Estamos muito próximos da substituição do Inovar-Auto por um novo programa de longo prazo para a indústria automotiva nacional, o Rota 2030. Seu maior foco é tornar os carros brasileiros "exportáveis", ou seja, passíveis de vendas em diversos países, inclusive na União Europeia. E ele provavelmente também trará à tona a necessidade de um programa de renovação de frota no Brasil. Seria uma ótima forma de reaquecer a indústria por aqui. O maior argumento a favor de uma ação como essa é a redução de emissões, mas a verdade é que a segurança seria a maior beneficiada por algo do tipo. Não pela adição de equipamentos, como ABS e airbags dianteiros, obrigatórios desde 2014, mas pela melhoria na estrutura dos veículos. É o que mostra o vídeo acima, com um crash-test feito pela ANCAP, a versão australiana do Global NCAP (ou do Latin NCAP), entre dois Corolla hatchback, um de 1998 e um de 2015. Confira.
Notou como o modelo de 1998 foi destruído? Não é a primeira vez que um teste de impacto mostra a evolução dos automóveis. O mais conhecido até hoje foi o impacto entre um Chevrolet Malibu 2009 e um outro Chevrolet, um Bel Air, 40 anos mais antigo, de 1959. O teste foi feito pela IIHS (Insurance Institute for Highway Safety) para marcar seu aniversário de 50 anos. E o resultado é devastador para o veterano, como se pode ver abaixo.
Mas a ANCAP não se limitou à análise da estrutura dos veículos, testada pelo crash-test. Ela também trouxe dados da Austrália e da Nova Zelândia mostrando algo alarmante: a taxa de mortes em veículos mais antigos é absurdamente mais alta do que a que envolve veículos recentes. Veja o quadro abaixo:
Repare nas duas barras, a amarela e a preta. A primeira representa a proporção de veículos de cada ano que compunham a frota australiana em 2015. A segunda, a proporção de mortos para cada grupo "etário" de automóveis. A maioria dos carros registrados (mais de 30%) por lá é de modelos 2011 a 2016. Menos de 20% da frota é anterior a 2000. Mas, se você for contar os mortos, a proporção dos que estavam nos carros anteriores a 2000 é de quase 35%. Note também que a idade média da frota australiana é de 9,8 anos. A de modelos envolvidos em acidentes fatais é de 12,9 anos. Veja agora os números da Nova Zelândia:
Apesar de a frota por lá ser mais antiga, com quase 40% anteriores a 1999, também é notável a desproporção entre os anos dos modelos e o número de mortes em que eles estiveram envolvidos. Os de anos 2005 a 2009 formam pouco mais de 20% da frota, mas só causaram algo em torno de 11% das mortes. Em contrapartida, quase 60% das mortes aconteceram em modelos anteriores a 1999.
Não é por acaso que a maior quantidade de mortes se concentra em veículos anteriores a 2000. Nesta faixa estão todos os projetos que não seguem as normas de segurança da ONU (Organização das Nações Unidas), como as de impacto lateral ditadas pela UN 95. "Em nossa opinião, o nível de segurança exigido dos carros pelo governo do Brasil é baixo. Quando falamos em melhorar a segurança, não falamos em 5 estrelas. Falamos apenas de introduzir requisitos mínimos das Nações Unidas, que são obrigatórios na Europa desde 1996", diz Alejandro Furas, secretário-geral da Latin NCAP, ao Motor1.com.
Para atender às normas de segurança viária estabelecidas pela ONU, é preciso que o veículo tenha sido projetado para a tarefa. Uma série de países, incluindo o Brasil, não exigem o cumprimento destas normas e, se exigisse, não teria como certificar seu cumprimento pela falta de laboratórios em seus territórios capazes de fiscalizar os veículos de forma independente.
Isso cria situações inusitadas, como a de ter veículos 100% legais para rodar nas ruas brasileiras, mas que talvez não pudessem ser vendidos em países que implementassem as normas da ONU. Foi isso que mostrou o recente crash-test do Chevrolet Onix pelo Latin NCAP, em que o carro mais vendido do Brasil não conseguiu obter nenhuma das 5 estrelas possíveis.
Este caso poderia dar a impressão de que projetos brasileiros necessariamente descumprem as normas da ONU, mas o Ford EcoSport nos lembra de que não é bem assim. Desenvolvido no Brasil, ele obteve 5 das 5 estrelas possíveis no Latin NCAP em novembro de 2013. Provavelmente porque não nasceu apenas para nosso mercado, mas como um projeto mundial, que será vendido nos EUA em 2018. E com direito a impacto lateral, como o VW up! em janeiro de 2014.
"O procedimento era primeiro realizar o teste frontal. Se os pontos obtidos fossem suficientes para conseguir 5 estrelas, procedia-se ao choque lateral para então confirmar (ou não) a quinta estrela. Foi o que aconteceu no caso do up!. No do Onix, isso não aconteceu porque ele só conseguiu 3 estrelas no impacto frontal. Cabe destacar que o up!, em 2014, teria sido aprovado na norma UN 95 de impacto lateral. O Onix testado em 2017 não conseguiria", diz Furas.
Apesar de ser um projeto europeu, o up! foi profundamente modificado para o mercado latino americano, ficando mais espaçoso que o modelo original. Mesmo assim, ele manteve boa pontuação em segurança. Uma honrosa exceção: modelos fabricados no Brasil, ainda que com projetos internacionais, podem ser simplificados por uma questão de custos. O Peugeot 208, por exemplo, é um projeto europeu, mas teve suas barras de proteção lateral retiradas para a fabricação nacional. Mesmo assim, ele tirou 2 estrelas pelo Latin NCAP, prova de que seu projeto ainda conseguiu garantir alguma integridade nos testes.
Exportação para países ricos é quase uma garantia de qualidade. Vendido nos EUA e fabricado no México, o Chevrolet Sonic usa exatamente a mesma plataforma que o Onix, a GSV. O que não foi impedimento para um desempenho de primeira: ele tirou 5 estrelas no Euro NCAP e é considerado bom pelo IIHS, o instituto americano que avalia a segurança dos automóveis. Com uma previsão de vendas em volume maior do que apenas para o mercado interno, a questão de custos se dissolve e é possível ter produtos melhores a preços mais baixos.
Se o Rota 2030 quiser realmente transformar o Brasil em uma plataforma de exportação, terá de implementar mudanças significativas de legislação. "O que recomendamos como o mínimo para este programa é o uso das normas da ONU, com certificação das Nações Unidas. Deve-se considerar as de impacto frontal, lateral, traseiro (whiplash) para passageiros da frente e de trás, resistência estrutural em impacto traseiro, ESC obrigatório, AEB (frenagem autônoma de emergência), freios, de cadeirinhas infantis I-size e ABS em motos, entre outras. Por fim, que não se façam modificações "Mercosul" em nenhuma destas normas. Nem de seu controle", diz Furas.
A questão de segurança viária no Brasil é problema de saúde pública. São cerca de 40 mil mortes por ano. Entretanto, considerando a atual situação do governo, mais preocupado em salvar a própria pele do que a dos cidadãos que governa, esperar por mudanças pode ser tanto insuficiente quanto tardio. Ao trocar de carro, prefira os mais recentes. Com bom nível de equipamentos de segurança e principalmente, bem avaliados, seja no Latin NCAP, no IIHS ou no Euro NCAP. Em última instância, o poder de escolha é do consumidor. E ele é o mais efetivo que se pode ter.
Fotos e vídeos: divulgação
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