Há uma verdade fundamental que você precisa entender sobre as empresas automobilísticas: elas não existem para fabricar carros. Elas existem para ganhar dinheiro. Essa distinção, diz-me o analista Kevin Tynan, é o motivo pelo qual elas não estão realmente interessadas em fabricar veículos elétricos acessíveis.
Talvez isso seja uma simplificação exagerada. Tynan é o diretor de pesquisa de um banco de investimentos voltado para revendedores de automóveis, o Presidio Group (sim, esse é o nome da empresa), com décadas de experiência como analista em empresas como a Bloomberg Intelligence. O que ele quer dizer não é que os fabricantes de automóveis não têm interesse em produtos acessíveis. O que ele quer dizer é que seu interesse começa e termina com a conquista de clientes que acabarão comprando produtos mais caros e de maior margem de lucro.
Um dos segredos mais sujos do setor automotivo é que, em escala, não custa muito mais fazer um produto maior e mais caro do que um menor e mais barato. Mas eles podem cobrar muito mais pelo primeiro, o que torna esse um jogo de margens de lucro e não apenas de lucros. Especialmente nos últimos anos, essa é uma grande parte da razão pela qual suas opções de carros novos têm se inclinado tanto para crossovers, SUVs e caminhões maiores.
"Veja o Chevrolet Cruze", disse Tynan ao InsideEVs. "Quero dizer, ele estava [vendendo] 200.000 unidades por ano. Ele era vendido na faixa baixa [US$ 20.000/R$ 111.700]. Por que ele não existe mais? Se o objetivo fosse vender coisas, esses carros são ótimos produtos. Mas o objetivo é vender coisas de forma lucrativa, o que é algo totalmente diferente. E é por isso que todo mundo optou pela picape grande, porque é isso que vende aqui (nos EUA) e é isso que vende com lucro."
Carros baratos como o Ford Focus e o Fiesta provavelmente não eram lucrativos para a Ford em escala, disse ele. E ele não acredita na ideia de que alguém vá oferecer um veículo elétrico com alcance de 300 quilômetros por US$ 25 mil (R$ 140 mil). Mas a Bloomberg informou que a futura picape elétrica de entrada da Ford tem como alvo essa faixa de preço.
Será uma tarefa homérica. Especialmente quando a cadeia de suprimentos ainda limitada faz com que a lucratividade dos elétricos, independente de preço, seja algo difícil de ser atingindo, com exceção da Tesla e de algumas marcas chinesas.
"Colocando desta forma, acho que ninguém está ganhando dinheiro com veículos de US$ 25.000 nos EUA, independentemente do tipo de motor. Isso simplesmente não está acontecendo."
Ele não é o único analista a apresentar esse argumento.
"Analisando os fatores em volta de um veículo elétrico de baixo custo e de mercado de massa, é um tipo de carro que trará prejuízos para suas montadoras", disse o analista de ações da CFRA Research, Garrett Nelson, ao Investors Business Daily.
Nelson disse à agência que nenhum veículo elétrico de US$ 25.000 não subsidiado será lucrativo. Isso "simplesmente não é realista", disse ele. Ainda assim, não ser lucrativo não significa ser impossível.
Tynan diz que algumas empresas, como a Honda, venderão carros baratos com prejuízo para conquistar clientes jovens que permanecerão fiéis por décadas. Mas as grandes empresas americanas desistiram em grande parte dessa prática.
"Se você observar a GM, a Ford e a Stellantis, o preço médio de transação está na faixa baixa [de US$ 50.000]", disse Tynan. "Eu uso isso de base para dizer que é o quanto estas empresas querem que você tenha para que eles sejam lucrativos em seus veículos, em torno de US$ 50.000, certo?"
Ele diz que a GM não quer vender um Cruze de US$ 25.000, depois um Malibu de US$ 32.000 e um Impala de US$ 38.000 para que enfim este consumidor se torne lucrativo para a empresa. Eles preferem que você compre uma Silverado de US$ 60.000 agora e o financie para sempre. "O que eles estão dizendo é: 'não queremos vender a você cinco coisas não lucrativas na esperança de que um dia, sabe, daqui a 12 anos, você entre na parte lucrativa do nosso portfólio. Simplesmente não estamos fazendo isso'".
As modernas ofertas de leasing super baratas, disse ele, são um sintoma disso, não uma sugestão de que os carros ficarão mais baratos. Mesmo com grandes incentivos federais, a maioria dos fabricantes de automóveis ainda está vendendo seus veículos elétricos com um enorme prejuízo.
Isso pode ser reduzido com o tempo, à medida que as montadoras pagam os investimentos em larga escala para os elétricos e cortam os custos do produto, mas Tynan argumenta que isso não será suficiente para reduzir muito os preços. As atuais ofertas de leasing ultra baratas são um sintoma de excesso de oferta, diz ele, e não um sinal do que está por vir.
"Os fabricantes de automóveis estão extraindo centavos de seus processos de fabricação, não milhares de dólares", disse ele. Mesmo que pudessem baixar os preços, as montadoras não são mais focadas em volume. Elas estão viciadas em margem. Vender mais carros significa mais despesas com recall, reclamações de garantia, infraestrutura de transporte, despesas de capital e dores de cabeça. Tynan diz que as empresas automobilísticas continuarão a se concentrar em produtos grandes, de alta margem e caros o máximo que puderem.
O CEO da Ford, Jim Farley, não concorda.
"Acreditamos que veículos menores e mais acessíveis são o caminho a seguir para os elétricos", disse Farley na teleconferência de resultados do segundo trimestre da Ford. "Por quê? Porque a matemática é completamente diferente da feita para motores a combustão. Carros a gasolina, o negócio em que estamos há 120 anos, quanto maior o veículo, maior a margem. Mas com os elétricos é exatamente o contrário. Quanto maior o veículo, quanto maior a bateria, maior a pressão sobre a margem, porque os clientes não pagarão a mais por essas baterias maiores."
Um V8 pode exigir mais metal do que um quatro cilindros turbo de 2,0 litros, mas o quatro cilindros é igualmente difícil de fabricar, se não for mais caro. Os veículos menores ainda precisam de componentes de suspensão complicados, sistemas de resfriamento cuidadosamente projetados, estruturas de colisão fortes e muitos componentes de custo fixo. Eles custam quantias semelhantes para serem homologados e certificados, quantias semelhantes para serem projetados e quantias semelhantes para serem desenvolvidos em comparação com modelos maiores e mais caros. Mas a Ford cobra muito mais dinheiro pelos componentes maiores e mais caros.
Muito disso ainda é verdade na era dos veículos elétricos. Mas como as baterias representam uma proporção tão substancial do custo geral, há motivos para acreditar que os fatores econômicos levarão as montadoras a produzir carros, SUVs e caminhões menores. Isso é especialmente importante quando se considera a matemática exponencial do dimensionamento de baterias de longo alcance.
Quanto maior o veículo, mais resistência ao ar ele encontrará, exigindo mais bateria para o mesmo alcance. Quanto maior o veículo, mais ele pesa, exigindo também mais energia de um pacote de baterias maior. Equipar uma picape com um pacote maior aumenta substancialmente o peso, exigindo... você adivinhou... mais baterias para compensar. Cada célula extra aumenta o custo, mas o retorno em termos de alcance diminui à medida que o carro é equipado com mais baterias.
Essa relação não é teórica. Você pode ver isso nos carros de produção atuais. Um Lucid Air Grand Touring pode percorrer 830 km com uma carga. Ele pesa 1.200 kg e tem uma bateria de 118 kWh. A Chevrolet Silverado EV pesa mais de 4 toneladas, graças, em grande parte, à sua enorme bateria de 205 kWh. Com um pacote 1,7 vezes maior que o do Lucid, ela pode percorrer 720 km. É claro que se trata de uma picape, não de um sedã elegante, mas esse é o objetivo de Farley: Se você quiser ir longe em um elétrico, por um preço razoável, caminhonetes gigantes e SUVs com baterias enormes não são a resposta errada.
Tynan, por sua vez, não acredita no argumento de Farley, nem em suas razões para apresentá-lo. Ele argumenta que a verdade fundamental não mudou: As montadoras podem obter uma margem maior em um produto mais caro. Mesmo que seja um veículo com bateria menor, o dinheiro será ganho com as versões mais caras. Veículos maiores com baterias maiores sempre terão um valor extra suficiente para valer a pena.
"O que você precisa lembrar é que Jim Farley tem muito mais recursos para dizer coisas que ele acha que o mercado quer ouvir", disse Tynan. Todo mundo se envolveu com isso porque, quando se olha para a Tesla, Elon Musk diz o que quer, e sua empresa vale US$ 1,3 trilhão. [...] No final das contas, onde estará Jim Farley quando tudo isso explodir? Ele estará aposentado em uma praia de Cartagena em algum lugar, e ninguém se lembrará das promessas que ele fez."
A Ford não respondeu ao nosso pedido de comentário.
Tynan tem razão quando diz que nenhuma montadora ou executivo de montadora está querendo lhe vender um carro mais barato. Essas empresas existem para ganhar dinheiro. Elas vão para onde o dinheiro está. Mas isso não significa que Farley esteja absolutamente errado. Um erro fundamental que as montadoras continuam cometendo é achar que o jeito de comercializar um carro elétrico é exatamente igual ao manual de carros de combustão interna. Essa transição é fundamental, e as velhas práticas podem não sobreviver.
Veja o caso das caminhonetes, que geram dinheiro para o mundo da combustão interna. Usando seu chapéu de carro antigo, por que não encher uma delas de baterias e vendê-la pelo dobro do preço de um carro elétrico comum? Os americanos adoram caminhonetes, e as empresas automobilísticas supostamente ganham mais dinheiro com picapes grandes e caras. No entanto, a realidade é que o custo para fabricar uma caminhonete elétrica de longo alcance e altamente capaz é muito alto no momento.
Pode haver um mercado para uma picape elétrica de US$ 100.000, mas ela não vai atingir os números da F-150. Nem mesmo a Ford F-150 Lightning está atingindo os números de vendas da F-150, porque ainda precisa competir com a picape a gasolina. Por mais que seja uma ótima caminhonete, não sei se a recomendaria em vez de uma caminhonete a gasolina mais barata que não requer ajustes no estilo de vida.
A GM, por sua vez, argumenta que o aumento da escala reduzirá os preços das baterias. Mas com a Silverado EV "Work Truck" básica com bateria grande a partir de cerca de US$ 80.000, é difícil imaginar que se possa reduzir o preço em US$ 25.000 e ainda assim ter um produto lucrativo.
Enquanto isso, carros mais simples, como o Tesla Model Y e o Model 3, ainda são lucrativos e desejáveis. O Model Y foi o carro mais vendido do mundo no ano passado. O portfólio de EVs mais baratos da Hyundai está registrando vendas recordes, e a empresa afirma que eles são lucrativos.
As opções baratas da Chevrolet e da Ford estão registrando um crescimento de vendas impressionante, enquanto as opções mais caras enfrentam dificuldades. Elas ainda não são lucrativas, mas com a quantidade de investimentos de custo fixo necessários para fazê-las acontecer, há motivos para ser otimista quanto ao fato de que as montadoras podem eventualmente ganhar dinheiro vendendo produtos acessíveis que as pessoas compram.
O que é preciso lembrar, porém, é que eles só farão isso se for necessário. Tynan está certo. Nenhuma empresa que tenha se acostumado com preços médios de transação acima de US$ 50.000,00 se concentrará em produtos mais baratos por bondade de seus líderes corporativos. Os fabricantes de automóveis querem maximizar o lucro. Mesmo que pudessem fabricar um carro elétrico por menos de R$ 100 mil, eles cobrariam R$ 200 mil se pudessem.
Os fabricantes de automóveis se voltarão para produtos acessíveis se, e somente se, a demanda por produtos caros diminuir. Esse é um pedido maior do que você imagina. Porque, embora as pessoas digam que querem produtos acessíveis, na concessionária elas tendem a escolher o produto mais caro que podem pagar, aquele que as faz se sentir mais legais e parecer mais ricas.
O Jeep Wrangler não se tornou um acessório de US$ 70.000 porque as pessoas queriam um off-roader do tamanho certo. Os Wranglers passaram a custar US$ 70.000 porque os Wranglers mais baratos se tornaram onipresentes, e os compradores queriam mostrar que seu Wrangler era o mais legal. Não importa que o mais caro ainda ande como uma carroça coberta. Ele transmite a mensagem.
Nos Estados Unidos, compra-se para obter status. Compra-se para ter vantagem. Compra-se pelas coisas que esperamos poder fazer, em vez de comprar pelas coisas que fazemos. Todas essas coisas são incompatíveis com a acessibilidade econômica. Elas fazem com que busquemos carros "mais legais" em vez de carros razoáveis, carros gigantes em vez de opções de tamanho adequado, carros caros em vez de baratos. Carros para imagem, não para utilidade. Eu mesmo sou culpado por isso. As montadoras têm recompensado esse comportamento com opções mais ousadas, mais caras e mais exageradas, preferindo se apresentar para o público que aspira a isso.
Quem pode culpá-los? Nenhuma empresa quer ser conhecida como o lugar a que você recorre quando não tem dinheiro para mais nada. Nenhum executivo da GM olha para a Mitsubishi com inveja. É mais fácil para as empresas venderem menos produtos de alta margem de lucro para um público mais rico. O fato de os estadunidenses estarem dispostos a fazer empréstimos de 84 meses e se alavancar até o infinito faz com que o número de compradores seja amplo e profundo. Portanto, os fabricantes de automóveis continuarão buscando preços mais altos enquanto nós os pagarmos. O problema não é com eles, é conosco.
Ilustração: Sam Woolley.
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