Costumo brincar que meu pai "inventou" o conceito da Palio Adventure muito antes de a Fiat lançar a versão aventureira da perua, em 1999. Uns 7 anos antes, ele já queria equipar a nossa Fiat Elba com pneus de uso misto e elevar a suspensão. Tudo para chegar "castigando menos" a perua nas subidas de morro que ele fazia para voar de asa delta. A solução, na verdade, veio a bordo de um Suzuki Samurai que ele comprou um tempo depois - um verdadeiro off-road, com tração 4x4 e reduzida, mas que era um exagero para trilhas leves.
Hoje em dia meu velho não pratica mais o voo livre, mas o espírito aventureiro ainda segue - agora para chegar a praias mais escondidas, em busca de boas ondas. Diferentemente de 30 anos atrás, hoje existe uma série de modelos "semi-off-road" no mercado. E o Renault Kwid é o mais acessível deles. Vendido como o "SUV dos compactos" pelo marketing da marca francesa, o hatch de fato tem algumas credenciais que favorecem o uso fora do asfalto: boa altura livre do solo (180 mm), bons ângulos de ataque (24 graus) e saída (40 graus), entre-eixos curto (2,42 m) e peso pena (798 kg). Em nosso primeiro teste, com a versão intermediária Zen, dissemos que ele encara muito bem os obstáculos urbanos (lombadas, buracos e valetas). Faltava a terra.
Quando me viu com o Kwid Intense, a versão topo de linha, para meu pai sugerir de irmos até a Pedra Grande, em Atibaia (SP), um dos locais de decolagem de voo livre mais próximos da capital paulista, para avaliar a capacidade off-road do carrinho. Do asfalto até o alto da pedra são pouco mais de 10 km por estradinhas de terra esburacadas e subidas exigentes - sem dúvida uma boa prova também para o motor 1.0 12V do hatch.
No caminho até lá, o Kwid mostrou melhor comportamento na estrada do que o testado anteriormente. A 120 km/h, o Zen avaliado pela primeira vez ficava instável e tremia o volante. Agora com o Intense não foi assim. Ele continua um tanto "leve" para viajar em velocidades acima dos 110 km/h, mas o problema da trepidação parece ter sido falha de balanceamento da unidade anterior. O motor de 3 cilindros soa limitado no papel, com seus somente 70 cv e 9,8 kgfm de torque. Mas, para os menos de 800 kg do Kwid, dá conta do recado.
Na cidade, ele é bastante ágil - ganha velocidade sem esforço e esterça bastante, o que ajuda nas manobras. E na estrada você não passa apuros se souber trabalhar o câmbio para manter o propulsor "acordado", no que ajuda a transmissão de engates leves e curtinhos (o melhor Renault neste aspecto). O ruído interno não é dos mais baixos, mas é mais barulho de vento que mecânico. A direção elétrica é bem leve, sem chega a ficar "boba" na estrada, enquanto a suspensão durinha controla bem os movimentos laterais da carroceria. Nas curvas, o limite vem dos estreitos pneus 165/70 montados em rodas aro 14" (presas por três parafusos), que cantam facilmente. Aliás, aqui cabe um parêntese: os Kwid da frota de imprensa da Renault estão todos com pneus Continental, só que nas lojas encontramos apenas unidades com pneus indianos, de qualidade inferior.
Das economias do Kwid, a que mais incomoda é a falta de ajuste do volante. Para mim, que tenho 1,78 m de altura, ele fica um tanto baixo, ainda mais considerando que o banco é alto para dar a impressão de "SUV". O limpador único é eficiente e os comandos dos vidros elétricos dianteiros no painel são de fácil acesso. Até mesmo as caixas de som do carrinho estão no painel, para economizar fiação. Não comprometem.
O espaço é suficiente para até quatro adultos, desde que estejam em dia com a balança, pois a cabine é estreita. Já o porta-malas surpreende para um carro deste tamanho, com 290 litros (1 litro a mais que o do Onix). Coube até o carrinho de bebê do meu filho, e deitado - uma condição que fez eu trocar o hatch da minha esposa por um sedã recentemente. Plástico rígido domina a cabine, como não poderia deixar de ser, mas ao menos esta versão vem com apliques brilhantes no volante e nas portas, além de conta-giros e computador de bordo no painel. Também traz a central multimídia do Sandero, com interface de fácil utilização e navegador GPS. Pena que a câmera de ré tenha resolução baixa.
O começo da estrada de terra estava um tapete, mas logo os buracos começaram a chacoalhar a gente dentro do Kwid. A suspensão é durinha, mas tem bom curso, e dificilmente dá aquela pancada seca - apenas nos buracos mais fundos. Nas subidas, a boa notícia ficou por conta da disposição do motor. Em algumas eu até mantive a segunda marcha (desligando o ar-condicionado). Nas mais íngremes, a primeira não precisava ser "esgoelada" para que o hatch vencesse a ladeira. Apenas em uma delas os pneus patinaram, mas o Kwid seguiu o rumo. E nada de raspar embaixo, mesmo tendo o protetor de cárter, que reduz a altura livre do solo.
Quando esperávamos por um desafio maior (a última rampa antes da pedra), não encontramos. A estradinha foi alisada por máquinas, então os buracos estão bem menores ou simplesmente sumiram. De fato, ao chegar lá em cima vimos que diversos carros de passeio estavam por ali. Mas, mesmo assim, um senhor curioso se aproximou e perguntou: "Ele subiu bem?". Diante da resposta positiva, ficou elogiando o design.
A questão, vale dizer, é como chegou - e não apenas se chegou. O Kwid poderia fazer aquilo dia e noite que não teria problemas. Só fez alguns barulhos de acabamento interno, mas que sumiram na estrada lisa. É um carrinho robusto para os pisos maltratados do terceiro mundo, onde o asfalto em muitos lugares ainda é artigo de luxo. Após umas fotos, porém, resolvemos que era preciso procurar alguma encrenca maior para validar o pequeno Renault na terra.
Na descida, com a frente apontada para baixo, algumas "pegadas" no protetor de cárter foram inevitáveis. E meu pai, agora no comando, se queixou dos freios - "parecem fracos". De fato, é preciso pisar com vontade no pedal do meio para o Kwid estancar, mas suas distâncias de parada foram boas nos testes instrumentados. No meio do caminho tinha uma bifurcação e resolvemos entrar para ver. Eis que logo apareceu um subidão com erosões - nada difícil para um 4x4, mas um bom desafio para o Kwid. Tanto que foi a primeira vez que o carrinho empacou. Uma roda caiu no buraco e logo começou a patinar... Talvez um sistema de bloqueio do diferencial, como o Locker da Fiat, resolvesse a parada. Mas bastou voltar um pouco para trás e subir com mais "gás" para que o hatch vencesse o obstáculo, ainda que judiando um pouco da suspensão.
Bom, a gente já sabia que o Kwid não foi feito para se meter em trilhas. Mesmo na subida da Pedra Grande, caso chovesse, ele dificilmente chegaria ao destino. Mas foi bom para ver que o mote da campanha não é só puro marketing, pois o carrinho vai bem em estradas de chão e não tem medo de subidas. Ah, e nem podemos reclamar do acabamento: ao fim da viagem, não havia nada de poeira no interior nem no porta-malas, mostrando a eficiência da vedação da cabine. Pelo que custa, não dá para negar que o Kwid é honesto - seja para uso no asfalto ou numa terrinha de leve.
Texto e fotos: Daniel Messeder
MOTOR | dianteiro, transversal, 3 cilindros, 12 válvulas, 999 cm3, comando duplo sem variador, flex |
POTÊNCIA/TORQUE | 66/70 cv a 5.500 rpm / 9,4/9,8 kgfm a 4.250 rpm |
TRANSMISSÃO | manual de cinco marchas; tração dianteira |
SUSPENSÃO | independente McPherson na dianteira e eixo de torção na traseira |
RODAS E PNEUS | aço com calotas, aro 14", pneus 165/70 R14 |
FREIOS | discos sólidos na dianteira e tambores na traseira, com ABS e EBD |
PESO | 798 kg em ordem de marcha |
DIMENSÕES | comprimento 3.680 mm, largura 1.579 mm, altura 1.474 mm, entre-eixos 2.423 mm |
CAPACIDADES | tanque 38 litros; porta-malas 290 litros |
PREÇO | R$ 39.990 |
MEDIÇÕES MOTOR1 | ||
---|---|---|
Aceleração | ||
0 a 60 km/h | 5,5 s | |
0 a 80 km/h | 9,2 s | |
0 a 100 km/h | 13,9 s | |
Retomada | ||
40 a 100 km/h em 3a | 12,9 s | |
80 a 120 km/h em 4a | 15,5 s | |
Frenagem | ||
100 km/h a 0 | 40,8 m | |
80 km/h a 0 | 25,2 m | |
60 km/h a 0 | 14,1 m | |
Consumo (etanol) | ||
Ciclo cidade | 10,2 km/l | |
Ciclo estrada | 14,3 km/l |
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