O ser humano vive em uma constante briga interna. De um lado, a racionalidade. Do outro, a emoção. Quando transportamos isso para o trânsito, o melhor exemplo diz respeito ao tamanho dos carros. Sendo mais específico, vemos o crescimento do segmento de SUVs, cada vez mais presentes nas grandes cidades. Mas, a pergunta que fica é: até que ponto precisamos de um carro grande para uso diário?
Um dos meus automóveis preferidos é o Fiat 500. Deixemos de lado o design, vamos ao que importa: tamanho. Parece-me um carro ideal para o uso cotidiano, especialmente quando consideramos as ruas cada vez mais entupidas. Fácil de manobrar e ágil, ele é a síntese do que um carro urbano deveria ser para mim: prático. Entretanto, nem todos pensam assim. E, talvez por influência da cultura automotiva norte-americana, vemos nossas ruas lotadas de carros grandes. A presença desses veículos seria justificável se eles não transportassem, na maioria do tempo, um ou dois ocupantes.
Por obrigação profissional, me incluí, ainda que somente por alguns dias, nessa fatia de motorista que ocupa mais espaço do que deveria nas ruas. Na ocasião, testava um Volkswagen Touareg e precisei encarar a Marginal Pinheiros no final da tarde, momento no qual a via tem um grande fluxo de carros. Não fosse o sistema de aviso de ponto cego, eu poderia ter atropelado uns três motociclistas e meia dúzia de carros menores. A tormenta continuou durante uma visita a um shopping center. Se achar uma vaga para o carro já foi difícil, encontrar uma na qual eu poderia estacionar e abrir a porta do carro consumiu bons minutos. O jipão ao menos me compensou durante uma viagem rodoviária, afinal, ali ele estava em seu habitat. E faria sentido se eu morasse em uma fazenda ou fizesse trajetos rodoviários com muita frequência.
Fato é que a compra de um carro, via de regra, é uma atitude emocional. Não é como comprar uma TV ou uma geladeira. No Brasil isso é levado às últimas consequências. O automóvel é considerado por muitos uma extensão da imagem do seu dono, e aí começam os problemas. Afinal, os brasileiros experimentam um momento econômico único na história do país. Nunca foi tão fácil (ou menos difícil, afinal ainda temos um dos carros mais caros do mundo) ter um automóvel e a aquisição desse bem é vista como um evento social. É natural, portanto, ostentar um carro mais luxuoso como atestado de que se subiu na vida. Não há lógica nesse tipo de pensamento. Assim como há quem rode com carros do tipo nas cidades como uma forma de intimidar motoristas de carros menores. Ou, simplesmente, para se sentir "mais seguro" devido a uma posição elevada para se dirigir.
Querem um exemplo? Há alguns dias um conhecido, na faixa dos 30 anos, solteiro e sem filhos, me consultou sobre a compra de um carro novo. Perguntei qual seria o uso. "Devo utilizar para ir ao trabalho e sair aos finais de semana". Continuei o "trabalho" de consultoria perguntando quais modelos ele tinha em vista. A lista, surreal, incluía um Hyundai ix35, um Ford Fusion e um Honda CR-V. Argumentei que, nessa faixa de valor, havia modelos mais compactos e que se encaixavam melhor no tipo de uso. Também questionei por que ele queria um carro grande. A resposta foi direta. "Não quero um carro pequeno. Para quê eu vou comprar um se posso comprar um maior?".
Se o nosso mercado ainda tem muito a evoluir no que diz respeito à oferta de modelos mais equipados e mais seguros, é possível dizer que o mesmo se aplica em relação aos compradores. A falta de direcionamento na hora da compra e o lado emocional (quase sempre) vencendo a disputa com a razão geram não apenas hábitos inexplicáveis, mas também colaboram para a existência de "carros-tomate", modelos supervalorizados, mas que acabam vendendo porque "há quem compre".
Galeria: Opinião - Precisamos mesmo de carros grandes?