamassar o teto — lembrou Bird.
Sem para-brisa e o vidro traseiro, o Gordini continuou firme. Alguém escreveu no capô traseiro: “Teimoso”. Os pilotos passaram a usar capacetes com viseira.
Ao fim de 22 dias, em 17 de novembro, a Willys deu a maratona por terminada. O Gordini obtivera 133 recordes de distância e tempo, com marcas locais, nacionais e mundiais. Fez média de 97km/h, contando as paradas e o acidente.
— Mesmo amassado, o carro teria rodado outros 50 mil quilômetros — jura Bird.
Mas o heróico Gordini bege dos recordes sumiu. Deve ter sido enterrado sem honras em um galpão qualquer da Willys. Teve direito a uma única homenagem: seu apelido, “Teimoso”, batizou uma versão pelada do Gordini lançada em 1965.
Um filme sobre o teste de resistência em Interlagos pode ser visto aqui - é um precioso documento de época:
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