Para quem não é familiarizado com o mundo das motos, motociclistas são um grupo chato. Defenderão a própria moto até a morte. E, entre os motociclistas, os fãs das estradeiras são os mais chatos. Falo com propriedade porque sou um deles. Nossa maior reclamação? Faltam opções nessa categoria.
E a queixa está correta. O mercado é carente de modelos. Os poucos que existem ou são muito pequenos, de 150 cm³ com preços na casa dos R$ 13 mil como a Dafra Horizon e a Haojue Chopper Road, ou já são a Kawasaki Vulcan S 650 de R$ 44.350. Antes que perguntem, a Harley-Davidson mais barata hoje já chega a R$ 90 mil.
Aí chega dona Royal Enfield com a Meteor 350, apresentada no início de julho com preços variando entre R$ 17.990 e R$ 18.990, sem frete, claro. Com mais performance que as 150 e (muito) mais barata que a Vulcan, é um alento para quem ficou viúvo de Suzuki Intruder 250 e Yamaha Virago 250 no início dos anos 2000. Vocês que pediram uma estradeira média a preço justo, agora comprem. E se precisarem de mais incentivo, seguem minhas impressões.
A Royal Enfield Meteor 350 surgiu primeiro na Índia no final de 2020 e chegou ao Brasil no último mês de julho. Ela é o terceiro modelo "inédito" da marca, depois da Himalayan e da dupla Interceptor 650/Continental GT 650. Sua plataforma, chamada apenas de "J" pelos indianos, trouxe uma série de inovações para a linha clássica da marca.
Uma delas é o novo propulsor monocilíndrico de 349 cm³. Deixou para trás o comando de válvulas no bloco com acionamento por varetas e tirou o atraso ao adotar um comando no cabeçote acionado por corrente. Arrefecido a ar e alimentado por injeção eletrônica, não impressiona pelos números. São apenas 20,2 cv de potência.
Mas, como é usual na Royal Enfield, o torque de 2,7 kgfm é bom para o tamanho do motor. O característico ronco estampido dos grandes monocilíndricos da marca também está lá. O câmbio tem cinco marchas e a transmissão final é feita por corrente.
Pelos R$ 17.990 cobrados na versão de entrada Fireball, a moto traz partida elétrica, marcador de combustível, rodas de liga leve com freios a disco em ambas, ABS, tomada USB e o interessante GPS Tripper, que projeta informações de navegação passo-a-passo por meio de uma tela no painel. Ele funciona com um aplicativo de celular, que usa a base do Google Maps e se conecta por Bluetooth.
A Meteor Stellar, de R$ 18.490 acrescenta pintura metálica e encosto para o garupa. Já a versão Supernova, como a avaliada, sair por R$ 18.990. Todos os valores não incluem o frete. A configuração mais completa tem ainda pintura bicolor e para-brisa, além de um tecido de cor diferente para os assentos separados.
Já em agosto, primeiro mês completo de vendas da Royal Enfield Meteor 350 no Brasil, a moto passou das 700 unidades emplacadas, mais que a média mensal inteira da marca até então, que era de cerca de 500 vendas contando os demais modelos. Então o mercado enxergou algo nela de interessante, mas o que é isso?
Um dos dilemas dos mercados de estradeiras é a falta de opções. Muitos começam com os modelos de entrada, como a Haojue Chopper Road 150, ou eu mesmo com uma Suzuki Intruder 125 que comprei 0km em 2007. O problema começa quando você quer avançar nesse caminho.
As opções 125 ou 150 têm dificuldades para manter mais que 100 km/h nas rodovias e uma moto que segure os 120 km/h regulamentares já triplica ou quadriplica o investimento. A Meteor 350, digo com alegria, é uma estradeira intermediária que cumpre essa função sem pesar no bolso. Pelo contrário, seu preço esta muito mais próximo de uma Chopper Road do que de uma Vulcan.
A principal reclamação com a Meteor desde seu lançamento é que a potência do motor é baixa para a cilindrada. Em termos simples, ela anda um pouco mais que uma 250. E, pelos 200 km ininterruptos de estrada a 120 km/h que completei com ela, não consigo dizer que é uma moto que sente falta potência. Nesse ritmo, a moto fez cerca de 32 km/l e um dos fatores determinantes para não cansar foi o para-brisas, que impediu que meu torso virasse um paraquedas.
O que não dá para esperar é o desempenho de um grande motor em V num monocilíndrico com a proposta de ser acessível. Então sim, eventualmente a Meteor pede marcha e você vai ter que dar bastante acelerador nas ultrapassagens. Mas eu sou da opinião que mais vale uma moto que te permite usar 100% da capacidade o tempo todo do que uma em que você perde a habilitação com 10% de aceleração.
A Meteor é uma moto relativamente pesada para o seu porte. Mas isso é a consequência da qualidade construtiva da moto os materiais empregados. Nela, há poucos plásticos e as principais peças ainda são feitas de metal. Como o banco é baixo, permitindo alguém de minha estatura (1,72 m) cravar os dois pés no chão com tranquilidade, ela não gera insegurança, mas sim uma sensação de solidez.
Ao entender isso, acreditei que a Meteor seria então lenta de curva. Ledo engano. Procurei uma estrada de serra para o tira-teima. O conjunto de suspensão é firme, o que sacrifica um pouco do conforto nos buracos, mas permite uma tocada ágil no vai e vem das curvas e a sensação de peso some. Quando tive uma Suzuki Boulevard M800, a minha impressão era de que eu estava em um fuso-horário e a roda dianteira estava em outro. Na Royal, é o oposto. A dianteira responde rápido e se comunica bastante com o piloto, o que reforça a sensação de segurança e traz um prazer ao dirigir.
O uso na cidade é bem tranquilo. Como disse, anda como 250. O guidão é suficientemente alto para passar por cima dos espelhos de carros no corredor e a moto não cansa. Pelo contrário, a posição de pilotagem é extremamente confortável. Anda-se com os braços mais próximos do peito e as pernas um pouco para frente, em posição avançada.
Depois de um longo dia de trabalho aqui na redação do Motor1.com, senti até o sangue voltando a correr nas pernas quando comecei a pilotar. Demorei para me acostumar com a alavanca de câmbio pendular, onde se sobe de marcha com o calcanhar e se reduz com a ponta do pé. É uma solução vista em estradeiras grandes que usam plataformas no lugar das pedaleiras, o que não é o caso da Meteor. No terceiro dia já estava usando a alavanca naturalmente.
Os comandos de freio, embreagem e acelerador são bem dosados. Nem muito leves, nem muito pesados. A mordida do freio dianteiro podia chegar mais rápido, mas vai parar a moto sem problemas. Os comandos nos punhos são rotativos até para a ignição, algo que não via desde a Honda XLX 250R.
À primeira vista são estranhos, mas no uso não atrapalham. Uma solução inteligente é que, como o lampejador do farol alto fica junto ao interruptor do farol, o gatilho à frente, onde normalmente ele seria encontrado, virou o comando do computador de bordo. Muito mais prático que esticar a mão até o painel para acessar as informações.
Com o GPS Tripper, eu fiquei em cima do muro. Sua tela é pequena e ele só aponta uma seta e a distância para a próxima conversão. Se precisar entrar em uma rua que é muito próxima de outra, é difícil dizer qual é a certa. Só que, para quem está perdido, é melhor do que nada e com certeza mais cômodo do que ficar parando toda hora para consultar o mapa no celular. A grande vantagem é que é de graça; a desvantagem é que não substitui um GPS convencional.
Tem do que reclamar? Claro, sempre tem. A suspensão traseira tem muito pouco curso e, por conta disso, é bem firme. Então é bom se acostumar a dar aquela levantadinha do banco nos buracos mais fundos. Eu falei que a moto segura bem 120 km/h, a questão é que ela não passa. A "121 km/h" a injeção corta e a moto apenas mantém. É uma solução que ainda não entendi a serventia.
Visual também é parte importante do que define o que é uma estradeira ou não. Nesse quesito, a Royal Enfield Meteor 350 passa com facilidade. Estão lá silhueta baixa e alongada, piscas cromados, farol e lanterna redondos e as pedaleiras avançadas. Tudo conforme manda o figurino dessa categoria e mais acertado que a própria Kawasaki Vulcan, que tem proposta mais moderna.
Se lá em 2007, quando comprei minha Intruder, você me dissesse que, um dia, eu poderia comprar uma estradeira legítima que vai bem na estrada por não muito mais que uma moto 150, iria te chamar de maluco. Finalmente temos no mercado uma opção de custom que consegue ser uma estradeira de qualidade, com preço justo e desempenho que encoraja a pegar a estrada. Agora, o recado para todos vocês que reclamavam da falta de uma moto assim é: as desculpas acabaram.
Fotos: Mario Villaescusa (para o Motor1.com)
MOTOR |
monocilíndrico, gasolina, 349 cm³, arrefecimento a ar |
POTÊNCIA/TORQUE |
20,2 cv @ 6.100 rpm; 2,7 kgfm @ 4.000 rpm |
TRANSMISSÃO |
Mecânica, 5 velocidades, transmissão final por corrente |
SUSPENSÃO |
Garfo telescópico, 130 mm de curso; duplo amortecedor, regulagem de pré-carga, 89 mm de curso |
CHASSI |
Berço semi-duplo |
RODAS |
liga leve, 19" na dianteira e 17” traseira |
FREIOS |
Disco, 300 mm de diâmetro; Disco, 270 mm de diâmetro |
PESO EM ORDEM DE MARCHA |
191 KG |
DIMENSÕES |
altura do assento, 765 mm; comprimento, 2,14 m; entre-eixos, 1,40 m; altura, 1,14 m; largura, 0,85 m |
CAPACIDADES |
tanque 15 litros |
PREÇO |
R$ 18.990 |
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