Há quem não faça questão de câmbio automático quando vai fechar a compra de um carro, desde que ele tenha um pacote de equipamentos razoável e preço atraente. O mesmo acontece entre os SUVs compactos: embora a maioria dos consumidores compre as versões automáticas, ainda há opções interessantes na gama de entrada com câmbio manual. Reunimos dois deles: Nissan Kicks S e Citroën C4 Cactus Feel (versão intermediária), com motor 1.6 aspirado, câmbio manual e, o mais importante, preço abaixo de R$ 75 mil.
O C4 Cactus nasceu como um hatchback. Na Europa tratado como aventureiro, para o Brasil teve a suspensão elevada e manteve as demais dimensões, como comprimento, largura e distância entre-eixos. Isso dá a ele espaço interno consideravelmente menor que do que seus oponentes locais, como o Nissan Kicks, que foi projetado desde o começo como um SUV.
O Cactus é maior que o Peugeot 2008, apenas para citar seu primo próximo, mas não consegue ter a mesma acomodação do Nissan. Os 10 mm no entre-eixos não fazem tanta diferença, já que as pernas viajam em boa posição em ambos, mas os 46 mm a menos na largura do Citroën reduzem o espaço para os ombros, prejudicado ainda mais pelo perfil da carroceria do Cactus, que afina na parte de cima. Uma reclamação já feita em outras oportunidades que tivemos com o Citroën, o banco traseiro está posicionado atrás da linha das portas, deixando a cabeça dos ocupantes próxima da coluna C e diminuindo ainda mais a sensação de espaço.
No porta-malas, acontece a mesma coisa. São 112 litros a mais do Kicks, além de uma área de acesso mais ampla. No C4 Catcus, o para-choque alto atrapalha ao se colocar uma carga mais pesada, além da "boca" ser menor. Ambos têm encosto bipartido, cinto de segurança de 3 pontos para os cinco ocupantes e sistema Isofix para cadeiras infantis. No Kicks, há uma tomada 12V para os passageiros traseiros.
Mesmo nestas versões, ambos trazem regulagem de altura do banco do motorista e regulagem de altura e profundidade da coluna de direção, o que ajuda na hora de achar a melhor posição para dirigir. O Citroën, porém, fica devendo a regulagem de altura dos cintos de segurança dianteiros.
Vantagem: Nissan Kicks
O acabamento não difere tanto das versões mais caras. Eles perdem os bancos em couro, por exemplo, mas mantêm as mesmas estruturas e tecidos de boa qualidade. O banco do Nissan é mais confortável com o que chamam de "Zero Gravity", uma tecnologia vinda, segundo a marca, da Nasa. Eles abraçam melhor o corpo e são maiores que os do Citroën, que mantém a estrutura dos bancos utilizados no 208/2008, mas com espumas específicas.
As ausências mais notáveis do Cactus em comparação com a versão Shine topo de linha são a faixa de material macio no centro do painel (substituída por uma peça plástica rígida pintada em cinza metálico acetinado) e as maçanetas de alumínio. De resto, traz os mesmos plásticos e bons encaixes, além de detalhes estéticos como os "retângulos arredondados" nos forros de portas e a mistura de peças em alumínio com preto brilhante.
São efeitos visuais como os do Cactus que faltam ao Kicks. Como típico japonês, o Nissan investe em plásticos firmes e bem montados, mas não traz algo que chame a atenção visual, apenas uma faixa no centro do painel em plástico texturizado. Lado a lado, o Nissan aparenta ser mais simples que o Citroën, mas é uma questão mais de design e escolha de materiais do que de qualidade.
O Cactus também se destaca nos equipamentos. Por quase o mesmo preço, ele tem rodas de liga aro 17" (16" com calotas no Kicks), faróis de neblina, luzes diurnas de LEDs, piloto automático, central multimídia com tela de 7" e espelhamento de smartphones e câmera de ré. Em compensação, o Nissan oferece, como opcional de apenas R$ 1.200, controles de tração e estabilidade e assistente de partida em rampas - algo que o Citroën só possui nas versões com câmbio automático. Airbags são apenas os dois frontais em ambos os carros.
Vantagem: Citroën C4 Cactus
Carros manuais ainda interagem melhor com o motorista. Mesmo no Cactus e no Kicks, que têm motores 1.6 aspirados sem grandes pretensões de desempenho, é mais divertido ter os três pedais e a alavanca de câmbio tradicional do que simplesmente deixar o carro fazer as trocas ou mudar "manualmente" pela alavanca ou por borboletas no volante.
Fabricados em cidades vizinhas (Porto Real e Resende, ambas no Rio de Janeiro), Nissan Kicks e Citroën C4 Cactus utilizam receitas bem parecidas. Os motores 1.6 flex estão ligados a câmbios manuais de cinco marchas com relações curtas, justamente para não perder força mesmo quando carregados, e isso os penaliza em alguns aspectos. Vamos aos detalhes.
O Cactus utiliza um velho conhecido dos brasileiros. Chamado de EC5, é uma atualização feita em 2015 do TU5JP4, motor que estreou no 206 e C3 no começo dos anos 2000. Ligado ao câmbio manual, rende 122 cv e 16,4 kgfm de torque (mais do que quando utiliza câmbio automático, com 118 cv e 16,1 kgfm). Possui duplo comando com variador de fase na admissão, partida a frio sem tanque auxiliar e bomba de óleo variável.
O motor do Kicks não é tão mais moderno. O 1.6 (HR16DE) é bem parecido inclusive nas tecnologias aplicadas, como alternador pilotado e partida sem o tanque auxiliar. Mas rende menos: 114 cv e 15,5 kgfm de torque, o que é acaba sendo suficiente por conta do (baixo) peso do SUV japonês.
Os dois utilizam câmbios manuais de cinco marchas com relações curtas. Ou seja, os crossovers são espertos na cidade e estão sempre com motor cheio para retomadas e ultrapassagens (já que, aspirados, não têm muita força antes das 2.000 rpm), mas isso prejudica o conforto acústico na estrada. Ambos viajam com o conta-giros entre 3.000 e 3.500 rpm a 120 km/h em quinta marcha, algo que vemos alguns modelos 1.0, por exemplo.
O Cactus tem uma característica que me agrada bastante. Por derivar de um hatch, ele não tem a posição de dirigir de um SUV. É baixa e com as pernas esticadas, como em um sedã, e isso principalmente nas versões manuais, diminui o cansaço no trânsito. É notável o quanto o Citroën exige menos da perna esquerda no fim do dia. O Kicks, com sua posição mais "cadeirinha", compensa com engates do câmbio mais curtos e diretos, além de mais silenciosos que os do Cactus (que tem engates longos iguais aos do Peugeot 2008).
A dirigibilidade do Citroën também é melhor. Ao mesmo tempo em que sua suspensão é mais macia e confortável, ela segura a carroceria com mais firmeza que o Kicks - ajudado pelo perfil mais baixo do modelo. O Cactus permite até alguns abusos e provocações, e mesmo assim segue no trilho e apontando para as curvas como um hatch média. Sua caixa de direção também é mais direta e comunicativa, além de mais leve na hora de manobrar. Poderia apenas absorver mais alguns trancos que os buracos do piso transmitem, algo que o Kicks faz melhor.
Já o motor do Nissan é mais suave em funcionamento. É mais silencioso em baixa e menos vibrante em alta que o da PSA. Aliás, este motor merece aplausos. Mesmo com relação peso/potência inferior, fez o Kicks andar bem próximo do Cactus nas acelerações, além de consumir consideravelmente menos na cidade e na estrada, com etanol. Apenas na retomada de 80 a 120 km/h em quarta marcha que o Citroën realmente se afasta, pois é justamente nesta marcha que a relação do Nissan fica mais longa. Veja a tabela abaixo:
MARCHA | Nissan Kicks | Citroën C4 Cactus |
1ª | 3,727 | 3,636 |
2ª | 1,957 | 1,950 |
3ª | 1,233 | 1,281 |
4ª | 0,903 | 0,975 |
5ª | 0,738 | 0,767 |
Diferencial | 4,929 | 4,692 |
A PSA até estudou trazer o motor 1.2 turbo de 3 cilindros para substituir este 1.6 aspirado, justamente pela baixa eficiência em comparação com os rivais mais modernos. Mas, por questões de custos, restou ao grupo trabalhar itens como calibração de acelerador mais mansa para reduzir emissões e consumo. Mesmo assim, o Cactus é mais gostoso de dirigir que o Kicks, principalmente nesta versão manual, além de frear melhor, embora seja "gastão".
Vantagem: Citroën C4 Cactus
A diferença de preço entre os dois é pequena, de R$ 1 mil. Se considerarmos o Nissan com o pacote de controles de tração e estabilidade e assistente de partida em rampas, como o testado, ele sai por R$ 75.190. Já o Cactus, tabelado a R$ 74.990, fica devendo o ESP, mas traz um pacote de itens de comodidade bem mais completo. Há também uma versão Live do C4 Cactus por R$ 69.990, mas pague pela Feel e seus itens extras se puder.
Na hora das revisões, o Nissan é mais barato. Por R$ 260 a menos, levou a melhor por conta do alto preço da segunda revisão do Cactus. Ainda assim, melhor para o Citroën no cômputo geral.
10.000 km/ 1 ano | 20.000 km/ 2 anos | 30.000 km/ 3 anos | TOTAL | |
Citroën C4 Cactus 1.6 | R$ 397,00 | R$ 703,00 | R$ 397,00 | R$ 1.497,00 |
Nissan Kicks 1.6 | R$ 379,00 | R$ 435,00 | R$ 423,00 | R$ 1.237,00 |
Vantagem: Citroën C4 Cactus
Conclusão
O Kicks tem mais jeito de SUV, com sua posição de dirigir elevada e maior espaço, tanto na cabine quanto no porta-malas. Também agrada pelo baixo consumo, algo importante para o comprador que quer gastar pouco. Já o Cactus conquista pela melhor dirigibilidade e oferta de equipamentos, sendo a opção mais indicada pela relação custo-benefício. A decisão por um ou outro vai depender do que o consumidor priorizar.
Fotos: Paulo Henrique Trindade
Citroën C4 Cactus Feel 1.6 MT | Nissan Kicks S 1.6 MT | |
MOTOR | dianteiro, transversal, 4 cilindros em linha, 16 válvulas, 1.587 cm3, duplo comando com variador na admissão, flex | dianteiro, transversal, 4 cilindros, 16 válvulas, 1.598 cm3, duplo comando, variável na admissão, flex |
POTÊNCIA/TORQUE | 122 cv (5.800 rpm)/115 cv (6.000 rpm) e 16,4 kgfm/15,5 kgfm a 4.000 rpm | 114 cv a 5.600 rpm / 15,5 kgfm a 4.000 rpm |
TRANSMISSÃO | manual de 5 marchas; tração dianteira | manual de 5 marchas; tração dianteira |
SUSPENSÃO |
independente McPherson na dianteira e eixo de torção na traseira |
independente McPherson na dianteira e eixo de torção na traseira |
RODAS E PNEUS | liga-leve aro 17" com pneus 205/55 R17 | liga-leve aro 16" com pneus 205/60 |
FREIOS | discos ventilados na dianteira e tambor na traseira com ABS e EBD | discos ventilados na dianteira e tambor na traseira com ABS e EBD |
PESO | 1.156 kg em ordem de marcha | 1.109 kg em ordem de marcha |
DIMENSÕES | comprimento 4.170 mm, largura 1.714 mm, altura 1.534 mm, entre-eixos 2.600 mm | comprimento 4.295 mm, largura 1.760 mm, altura 1.590 mm, entre-eixos 2.610 mm |
CAPACIDADES | porta-malas 320 litros, tanque 55 litros | tanque 41 litros; porta-malas 432 litros |
PREÇO |
R$ 74.990 |
R$ 73.990 (R$ 75.190 como testado) |
MEDIÇÕES MOTOR1 BR | |||
---|---|---|---|
Citroën C4 Cactus 1.6 MT | Nissan Kicks 1.6 MT | ||
Aceleração | |||
0 a 60 km/h | 4,9 s | 4,8 s | |
0 a 80 km/h | 7,3 s |
7,2 s |
|
0 a 100 km/h | 11,4 s | 11,3 s | |
Retomada | |||
40 a 100 km/h em 3ª | 10,6 s | 10,7 s | |
80 a 120 km/h em 4ª | 10,6 s | 12,6 s | |
Frenagem | |||
100 km/h a 0 | 41,4 m | 43,6 m | |
80 km/h a 0 | 26,1 m | 27,8 m | |
60 km/h a 0 |
14,5 m |
15,9 m | |
Consumo | |||
Ciclo cidade | 7,8 km/l | 9,2 km/l | |
Ciclo estrada | 10,4 km/l |
13,8 km/l |
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