"Este é o carro 0 km mais barato do Brasil". Com essa frase eu explicava aos curiosos o que eu estava fazendo com um Chery QQ na garagem. Pode parecer estranho, mas a cara de desconfiança de 90% dessas pessoas era acompanhada da pergunta: "Mas é bom?". Não julgo como injustiça, afinal, os carros chineses desembarcaram no Brasil em 2010 apostando em custo/benefício e sofreram pesadas críticas quanto à construção, qualidade e até mesmo segurança. Depois de um tempo, deixaram de compensar financeiramente falando.
Agora fabricado em Jacareí (SP), o novo QQ é bem diferente daquele primeiro, lançado em 2011, mas seu grande atrativo continua sendo a tabela de preço. Esta versão que testamos, chamada Act, é a mais completa e custa R$ 31.490 - menos que o preço de entrada do Fiat Mobi Easy (R$ 33.700). E esta ainda não é a mais barata. Ainda há o QQ Smile, bem básico, por R$ 25.990 e um intermediário, o Look, de R$ 29.990, o mesmo preço do Renault Kwid básico, mas já com ar-condicionado, direção hidráulica, sistema de som e vidros dianteiros elétricos.
A nacionalização fez bem ao QQ. Além do desenho mais moderno e com identidade mais definida, a construção está melhor. Na carroceria, as portas estão alinhadas, os vãos são uniformes e a pintura segue o mesmo padrão das montadoras mais tradicionais. Só nisso, uma parte do preconceito que existia com os chineses vai pelo ar. Até tampa traseira de vidro, algo que o Mobi se orgulha de ter, o QQ possui também. E ela exige rigor na montagem da carroceria.
Outro avanço do QQ que o coloca em boa posição é o motor. Seguindo a tendência, seu (pequeno) cofre guarda um propulsor 1.0 de 3 cilindros flex, com até 75 cv de potência e 10,1 kgfm de torque, dentro dos padrões do segmento. Tudo bem que o pico de força aparece somente nas 4.500 rpm, mas o câmbio com relações curtas na primeira e segunda marchas deixam o QQ esperto na cidade.
Convertendo isso em números, ele foi apenas 0,1 s mais lento que o Mobi Drive numa típica aceleração de cidade (0 a 60 km/h), que usa motor com 2 válvulas por cilindro e privilegia as respostas em baixas rotações (pico aos 3.250 rpm contra 4.500) e tem maior torque (10,9 contra 10,1 kgfm). Mas de terceira marcha em diante o chinesinho sofre um pouco, principalmente na estrada para seguir os 120 km/h - até menos. Pede reduções de marcha frequentes e pé embaixo para não perder o pique.
Quanto ao consumo, os dados do Inmetro não são muito animadores diante de outros 1.0 similares: 8,9 km/l na cidade e 9,9 km/l na estrada, com etanol. E o tanque de somente 35 litros deixa a autonomia limitada.
Por dentro, o painel de plástico rígido não aparenta baixa qualidade, diferente do primeiro QQ, e tem desenho interessante, com uma bandeja no topo para guardar objetos. O quadro de instrumentos, com velocímetro digital e conta-giros por barras, só peca na precisão do indicador de combustível, muito impreciso - não que vá te deixar numa pane seca, mas engana. Também temos de falar sobre os botões dos vidros dianteiros, quase escondidos entre os bancos, assim como os traseiros, que copiaram os antigos Peugeot 206/207. Economia, lógico.
Com apenas 3,56 m de comprimento e 2,34 m de entre-eixos, o QQ é apertado, certo? Errado. Por seu porte, ele tem bom espaço interno e os bancos dianteiros são até grandes para o segmento (lembram o do antigo Citroën C3 em desenho e bons tecidos). Atrás é possível levar duas pessoas em trajetos curtos. Até fixação Isofix para cadeirinhas infantis o chinesinho tem. Mas, para ter espaço, a Chery penalizou o porta-malas: são apenas 160 litros e acesso difícil pelo para-choque alto e "boca" pequena. Como referência, o já pequeno Mobi leva 215 litros.
Para ser barato, o QQ economizou em alguns pontos que, mesmo sendo uma evolução do QQ anterior, penalizam o carro mais barato do país. Os engates do câmbio, por exemplo, não são imprecisos, mas são longos o suficiente para bater a mão na perna do passageiro, além de barulhentos. A embreagem tem curso curto, complicada de achar o ponto certo, e isso exige mais de tempo para se habituar. No trânsito pesado, acaba cansando.
Outro ponto de economia está nos coxins. A vibração do motor tricilíndrico passa pouco para a cabine na marcha lenta, mas parece que os coxins de motor e câmbio não conseguem segurar o conjunto em movimento. Aparentam ter mais tempo de vida do que realmente têm, ou seu composto não é rígido o suficiente. Parece besteira, mas causa má impressão e dá ideia de carro com (muito) mais quilometragem que o real.
O mesmo vale para a suspensão, que apresenta diversos barulhos e rangidos que não costumamos ouvir em um carro novo. O acerto é voltado ao conforto, então ela deixa o QQ deitar e rolar nas curvas, além de balançar bastante quando passa por uma ondulação da via. Na cidade é aceitável, mas não transmite confiança na estrada, principalmente em conjunto com a direção leve demais e pouco comunicativa.
A suspensão traseira, com um arcaico eixo rígido, revela outra economia. Além de ter respostas mais lentas e comportamento instável em pisos ondulados, é barulhenta. Referências negativas também chegam ao sistema de freios que, com um pedal baixo, demora a responder. Além disso, os números de parada não foram dos melhores e é necessário controlar o QQ nas frenagens fortes, já que a traseira desequilibra e ameaça escapar.
É preciso levar em consideração que o Chery QQ é um carro barato para os padrões atuais. A cada defeito encontrado, eu mesmo pensava nisso. Mas há um limite. Falta refino principalmente na parte de suspensão, freios e coxins, que são os pontos que mais incomodam. Ele não é ruim de dirigir, com respostas rápidas, tamanho compacto e praticidade para uso urbano. Mas não vai muito além disso.
A versão Act vem com luzes diurnas, vidros traseiros elétricos, rodas de liga-leve aro 14" e retrovisores elétricos. São “luxos” que podemos abrir mão e viver com a Look, que tem ar-condicionado, direção hidráulica, som com AM/FM e porta USB, pelo mesmo preço do Kwid "pelado". Bom motor, preço e equipamentos são importantes para você? Então o QQ pode valer. Mas a verdade é que ainda há pontos importantes na parte técnica, principalmente diante do Fiat Mobi e, provavelmente, do Kwid. Ele é melhor que o anterior, mas a Chery ainda precisa de mais algumas horas de voo...
Fotos: Mario Villaescusa
MOTOR | dianteiro, transversal, 3 cilindros, 12 válvulas, 998 cm3, duplo comando, variável na admissão, flex |
POTÊNCIA/TORQUE | 74/75 cv a 6.000 rpm / 9,7/10,1 kgfm a 4.500 rpm |
TRANSMISSÃO | manual de cinco marchas; tração dianteira |
SUSPENSÃO | independente McPherson na dianteira e eixo rígido na traseira |
RODAS E PNEUS | liga-leve aro 14" com pneus 175/65 R14 |
FREIOS | discos sólidos na dianteira e tambor na traseira com ABS e EBD |
PESO | 940 kg em ordem de marcha |
DIMENSÕES | comprimento 3.564 mm, largura 1.620 mm, altura 1.527 mm, entre-eixos 2.340 mm |
CAPACIDADES | tanque 35 litros; porta-malas 160 litros |
PREÇO | R$ 31.490 |
MEDIÇÕES MOTOR1 | ||
---|---|---|
Aceleração | ||
0 a 60 km/h | 6,0 s | |
0 a 80 km/h | 10,6 s | |
0 a 100 km/h | 16,0 s | |
Retomada | ||
40 a 100 km/h em 3ª | 14,6 s | |
80 a 120 km/h em 4ª | 19,5 s | |
Frenagem | ||
100 km/h a 0 | 44,6 m | |
80 km/h a 0 | 27,1 m | |
60 km/h a 0 | 15,5 m | |
Consumo (etanol) | ||
Ciclo cidade | 8,9 km/l (Inmetro) | |
Ciclo estrada | 9,9 km/l (Inmetro) |
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