Rebranding: solução genial... ou última chance?
A Jaguar não foi a primeira nem a última a fazer isso
É bem verdade que o tom midiático anunciado pela Jaguar no início deste mês para informar o que “ela quer ser daqui pra frente”, rompendo com muito do que fora nas últimas décadas, causou enorme rebuliço – e somente porque era a Jaguar, marca conceituada, premium, centenária.
Outras empresas já o fizeram, embora não tenham empacotado as mudanças com o pomposo e marqueteiro “rebranding”. Essa estratégia, que é comum em outros segmentos, como artigos de vestuário e redes de varejo, vem justificada de modo mirabolante. A “estratégia” é ressignificar os valores da marca, reconstruir a relação com o cliente, repaginar a família de produtos.
Veja o tom de uma das declarações oficiais de executivos da marca: “Jaguar não é lugar para o comum. Quando você vê um novo Jaguar pela primeira vez, ele deve ter uma sensação de admiração, de nunca ter sido visto antes. O Type 00 chama a atenção, como todos os melhores Jaguars do passado. Ele tem uma presença dramática, canalizando um espírito único de criatividade e originalidade britânica. Ele celebra a arte e incorpora a essência do Modernismo Exuberante”, disse o Designer-Chefe da marca, Constantino Segui Gilabert.
Discursivo, não? Bem “embalado”, certo? De concreto, vimos que o futuro da icônica marca britânica será emoldurado a partir das exuberantes linhas de um GT 2 portas, sem vidro traseiro, batizado de Type 00. O modelo de produção será um sedã baseado nesse conceito com propulsão totalmente elétrica e ganhará as ruas em 2026.
A verdadeira motivação do rebranding
Milhares de “comentaristas” deram opiniões. Não li milhares, mas algumas dezenas. E, na minha aferição, muito mais gente desgostou do que gostou. Eu discordo. Acho que foi uma bela estratégia. Explico.
Você já parou pra pensar se essa decisão foi tomada por livre e espontânea vontade? Tipo... “eu sou o cara que manda na Jaguar. Tá tudo bem por aqui. Mas eu decidi que quero mudar tudo... somente porque eu decidi assim...” Lógico que não foi isso.
Quer saber o verdadeiro motivo? Foram dois. O primeiro: a união com a Land Rover nos showrooms das lojas, de 2008 pra cá, criou grande concorrência interna. Com a “SUVização” do mercado mundial, imagine que o cliente entra em uma revenda para comprar um SUV. Qual irá chamar mais atenção: a marca que começou a produzir SUVs uns anos atrás ou a que tem fama mundial nesse segmento há mais de sete décadas?
O segundo: depois de ter sido adquirida pela Ford em 1999, passando a produzir modelos abaixo de sua linhagem tradicional, como o sedã X-Type (aquele que tinha plataforma de Ford Mondeo), a Jaguar perdeu aquele posicionamento histórico um pouco acima das três alemãs (Audi, BMW e Mercedes-Benz) e abaixo das montadoras de superluxo (Aston Martin, Rolls-Royce e Bentley). Esse espaço da Jaguar, repare, era o mesmo que hoje a Porsche reina sozinha.
A Jaguar perdeu esse status do que poderíamos chamar de “Premium Plus” e passou a ser vista como concorrente direta das três alemãs. Só que aí a briga ficou muito mais pesada, não só por conta do embate dos produtos, mas pelo modelo de negócios.
Não dá pra brigar com as alemãs
A Jaguar encerrou o ano de 2023 com 64 mil unidades vendidas em todo o mundo, enquanto a Audi comercializou quase 1,66 milhão de unidades – a Mercedes emplacou 2,04 milhões e a BMW, 2,25 milhões.
Embora premium, esse é um segmento com menor fidelização do que o outro lá de cima. Os consumidores são mais volúveis e se deixam influenciar por lançamentos bem-sucedidos e novas tecnologias. É comum flutuarem da marca A para a B. Depois saltam pra M. E, talvez, voltem à A um dia.
Fato: a conta da Jaguar não fechava mais. Qualquer novo produto lançado pela trinca germânica era mais competitivo pela economia de escala e pelo custo de amortização do projeto.
A tal amortização
Quando você passa a produzir um novo carro, tudo o que ele consumiu de investimentos em seu período de desenvolvimento deverá ser recuperado na venda de cada unidade nos anos seguintes. É assim que as montadoras autofinanciam os projetos de novos carros.
Por exemplo: a Stellantis gasta R$ 500 milhões na nova Fiat Strada. Calcula-se que esse carro irá vender 500 mil unidades dessa geração nos próximos anos. Pois cada picape vendida, dividindo-se as grandezas acima, deverá “devolver” aos cofres da montadora R$ 1.000. A isso se dá o nome de custo de amortização. E é um valor que é acrescido ao preço final do carro.
Para quem vende pouco mais de 60 mil unidades por ano, isso significa que a amortização se torna alta para unidade vendida. E começa a inviabilizar novos investimentos para futuros projetos, pois a prática indica que você deverá aumentar o valor final para o público a fim de reaver o dinheiro gasto pela Engenharia. E carro mais caro que a concorrência vende menos.
A outra saída é economizar nos lançamentos. Veja a Jaguar: o último modelo verdadeiramente novo da marca britânica, hoje sob os domínios da indiana Tata, foi em 2018. Os produtos envelheceram. E aí se forma um perverso círculo vicioso: quem não lança carro novo, e reajusta os preços dos modelos em linha, passa a vender menos ainda.
Tudo isso quer dizer o seguinte...
Disse o porta-voz da Jaguar no anúncio feito no início de dezembro: eles vão paralisar a produção dos modelos atuais e ficar mais de um ano sem fabricar nada até prepararem a linha de montagem para o novo sedã 100% elétrico. É arriscado? É. Se você tem outra alternativa, sim, é arriscado. Só que me parece muito mais se tratar da última opção, tipo salvar a marca mesmo.
Como bem disse o genial Murilo Moreno, especialista em Marketing com larga experiência em área automotiva: a Jaguar quer deixar de ser uma “marca de automóveis de luxo” para se tornar “uma marca de luxo que faz automóveis”.
Se lá na frente o sedã ganhar uma campanha adequada de marketing, mostrando atributos exclusivos para o segmento e introduzindo a “novidade” do 100% elétrico no nicho do altíssimo luxo, quem sabe o consumidor não se encante pela Jaguar?
“Ah, mas o custo mais alto de amortização do projeto e as vendas em volumes menores não vão torná-lo muito caro?” Vão. Mas aí você subiu dois degraus: descolou-se das três alemãs, também da Porsche e foi tentar a sorte lá para cima.
Não estou dizendo que vá dar certo. Entretanto, na teoria, pode funcionar, sim.
Pode não ser a sua, muito menos a minha realidade. Só que as marcas que estão lá no último andar operam de forma diferente. O consumidor que adquire uma mala de viagem da Louis Vuitton, por exemplo (a partir de R$ 20 mil), é muito menos suscetível ao preço e bem mais vinculado ao valor da marca. Tanto que faz fila. Essa é a diferença do segmento de altíssimo luxo. A Louis Vuitton, só para constar, é cotada por US$ 130 bilhões em bolsa de valores. Só Tesla e Toyota valem mais do que isso. E você vai dizer que a Jaguar está errada em “tentar”??
Ou seja: os acionistas da Jaguar não estão errados. Parecia a única saída. Se estava difícil vender SUV por 85 mil euros no mercado europeu, conforme vimos nos últimos anos, quem sabe não dê certo um sedã elétrico de 120 mil?
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