Não é fácil comprar um carro no Brasil. Além de diversos fatores que aumentaram os preços nos últimos anos, as próprias montadoras "aprenderam" que poderiam vender produtos com maior valor agregado, com maior lucro por unidade que os clientes retiram da concessionária. Há tempos que não temos o chamado carro popular e estamos também cada vez mais distantes disso.
A Citroën quer ir contra a maré. A nova estratégia da empresa francesa, globalmente, é aumentar seu volume e tornar o automóvel mais acessível. Nisso nasce essa geração do C3, que muda praticamente tudo do que conhecíamos do anterior e se coloca como um dos automóveis mais baratos do Brasil, e seu principal papel é voltar a colocar um carro zero na garagem de quem está afastado disso há um tempo.
O termo popular não se encaixa em um automóvel há tempos - isso se um dia se encaixou. Então vamos chamar o C3 de projeto mais acessível. O próprio consumidor, pelo preço mais alto, se tornou mais exigente quando analisa a lista de equipamentos de um carro que, por muitas vezes, será pago por anos naquele "carnê-travesseiro" e terá que servir para diversas funções.
A versão Live do C3, de entrada, existe para atender frotas. Nas lojas, o comprador olhará a Live Pack, de R$ 74.990, ou esta aqui, a Feel 1.0, de R$ 78.990. Quase R$ 80 mil não é pouco dinheiro, mas ao menos o C3 Feel te dá alguns "luxos", como o sistema multimídia com tela de 10" com espelhamento sem fios (Apple CarPlay e Android Auto) e comandos no volante, luzes diurnas em LEDs, rodas de liga-leve de 15", retrovisores e todos os vidros elétricos e outros itens. Acredite, isso impacta um comprador que olha esta categoria, dando um pouco mais do que só o necessário além do ar-condicionado e direção elétrica.
Mas não ache que economias não estão aqui. O acabamento do C3 é todo em plástico rígido, com detalhes como a peça azul no painel e os apliques em prata nas saídas de ar, volante, comandos do ar-condicionado e maçanetas das portas para quebrar o monocromático. Tecido? Apenas nos bancos. Os encaixes são alinhados, mas não é difícil reparar partes com algumas rebarbas nos plásticos ou algumas travas que aparentemente não durarão muito tempo no lugar ou algumas simplicidades, como a tampa do airbag do passageiro no lugar de algo integrado ao painel.
A chave do carro é outro ponto. Na era de ao menos com estilo canivete, usa uma peça com a lâmina exposta e algumas rebarbas, com os botões para travar e destravar as portas. Simples, bem simples, mesmo nesta versão topo, que poderia ser trocada pela mesma peça que existe no C4 Cactus, ao menos para os clientes que pagarão mais por esta versão - ou mais de R$ 90 mil pelas com o motor 1.6.
Uma central de alta definição que contrasta com um simples painel de instrumentos
Parece besteira exigir coisas assim, mas mais uma vez, são quase R$ 80 mil. O painel de instrumentos é totalmente digital, mas simplório, com velocímetro destacado, marcadores de combustível e temperatura do motor, indicador de trocas de marchas e o computador de bordo, que tem um botão no próprio painel para mudar as informações, enquanto dentro da própria Citroën há uma chave de seta com botão integrado para fazer isso e que não foi colocada no C3. Economias, mas nada ergonômico, assim como os comandos dos vidros elétricos traseiros no console central, como o primeiro C3.
O Citroën C3 trouxe uma certa economia no interior, consideravelmente mais simples que outros hatches compactos do mercado com quem ele vai acabar concorrendo, independente do preço. Por outro lado, as equipes de engenharia da Stellantis trocaram muito Biscoito Globo de Porto Real (RJ) por pão de queijo de Betim (MG) e informações no desenvolvimento do hatch.
A base de tudo é boa. A plataforma CMP é amplamente utilizada em diversos modelos de diversas marcas da Stellantis, inclusive pela Jeep. A arquitetura de modelos compactos é moderna, pronta para a eletrificação, e usa materiais como aços de alta e ultra resistência e formados a quente, importante para a segurança e estrutura rígida que atua em conforto, isolamento e qualidade de construção.
Em dimensões, são 3.981 mm de comprimento. É algo entre os 3.680 mm de um Kwid e os 4.015 mm de um Hyundai HB20. Mas repare no entre-eixos de 2.540 mm, 10 mm maior que o do Hyundai e pouco menor que os 2.551 mm de um Chevrolet Onix, um dos maiores hatches compactos. O design, com estilo aventureiro, faz o C3 parecer menor nas fotos se não o colocar ao lado de outros compactos e só pessoalmente que ele te passa a verdadeira impressão de tamanho.
O que toda essa teoria nos dá na prática? Primeiro, o espaço interno do C3 é bom, aproveitando também os 1.586 mm de altura (1.604 mm com a barra no teto, que não influencia no espaço interno) para colocar os ocupantes em posição mais "cadeirinha" tanto nos bancos dianteiros quanto traseiro. Isso ajuda a arrumar espaço para as pernas, que estão mais retas e ocupam menos espaço, uma estratégia que já vimos no Fiat Uno, aproveitando também o espaço abaixo dos bancos dianteiros como um "reservado" para os pés dos ocupantes da segunda fileira. A altura (e ângulo de abertura de portas) facilita o acesso a pessoas com dificuldades de locomoção.
Com a largura de 1.733 mm acomoda dois adultos no banco traseiro, com um terceiro levemente apertado e brigando com o túnel central, mas melhor acomodado que no Fiat Fastback, por exemplo. Colocar os eixos mais próximo das extremidades deu essa possibilidade aos engenheiros, além de oferecer o porta-malas de 316 litros de capacidade, que recebe a mesma crítica do C4 Cactus: a alta parte que abriga a placa "afunda" o piso e dificulta para a carga e descarga de objetos maiores e mais pesados, e nenhuma iluminação.
A mesma estratégia serve para o motorista. Mesmo que regule o banco na menor altura, a posição ainda é alta, tipo "cadeirinha", e a ausência de regulagem de altura do cinto de segurança é um pouco incomoda dependendo de quem está ali. A coluna de direção também só regula em altura e exige mais paciência para achar a posição mais confortável.
Mas, achada essa posição, o motorista não tem muito o que reclamar (a não ser do cinto de segurança...). A direção é leve e conquista no uso urbano pela facilidade e, com um banco de boas dimensões, é relativamente confortável mesmo com algumas horas de uso. A ergonomia não é melhor por coisas que já comentamos, como o botão para o computador de bordo, botões de vidros elétricos traseiros e a regulagem do retrovisor, escondida no lado esquerdo do motorista, no painel. Detalhes que podem ser pequenos, mas no dia a dia, irão te incomodar.
Muitas simplificações foram feitas no C3 para a redução do preço. Podemos criticar a simplicidade do painel de instrumentos, do acabamento e até mesmo a ausência de mais do que os dois airbags obrigatórios, mas é fato que a engenharia conseguiu gastar mais dinheiro na hora de projetar fazer os ajustes no hatchback.
A CMP é uma base que passa a robustez a que de propõe. A suspensão, mesmo que a Citroën (de forma correta, aliás) não chame o C3 de SUV, tem um curso suficiente para não dar final de curso ou fazer barulhos mesmo nos piores pisos, inclusive estradas de terra batida. As rodas de 15", com pneus 195/60, ajudam e não são pneus finos o suficiente para prejudicar a estabilidade nem largos o suficiente para brigar com consumo. Confortável na cidade, a direção elétrica fica leve demais nas estradas e velocidades mais altas, porém não chega a deixar a situação de risco, longe disso.
Se sente uma rolagem da carroceria em curvas mais fechadas, mas logo que "apoia", o C3 contorna a curva sem sustos, com comportamento neutro. É um carro bem calibrado para atender quem procura conforto sem o exagero de balançar por um ajuste mole demais de molas, amortecedores e barras. É a escola da Fiat que se juntou com a PSA que aprendeu com os anos a fazer suspensão para nossa região.
Falando em Fiat, é de lá o motor 1.0 Firefly. É um conhecido do nosso mercado que, com os ajustes para o Proconve L7, chega aos 71 cv e 10 kgfm (com gasolina, como testado o carro aqui) e 75 cv e 10,7 kgfm. A arquitetura de 2 válvulas por cilindro, privilegia o torque em baixas rotações para o uso urbano, mesmo com o variador de fase no único comando de válvulas. Nisso, o C3 se torna, mais uma vez, um carro ágil no trânsito, que indica trocas de marchas em baixas rotações e se comporta bem mesmo assim.
Em números, o C3 chegou a um consumo urbano de 13 km/litro (com gasolina), um número muito bom e que aproveita o torque em baixas para chegar a esse valor. As marchas mais altas são relativamente longas, como quarta e quinta, e na estrada ajudaram a chegar aos 17,2 km/litro, que só não foi melhor pela falta da sexta marcha para reduzir ainda mais.
Interessante ver como este motor se encaixou bem na plataforma. Passa pouca vibração para a carroceria, bem melhor que quando está no Argo ou Cronos. O desempenho não é exemplo, com 0 a 100 km/h em 16,2 segundos e retomadas entre 15 e 21 (!) segundos, mas será que o comprador de um carro 1.0 aspirado pensa nisso ou no consumo? Talvez ele vá reclamar mais dos engates do câmbio, beeeem longos, com uma mistura de trambulador PSA e caixa Fiat, do que isso em primeiro lugar.
Conviver mais tempo com o Citroën C3 me deu a oportunidade de entender melhor seu posicionamento de mercado. Na briga com os hatches compactos, tem qualidades como o consumo, conforto ao rodar e espaço interno, mas suas simplificações em acabamento e alguns equipamentos podem o apagar numa briga direta, mesmo com concorrentes mais caros. Oferece conectividade, estilo de SUV e bom espaço interno, mas não é o melhor em itens de segurança, principalmente para um cliente que já quer se sentir mais em um carro mais refinado.
Por outro lado, é a opção aos clientes de Kwid e Mobi que estão dispostos a pagar mais, porém não chegam aos compactos de fato para levar mais refinamento e espaço interno no jogo. No fim, o Citroën C3 quer se entender com o público brasileiro que está procurando seu lugar na sociedade e entendeu como tudo está funcionando agora. É hora de saber onde você está, ter a consciência de classe.
Fotos: Mario Villaescusa (para o Motor1.com)
Citroën C3 1.0
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