O bom resultado de setembro com 236,3 mil emplacamentos de automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus – o terceiro melhor resultado mensal deste ano e a maior média diária de vendas para o mês nos últimos cinco anos, com 11,3 mil veículos comercializados por dia útil – abriu as portas do último trimestre de 2024 com expectativa de encerrar o ano acima das projeções, com volume superior a 2,6 milhões de unidades vendidas.
De fato existem fatores favoráveis para tanto: o desemprego está em baixa, a renda está subindo, a economia cresce e o crédito, ainda que continue caro, está fluindo para os financiamentos com a redução da inadimplência a patamares baixos, o que endossa mais de sete aprovações de crédito para compra de veículos a cada dez pedidos.
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Mas nem todos os ventos estão favoráveis: é interessante notar que, pelos mesmos motivos aparentemente positivos acima, o Banco Central, independente do governo e vassalo do mercado, só enxerga estímulos à inflação e, no fim de setembro, decidiu jogar cascas de banana no caminho do crescimento econômico, por considera-lo anormal e insustentável.
Com esta visão o BC voltou a subir o juro básico, a taxa Selic, de 10,5% para 10,75% ao ano, deixando no ar a promessa de novos aumentos. Parece pouco mas influencia a expectativa de mercado para aumentar as taxas futuras.
Resta saber se, mesmo com a taxa de inadimplência das pessoas físicas nos financiamentos para compra de carros estacionada na casa de bem-comportados 4,5%, os bancos vão querer aumentar o juro desta modalidade de crédito, que já estão há tempos em níveis bastante elevados: média de 25,7% ao ano, de acordo com o último levantamento do BC, de agosto – portanto, antes da elevação da Selic.
A questão é se os bancos vão se contentar com o spread atual de inacreditáveis 15 pontos porcentuais – diferença da Selic para a taxa praticada ao consumidor – ou se vão querer ganhar um pouco mais, já que quase ninguém faz esta conta e topa pagar caro pelo financiamento desde que a prestação caiba no orçamento.
Há pouco mais de um ano, em julho de 2023, quando a inadimplência era maior, chegava a 5,4%, e a Selic também estava nas alturas, em 13,75% ao ano, o juro médio do financiamento automotivo para pessoas físicas era só um pouco maior que o atual, 26,1% ao ano, e o spread de 13 estava 2 pontos menor. Prova de que, quando querem, os bancos têm boa margem para baixar o custo do credito.
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Seja com juros maiores ou estáveis – difícil acreditar em queda de taxas – o cenário acima de 2,6 milhões de veículos vendidos este ano parece difícil de alcançar.
Segundo a Anfavea, a associação dos fabricantes que divulgou os resultados do setor na segunda-feira, 7, este volume seria possível caso a média diária de vendas de setembro fosse mantida até o fim do ano. Na verdade, contudo, nem assim isto será possível.
A média geral de emplacamentos de setembro foi de 11,3 mil veículos por dia útil. Considerando os 63 dias úteis dos três meses que faltam para terminar 2024, e as quase 1,9 milhão de unidades já vendidas de janeiro a setembro, caso a atual média diária seja mantida o resultado anual será de quase 2,56 milhões de emplacamentos – exatamente a projeção da Anfavea atualizada no meio deste ano.
Para chegar a 2,6 milhões de veículos – coisa que a Fenabrave, que reúne os concessionários, projeta que chegará e até superará – a média diária de vendas até o fim do ano precisa subir para, no mínimo, 12 mil por dia útil neste último trimestre de 2024.
Apesar dos resultados acima das expectativas dos últimos meses, desde junho com vendas acima das 200 mil unidades mensais e médias diárias superiores a 10 mil e mais próximas de 11 mil, parece difícil subir além deste nível: médias diárias acima de 12 mil tornam-se raras desde 2019 e este número foi registrado em um único mês do ano passado: dezembro, com 12,4 mil.
Não há sinais que indiquem subida tão substancial das vendas, mas as inconstâncias e distorções do mercado brasileiro sempre podem levar a resultados surpreendentes.
Vale lembrar que nesta reta final do ano o apetite das locadoras pode fazer diferença, especialmente para inflar os programas de carros por assinatura que têm contribuído para manter as vendas em nível acima das esperanças divulgadas no início de 2024. A ver.
* Pedro Kutney é jornalista especializado em economia, finanças e indústria automotiva. É autor da coluna Observatório Automotivo, especializada na cobertura do setor automotivo, e editor da revista AutoData. Ao longo de mais de 35 anos de profissão, foi editor do portal Automotive Business, editor da revista Automotive News Brasil e da Agência AutoData. Foi editor assistente de finanças no jornal Valor Econômico, repórter e redator das revistas Automóvel & Requinte, Quatro Rodas e Náutica.
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