Eu já viajei e dirigi muitos carros pelo mundo, mas poucas vezes fui desafiado desta forma. A missão era dirigir uma linha de utilitários esportivos e picapes no maior deserto do planeta a convite da Nissan. Viajei ao Marrocos para experimentar, no exótico e hostil ambiente de lá, a robustez de quatro modelos: a picapona americana Titan, o SUV árabe de luxo Patrol, a nossa conhecida Frontier e novíssimo Terra.
Como os dois primeiros não tem chances por aqui e a Frontier já é de casa, foquei a minha experiência ao volante no novo utilitário esportivo baseado na picape, mas voltarei a falar dos demais em outro texto.
Produzido na China e na Tailândia, o Terra é vendido apenas no mercado asiático (por enquanto). Embora utilize a mesma plataforma da picape, tem personalidade própria. A começar pelo visual, com dianteira mais refinada, grade maior, faróis com recortes e luzes de rodagem diurna em LEDs e o novo para-choque.
O desenho geral é interessante. Com 4.855 mm de comprimento, 1.865 mm de largura, 1.835 mm de altura e entre-eixos de 2.850 mm, aproveita o estilo da picape até a coluna B, obviamente. Dali em diante ganha porte com linha de cintura elevada e ressaltos que tornam o SUV mais “musculoso”. A traseira também é bacana, de traços mais elevados e com certa inspiração no Kicks, principalmente pela disposição das lanternas, também em LEDs, na horizontal. Um acabamento em alumínio com a inscrição Terra e as rodas de 18 polegadas completam o visual.
Por dentro, o painel é parecido com o da picape, mas o material utilizado é melhor e os arremates mais precisos. Tem a mesma central multimídia que conhecemos da Frontier, assim como o volante e quadro de instrumentos. No porção central do painel, o acabamento em black piano emoldura o ar-condicionado digital de duas zonas e a manopla de câmbio. Na lista de equipamentos, os mais recentes recursos de assistência da Nissan, como o aviso de ponto cego, alerta de saída de faixa de rolamento, além do Intelligent Around View Monitor (visão 180 graus traseira). Tem ainda assistente de descida, ajuste de altura do farol, banco do motorista elétrico, ignição do motor por botão e revestimento dos bancos em couro marrom entre os principais itens.
O Nissan Terra pode levar sete passageiros com a terceira fileira de bancos. Aqui, a Nissan aplicou algumas soluções inteligentes. A primeira está no console, próximo à alavanca do freio de estacionamento: dois botões rebatem automaticamente a segunda fileira para facilitar o acesso de quem vai na terceira fileira. Outro problema resolvido foi o da visibilidade quando o carro estiver totalmente ocupado com a adoção do espelho retrovisor inteligente baseado em câmera.
Antes de chegar no Marrocos, ficava imaginando o quão desafiador seria seguir por centenas de quilômetros no deserto. Desembarco em uma base militar em Errachidia, cidade que fica a cerca de 500 quilômetros da capital Rabat ou da mais conhecida Marrakesh. Mesmo com o ambiente árido e muito sol, a temperatura era de cerca de 14 graus. Após uma pequena imigração, tenho o primeiro contato com os veículos e de cara já vou entrando no Terra.
Ao vivo, o Terra mostra porte praticamente idêntico do Chevrolet Trailblazer e Toyota SW4, dois concorrentes diretos que são vendidos no Brasil. A cabine é familiar, o ajuste do banco elétrico e as opções de tração me indicam que a missão poderia ser divertida. Ligo o motor pelo botão e tudo pronto para iniciar a expedição que, sugestivamente, foi batizada de Go Anywhere (vá a qualquer lugar).
De cara chama a atenção o bom isolamento acústico e a maciez na condução. Sua construção sobre a plataforma D23 da Frontier herda também o sistema de suspensão traseira multilink. Nem deu muito tempo para curtir a estrada, pois logo já entramos numa estrada de cascalho que tinha como horizonte o nada. Mais uma vez gostei do conforto a bordo, mesmo passando por valetas, pedras e áreas mais arenosas.
No primeiro dia circulamos por longas estradas que passavam por dentro de leitos de rios, secos, mas com muitas pedras. Também cortamos cidades com pouquíssimos moradores e, quase sempre, com muitas ruínas.
O conjunto mecânico, formado no modelo asiático pelo motor 2.5 litros turbodiesel de 190 cv e 45 kgfm de torque associado ao câmbio automático de sete marchas e tração 4x4, deu fôlego mais do que suficiente para encarar os trechos mais íngremes. Contribuiu muito o bom ângulo de entrada de 32,3º e os 26º de saída, mas o que fez a diferença foi a distância livre do solo de 22,5 cm, a melhor do segmento. Há também o bloqueio do diferencial traseiro e os modos de condução off-road que me ajudou a lidar com uma variedade de condições do terreno.
Mas você não leu até aqui para saber que o Terra manda bem em trechos esburacados e longas estradas. Eu também tive que esperar pelo segundo dia expedição, quando partimos para as dunas de areia do Saara. Ao mesmo tempo em que ficava impressionado com a vegetação com um verde queimado que cresce no meio do nada, aprecio ao longe as montanhas de areia.
Antes de partir para o filet mignon da expedição, uma aula técnica para encarar corretamente as dunas. Todo o percurso exige controle consciente do carro, do seu torque, do embalo e o momento certo para acelerar. Se acelera no momento errado, pode tombar. Se não acelera fundo no momento certo, pode atolar. Entendeu? Basicamente a missão era acelerar fundo no pé das dunas e dosar a velocidade com o embalo para parar no cume e descer em velocidade moderada. E lá vamos nós. É difícil traduzir o quanto é desafiador, pois quando você está acelerando para subir não é fácil ter a dimensão do que tem do outro lado da duna. Sim, atolei uma vez, mas após orientações e algumas manobras em ré, consegui prosseguir sem ser rebocado.
Fiz o mesmo trajeto com os mais potentes Titan e Patrol, além da Frontier, mas fiquei realmente surpreendido com a capacidade do Nissan Terra. Estamos falando de SUV de sete lugares que foi pensado para uso, digamos, familiar. Em um determinado ponto, a missão era subir uma duna imensa de uma vez só. A receita para o êxito foi aproveitar um espaço para embalar e seguir acelerando sem dó. Impressionante. Depois de admirar a paisagem, hora de voltar para a nossa base em Emford.
No último dia, o caminho para o aeroporto foi diferente. Até mesmo algo raro de acontecer, a chuva veio na noite anterior e deixou nosso roteiro com muita lama, situação que encontramos com facilidade no Brasil. Depois da areia, o Terra se deu bem na lama. Confesso que achei o Terra bem mais equilibrado, em todos os ambientes, do que a própria Frontier.
O resultado desta expedição, além de poder dirigir nas incríveis dunas do Saara, foi constatar que a Nissan conseguiu reunir conforto, muito espaçoso e tecnologias avançadas de um fora-de-estrada num carro familiar para, literalmente, você conseguir chegar em qualquer lugar.
Acredite, eu fiz essa pergunta todos os dias para vários executivos. Também a fiz para José Luis Valls, Chairman e CEO da Nissan América Latina e Estados Unidos. Mesmo sendo feito na mesma plataforma da Frontier, a resposta é de que o Terra ainda não está nos planos da marca para a América Latina, pelo menos no curto prazo. Uma possível produção na Argentina, agora em crise, esbarra na alta tributação para carros deste porte por lá. Vale lembrar que o Toyota SW4 sofre do mesmo problema, e ainda assim, vem da Argentina e vende relativamente bem por aqui.
Como SUV deixou de ser moda e passou a ser uma necessidade para qualquer montadora, o Terra com seus sete lugares, sua capacidade off-road seria uma bela opção para o mercado brasileiro. Quem sabe os planos da marca mudem? Opção, pelo menos, a Nissan tem.
Fotos: divulgação
Viagem a convite da Nissan
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