A queda de um Boeing 737 MAX da Ethiopian no último domingo acendeu um alerta na comunidade aeronáutica. Afinal, foi a segunda aeronave do tipo a sofrer um acidente fatal em menos de seis meses, lembrando que em outubro do ano passado um 737 MAX da Lion Air caiu na Indonésia. Coincidências assim não costumam ser bem vistas na aviação e, para piorar, os dois aviões reportaram problemas de controle minutos após a decolagem, antes de caírem. Os dois acidentes resultaram na perda de quase 400 vidas.
Acidentes com um mesmo modelo de carro fizeram a Mercedes-Benz e a Audi chamarem de volta as primeiras gerações do Classe A e do TT, respectivamente, no final dos anos 90. Por falhas de projeto, ambos tiveram de receber mudanças de estrutura e, principalmente, de software. Algo que, ao que tudo indica, também precisará ser feito pela Boeing no 737 MAX.
Tirar conclusões precipitadas é tudo que a industria aeronáutica não faz. Cada acidente gera uma investigação que leva, pelo menos, de um ano e meio a dois anos. O grande problema é que desta vez estamos falando de um jato que, junto com o Airbus A320, compõe a espinha dorsal da aviação mundial - já foram vendidas mais de 5 mil unidades do 737 MAX, embora tenham sido entregues apenas 371 até o momento. O 737 MAX é a versão mais recente do modelo, que se notabiliza pelo custo de operação cerca de 20% menor que o 737 NG que ele substitui.
Boa parte desta economia provém dos novos motores LEAP-1B da CFM International, que são maiores que os anteriores e exigiram mudanças no projeto do 737 para serem instalados. Como o 737 é um avião baixo em relação ao solo, foi preciso alterar o trem de pouso para que o motor maior não pegasse no chão. Pelo mesmo motivo, os motores foram posicionados mais à frente na asas. Essa mudança de design resolveu um problema, mas criou outro: em determinadas condições de voo, na pilotagem manual, o avião ficou com tendência de levantar o nariz e consequentemente perder sustentação.
Para anular esse efeito em situações de inclinação mais crítica, a Boeing instalou no 737 MAX o sistema Maneuvering Characteristics Augmentation System (MCAS). Basicamente, a eletrônica fica responsável por, caso o ângulo de ataque fique muito íngreme, automaticamente orientar o nariz do avião para baixo de modo a evitar o estol (a perda de sustentação). Informações preliminares dão conta de que um defeito nos sensores do ângulo de ataque teria sido a causa principal do acidente da Lion Air, pois fez o MCAS receber informações erradas e apontar o nariz do avião para baixo diversas vezes enquanto os pilotos tentavam fazer o contrário.
Repare como o motor maior do 737 MAX (à direita) teve de ser reposicionado em relação ao do 737 NG
Na manhã de ontem (13), a FAA (Federal Aviation Administration) disse ter obtido novas informações a respeito da queda do 737 MAX da Ethiopian, e elas apontam para um problema semelhante ao do avião da Lion Air. Diante disso, a FAA e a Boeing ordenaram que todos os 737 MAX em operação nos EUA tenham seus voos suspensos até segunda ordem, ou seja, enquanto as investigações se aprofundam. Desta forma, os EUA seguem a decisão tomada anteriormente pela União Europeia, China, Indonésia e por algumas empresas que já haviam deixado seus 737 MAX no chão por conta própria - incluindo a brasileira GOL, que possui sete unidades da aeronave atualmente.
Seja qual for o resultado das investigações, a Boeing será obrigada a fazer mudanças no 737 MAX. A primeira iniciativa, ao que parece, será uma atualização do sistema MCAS, prevista para abril. O que temos, por enquanto, é uma frota de mais de 370 aviões no chão esperando por modificações e milhões de dólares perdidos. Algo parecido com o que já vimos na indústria automobilística...
O Classe A capotou no teste do alce e depois ganhou uma série de dispositivos eletrônicos de segurança
A Mercedes-Benz havia apresentado no Salão de Frankfurt de 1997 o Classe A, um modelo diferente de tudo que a marca alemã já havia feito. Compacto, ele era o primeiro Mercedes de motor transversal, tração dianteira e carroceria hatch. Para agrupar tudo num carrinho de apenas 3,57 metros de comprimento, a marca alemã utilizou na construção o conceito "sanduíche", que chamava a atenção pelo motor inclinado a 59 graus (em caso de colisão se deslocava para baixo do veículo) e pela posição elevada dos passageiros.
Acontece que esse tipo de construção ocasionava elevação do centro de gravidade do carro. E não demorou para que uma publicação sueca submetesse o Classe A ao teste do alce, uma manobra evasiva que simula o desvio repentino de um alce, animal comum nas estradas da Suécia. Resultado: o pequeno Mercedes capotou na prova. A princípio a marca culpou a calibragem dos pneus, mas depois testes na Alemanha comprovaram o erro de projeto. A Mercedes então recomprou as 2.600 unidades do Classe A vendidas até então e suspendeu as vendas por três meses enquanto arrumava o problema.
A solução veio na forma de diversos itens: redução do curso da suspensão, aumento de carga nos amortecedores e, principalmente, a aplicação de todas as "babás eletrônicas" disponíveis no Classe S, sedã topo de linha da marca. Daí vieram os controles de tração (ASR) e estabilidade (ESP), freios ABS com distribuição eletrônica da força de frenagem (EBD) e assistente de frenagem de emergência (BAS). Assim, o Classe A se transformou em um dos compactos mais seguros do mundo.
A Audi foi obrigada a revisar o ESP do TT, bem como alterar a suspensão e colocar um spoiler traseiro
Outro caso em que o projeto teve de ser corrigido por questões de segurança foi o da primeira geração do Audi TT. Logo após o lançamento, no fim de 1998, uma série de acidentes com fatalidades começou a ser reportada. A maioria deles ocorreu em mudanças de pista a mais de 180 km/h ou durante curvas acentuadas. Isso forçou a Audi a realizar um recall tanto da versão cupê quanto da roadster para melhorar a estabilidade e a previsibilidade do comportamento do TT em altas velocidades. Diversos corretivos foram aplicados, incluindo uma versão revisada do controle de estabilidade (ESP), um novo acerto de suspensão e a instalação de um spoiler na traseira.
Tanto no caso da Boeing quanto da Mercedes e da Audi, o mais importante é que vidas não tenham sido perdidas em vão, uma vez que o aprendizado com os acidentes serve para evitar futuros erros de projeto e proporcionar aviões e carros mais seguros.
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