A ideia de construir um carro de corrida para as ruas não é exatamente nova, mas digamos que a Mercedes se superou quando projetou o AMG GT-R. Foram mais de 700 km rodados no emblemático circuito alemão de Nürburgring para fazer o acerto de chassi, motor, câmbio e freios do GT-R. Ele é uma máquina extrema derivada do cupê de luxo GT, que já vem com um motorzão V8 4.0 biturbo. Mas vai muito além na dinâmica: é duro, barulhento e brutal nas repostas. Dá para andar na rua? Claro, mas o difícil é achar lugar para despejar tudo que esse "diabo verde" pode entregar.
Ao sair da sede da Mercedes em São Bernardo do Campo (SP), sinto um misto de euforia e medo. Euforia porque o ronco borbulhante do V8 e toda a aura de carro de corrida estão ali na cabine. E medo porque o bicho tem a frente enorme e você fica encaixado no banco concha, com a visibilidade meio restrita. Além disso, você se transforma no centro das atenções e os motoristas em volta estão mais preocupados em fazer fotos com seus celulares do que tomar cuidado para não bater no bólido de R$ 1,2 milhão. Mudei até o caminho e voltei por um trecho de estrada, para ter espaço (e dar uma acelerada, claro).
No trânsito, é preciso se acostumar com os mais de 2 metros de largura do GT-R. Ele foi alargado em 4,6 cm na frente e 5,7 cm atrás, devido às bitolas maiores. O motor desliga ao parar nos semáforos (com o start-stop ativado), mas a suspensão rígida e a direção pesada não fazem desse carro um bom companheiro de uso diário. Mesmo com amortecedores reguláveis, as molas são tão duras que, ao passar sobre uma moeda no piso você diz, "hum, era de 50 centavos". O volante é forrado em couro Alcantara, aquele do tipo camurça (material que também aparece em outras partes do interior), enquanto o acabamento traz peças em fibra de carbono. Mais "di currida" do que isso, só se tivesse janelas de acrílico e tirassem o ar-condicionado e o sistema de som.
No centro do painel se destaca um botão amarelo. É ele que comanda o ajuste do controle de tração e do bloqueio do diferencial traseiro, em 9 níveis diferentes - 3 com luz amarela e 6 com luz vermelha. Ou seja, você não pode reclamar que não foi avisado antes de fazer caga... Lembre-se que o motor 4.0 V8 do GT-R recebe preparação extra, com os dois turbocompressores trabalhando a 2,35 bar (contra 2,20 bar do GT normal), além de um ajuste específico na injeção. A taxa de compressão baixa para 9,5:1 (contra 10,5:1) e o volante do motor é aliviado em 0,7 kg, para reduzir a inércia. Por fim, a AMG otimizou o sistema de refrigeração, para uso em ambientes muito quentes. O resultado são 585 cv de potência e um torque de caminhão, com 71,4 kgfm entregues desde 1.900 rpm até 5.500 rpm.
Já a transmissão é a conhecida AMG Speedshift DCT-7, de dupla embreagem e 7 marchas, mas com mudanças na relação: primeira mais longa e sétima mais curta. O sistema inclui o controle de largada, para otimizar as arrancadas o máximo possível sem ficar destracionando, e um eixo de transmissão de fibra de carbono. Esse nobre material, aliás, é "mato" no GT-R. Está presente nos retrovisores externos, no aerofólio traseiro e no teto, para redução de peso. Aparece também num exclusivo defletor dianteiro que, no modo Race, baixa 4 cm acima de 80 km/h para aumentar o downforce na dianteira. A dieta a base de fibra de carbono significou 15 kg a menos que o GT, além de servir para incrementar a rigidez da carroceria.
Tudo isso levado às ruas significa que estamos no comando de um monstro. Mesmo no modo Comfort, as respostas do acelerador são nervosas, as trocas de marcha são rápidas, a direção é pesada e a suspensão de cimento faz o carro tremer inteiro ao passar por irregularidades. Por isso, meu amigo, nem gaste gasolina na cidade. Vá logo para uma estrada, de preferência cheia de curvas, e divirta-se. Ou, melhor ainda, faça inscrição num track day mais perto de você.
Como ficamos apenas três dias com o bólido, tive de me contentar com um rolê animado na Estrada dos Romeiros e o teste de pista no interior de SP. Na autoestrada, o GT-R exige o autocontrole de um monge para não exceder os limites de velocidade, porque a 120 km/h a única coisa que você vai sentir nesse carro é... tédio. Se colocar o ronco do motor no modo esportivo, aí as trocas de marcha são acompanhadas de "estouros" no escape, e fica ainda mais difícil não cravar o pé direito.
Na Romeiros, o GT-R praticamente ignorou o traçado sinuoso. Alargado e rígido no "último", o bólido praticamente não move a carroceria para os lados nas curvas, e nem para a frente nas frenagens. É uma rocha. Basta frear, reduzir a marcha pela borboleta e apontar o volante que ele faz o resto. E não se preocupe com a frente longa, ela não arrasta para fora das curvas. Isso porque a AMG posicionou o V8 do eixo dianteiro para trás, de modo a melhorar a distribuição de peso. O lance está nas saídas de curva. O GT-R é tão equilibrado que, após alguns trechos com pouco juízo, me senti seguro para ir desativando o controle de tração aos poucos. Os pneus Pirelli PZero são tão grudentos que só desgarram se você pisar tudo na hora errada, ou se o piso estiver escorregadio. Mas é um carro que exige braço para tirar tudo que ele tem de melhor. Não é como o Audi R8, que faz você se sentir um piloto com sua tocada segura proporcionada pela tração integral.
Nos testes, o GT-R mostrou seu poderio, mas não conseguiu bater a eficiência do R8 nas arrancadas (de novo mérito da tração quattro): ele levou 3,8 s até os 100 km/h, contra 3,5 s do rival. Ainda assim, que tal "saltar" dos 80 a 120 km/h em 2,5 s? É a retomada bruta deste AMG. Mas ninguém foi melhor que o GT-R nas frenagens, assumindo a liderança do nosso ranking de testes: somente 32,9 metros de 100 km/h a zero, graças a seus gigantescos discos de carbono-cerâmica.
Tabelado a R$ 1.199.900, o GT-R custa praticamente o mesmo preço do R8 no Brasil. Mas, perto dele, o Audi parece um carro de passeio. O mais nervoso dos AMG é certamente o mais próximo que você pode ter de um carro de corrida homologado para as ruas atualmente. Não à toa que a FIA o escolheu para ser o Safety Car da F1 na temporada 2018.
Fotos: Motor1.com e divulgação
MOTOR | dianteiro-central, longitudinal, 8 em V, 32 válvulas, 3.982 cm3, biturbo e injeção direta, gasolina |
POTÊNCIA/TORQUE |
585 cv a 6.250 rpm; 71,4 kgfm de 1.900 a 5.500 rpm |
TRANSMISSÃO | câmbio automatizado de dupla embreagem e 7 marchas, tração traseira |
SUSPENSÃO | independente braços sobrepostos na frente e atrás, amortecedores ajustáveis |
RODAS E PNEUS | liga-leve aro 19" com pneus 275/35 R29 na dianteira e aro 20" com pneus 325/30 R20 na traseira |
FREIOS | discos de cerâmica ventilados nas quatro rodas (390 mm na frente e 360 mm atrás), com ABS |
PESO | 1.630 kg em ordem de marcha |
DIMENSÕES | comprimento 4.551 mm, largura 2.007 mm, altura 1.284 mm, entre-eixos 2.630 mm |
CAPACIDADES | tanque 75 litros, porta-malas 175 litros |
PREÇO | R$ 1.199.900 |
MEDIÇÕES MOTOR1 BR | ||
---|---|---|
AMG GT-R | ||
Aceleração | ||
0 a 60 km/h | 2,4 s | |
0 a 80 km/h | 3,0 s | |
0 a 100 km/h | 3,8 s | |
Retomada | ||
40 a 100 km/h em S+ | 2,7 s | |
80 a 120 km/h em S+ | 2,5 s | |
Frenagem | ||
100 km/h a 0 | 32,9 m | |
80 km/h a 0 | 21,3 m | |
60 km/h a 0 | 11,9 m | |
Consumo | ||
Médio durante avaliação | 4,6 km/l |
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