O mote da propaganda do Renault Captur é “design à primeira vista”. Isso mostra claramente que a aposta da marca francesa com este crossover é o estilo, que sem dúvida chama a atenção. Como a “femme fatale” que faz pescoços torcerem por onde passa. Mas como é viver com ela? Com a mais “fatale” de todas, a versão Intense, rolou uma certa decepção. Ficamos com essa curiosidade quanto à mais acessível delas, a Zen 1.6. E tivemos a chance de descobrir ao longo de uma semana como ela se porta.
A versão Zen 1.6 começa em R$ 78.900. Que, para bom entendedor, é R$ 79 mil. Mas a unidade que veio para nossas mãos também tinha o esquema de pintura “biton”, com teto em cor diferente do restante da carroceria (R$ 1.400), e com MediaNav e câmera de ré (R$ 1.990). Só que, como bem lembra o leitor Robson Carvalho, a tal pintura "biton" não sai por menos de R$ 2.900 no configurador do carro a não ser no caso do Captur Branco Glacier. Então estamos falando de um veículo de R$ 83.790, algo que já não o torna tão acessível quanto ele deveria ser.
Em um mercado com Hyundai Creta Pulse 1.6 (R$ 78.290), Nissan Kicks SV (R$ 84.900), Chevrolet Tracker LT (R$ 81.990), Jeep Renegade Sport 1.8 (R$ 80.790) e Honda HR-V LX (R$ 79.900), começar custando menos ajuda muito nas apresentações. Fora o Tracker, todos vêm com ESP. E com dois airbags, os obrigatórios por lei, enquanto o Captur vem com quatro. É uma das vantagens do Renault, fora o belo porta-malas de 437 litros.
O Creta Pulse tem stop/start, monitoramento de pressão dos pneus e faróis de neblina. O Kicks embrulha CVT, central multimídia de 7”, painel de instrumentos de 7” em TFT, bancos Zero Gravity confortabilíssimos, ar-condicionado digital e os sistemas ativos de estabilização de carroceria, de controle dinâmico em curvas e de freio-motor. Por fim, o HR-V tem outro belo porta-malas de 437 l, freio de mão eletrônico, volante regulável em altura e profundidade (como o Kicks), sistema ULT e a menor desvalorização do mercado. Talvez por ser líder do segmento, talvez pela boa reputação da Honda.
Entre os modelos com porta-malas menor do que o do Captur, Tracker e Renegade também têm seus trunfos. O Tracker (306 l) vem com motor 1.4 turbo e transmissão automática de 6 marchas, além do sistema MyLink de série, faróis de neblina, stop/start e regulagem do volante em altura e profundidade. Já o Renegade (260 l) traz monitoramento de pressão dos pneus, stop/start, faróis de neblina e freio de mão eletrônico. É munição pesada contra qualquer um que esteja tentando se estabelecer.
Basta abrir a porta do Captur para ter o primeiro choque entre o que o estilo promete e o carro efetivamente entrega. Há excesso de plásticos duros por todos os painéis. Como no Logan, no Sandero e no Duster. É deste último a plataforma B0 sobre a qual o Captur se apoia, mas ele poderia ter restringido a herança do irmão mais barato a apenas isso. Especialmente considerando o quanto ele custa.
Não é missão simples se achar atrás do volante. Ele é inclinado demais, com a parte inferior mais próxima do corpo do motorista, e só tem ajuste de altura, o que o deixa muito distante se você tiver vocação para jogador de basquete e precisar de mais espaço para as pernas. O banco é alto demais mesmo em sua posição mais baixa, o que atrapalha a visualização de semáforos, por exemplo. Mas o que mais prejudica o conforto é a embreagem, de acionamento pesado. Para um carro que deve agradar especialmente ao público feminino, ela mostra que a versão certa do Captur será mesmo a CVT, ainda por apresentar.
Antes mesmo de ligar o motor, por meio de um botão no painel, vem outra constatação incômoda. Levante o capô e você verá que ele ainda vem com tanquinho para partida a frio, algo que boa parte de seus concorrentes já eliminou (e que aborrece). Com o motor ligado, a decepção vem dos engates do câmbio, imprecisos. Quando o carro chega aos 120 km/h, em 5ª marcha, o conta-giros acusa 3.500 rpm, o que compromete não só o conforto acústico, mas também o consumo, que fica em 10 km/l com etanol em ciclo rodoviário. Comparado ao em ciclo urbano, de 7,6 km/l, ele mostra que o Captur merecia mais carinho na escolha do câmbio manual.
É uma pena, já que o motor 1.6 SCe é elástico e suave. Mostra uma certa falta de força em subidas, mas só se você seguir demais as orientações da shift light presente no painel, que indica se você deve subir ou descer marchas - sempre com foco em melhorar o consumo. O Captur poderia ter ido melhor nos testes de aceleração se o controle de tração e de estabilidade pudesse ser desligado. Com 12,9 s para ir de 0 a 100 km/h, ele foi bem pior do que o Kicks (11,6 s) e que o HR-V (10,5 s). O câmbio do Fluence, com 6 marchas e engates muito melhores do que o de 5, seria o candidato perfeito para o crossover, mas a Renault sabe que essa versão será uma das menos vendidas e preferiu não investir nisso.
A herança do Duster se mostra no isolamento acústico e na ergonomia. Ainda que seja melhor que o do irmão mais em conta, o do Captur ainda deixa perceber o barulho da ventoinha e até o clique do relê dos limpadores de para-brisa. O ruído de vento, que é crítico no Duster, não chega a incomodar. A ergonomia falha surge no acionamento do controlador de velocidade. O botão fica à frente da alavanca de câmbio, como antes ficava a regulagem dos retrovisores no Duster. Falando neles, os do Captur são pequenos demais. E seria bom se eles tivessem aviso de ponto cego, como os do Kicks SL.
Ainda falando de comportamento dinâmico, o pedal do freio permite uma frenagem correta, com modulação fácil e progressiva. A distância para frear completamente, partindo dos 100 km/h, ficou na média dos concorrentes. Difícil dizer se os números seriam melhores com discos nas quatro rodas, mas o Renegade e o HR-V, os caras a serem batidos neste segmento, oferecem discos na traseira. O Captur vai de tambores.
O acerto de suspensão do crossover-design da Renault é apenas correto. Segura bem a carroceria nas curvas e é um pouco menos anestesiada do que a do Duster, mas também bate mais forte, especialmente em lombadas estreitas e valetas. Fica distante da do Nissan Kicks, que é referência neste segmento.
Até a questão de espaço interno, que deveria ser um dos trunfos do Captur, com o bom entre-eixos de 2,67 m, não é bem aproveitada. Com um motorista alto na dianteira, outra pessoa do mesmo tamanho terá dificuldades para se ajeitar no banco de trás. Isso porque o banco traseiro foi posicionado um pouco mais à frente, para valorizar o porta-malas. Pelo menos ele tem ganchos Isofix para as cadeirinhas infantis, algo que o Duster não oferece nem como opcional.
Se você se apaixonou pelo “design à primeira vista”, nossa recomendação é aguardar pela versão 1.6 com câmbio CVT. O motor certo para o Captur é, sem dúvida, o SCe, mais moderno e leve do que o 2.0. Basta ao crossover ter uma transmissão mais adequada à proposta (e ao preço) para que muitos se disponham a perdoar suas falhas.
Fotos: Mario Villaescusa
MOTOR | dianteiro, transversal, 4 cilindros em linha, 16 válvulas, 1.597 cm³, flex |
POTÊNCIA/TORQUE | 120 cv (E)/118 cv (G) a 5.500 / 16,2 kgfm a 4.000 rpm (E e G) |
TRANSMISSÃO | manual de 5 marchas, tração dianteira |
SUSPENSÃO | independente McPherson na dianteira e eixo de torção na traseira |
RODAS E PNEUS | de liga-leve e aro 17", com pneus 215/60 R17 |
FREIOS | discos ventilados na dianteira e tambores na traseira, com ABS e ESP |
PESO | 1.273 kg em ordem de marcha |
DIMENSÕES | comprimento de 4.329 mm, largura de 1.813 mm, altura de 1.619 mm e entre-eixos 2.673 mm |
CAPACIDADES | porta malas de 437 litros, tanque de 50 litros |
PREÇO | R$ 78.900 |
MEDIÇÕES MOTOR1 BR | ||
---|---|---|
Renault Captur Zen 1.6 manual | ||
Aceleração | ||
0 a 60 km/h | 5,6 s | |
0 a 80 km/h | 8,9 s | |
0 a 100 km/h | 12,9 s | |
Retomada | ||
40 a 100 km/h em 3ª | 12,2 s | |
80 a 120 km/h em 4ª | 14,5 s | |
Frenagem | ||
100 km/h a 0 | 43,5 m | |
80 km/h a 0 | 26,8 m | |
60 km/h a 0 | 15 m | |
Consumo | ||
Ciclo cidade | 7,6 km/l | |
Ciclo estrada | 10 km/l |
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