Já ouviu falar na teoria do cobertor curto? É isso mesmo: você puxa para cobrir a cabeça e acaba com os pés descobertos. Na engenharia automotiva, esta teoria se aplica perfeitamente em diversas situações. Se os engenheiros priorizam desempenho, geralmente o carro perde em consumo de combustível. Se priorizam estabilidade, perde-se em conforto. E assim por diante...
Pois agora imagine o desafio da engenharia da GM brasileira: atingir os níveis de consumo exigidos pelo Inovar-Auto sem trocar os motores 1.0 e 1.4 da linha Onix/Prisma. No caso do Prisma LTZ desta reportagem, estamos falando do conhecido motor 1.4 da Família 1, com bloco de ferro, comando simples e cabeçote de apenas duas válvulas por cilindro. Ou seja, trata-se de um "cobertor curto" se comparado, por exemplo, ao propulsor 1.6 do rival Hyundai HB20, que tem bloco de alumínio, comando duplo variável e cabeçote de quatro válvulas por cilindro.
A primeira providência, claro, foi mexer o que dava no motor. Trocaram pistões, bielas e anéis por outros mais leves, ao mesmo tempo em que o óleo lubrificante passou a ser de outra especificação (0W20) - atenção na hora da troca! Também o módulo eletrônico do propulsor foi trocado, sendo 40% mais rápido que o anterior. Além disso, a GM adotou novos sistemas de gerenciamento de energia elétrica e de arrefecimento. Tudo isso para reduzir o atrito de funcionamento do propulsor, o que incluiu ainda um ventilador do sistema de arrefecimento sem escovas.
Para os jogadores de Super Trunfo, nada muda: a potência segue de 106 cv e o torque de 13,9 kgfm nas mesmas 4.800 rpm de antes, com etanol. Só que o funcionamento do propulsor está bem mais "liso", com a subida de giro acontecendo de forma mais natural - chega a parecer em um 16V em alta. Para atuar em parceria com o motor retrabalhado, a GM escalou um câmbio manual de seis marchas, sendo a sexta overdrive para baixar o giro em velocidades de estrada. Em compensação, a relação de diferencial foi encurtada, dando ao Prisma maior fôlego nas retomadas. Na versão automática, que já tinha seis marchas, a transmissão recebeu nova programação.
Os engenheiros também mexeram na parte estrutural do carro, aplicando aços de alta resistência em maior quantidade nos painéis e reforços da carroceria. Segundo a GM, mais de 100 componentes foram refeitos, o que resultou numa perda de 33 kg. Já a suspensão foi rebaixada em 10 mm (para efeitos de coeficiente aerodinâmico, que baixou para 0,33), enquanto os freios ficaram mais eficientes e os pneus passaram a ser "verdes", de baixa resistência a rodagem.
No papel, a GM mostra ter esticado o cobertor o máximo que dava. E na prática? Bom, logo de cara o Prisma transmite a impressão de rodar mais solto, com menor resistência ao movimento. O câmbio de seis marchas mantém os engates leve e precisos do anterior, com a vantagem de ter as primeiras marchas mais curtas e a sexta longa. A 120 km/h em sexta, o motor trabalha suave a 3.000 rpm (cerca de 500 rpm a menos que antes). O resultado do nosso teste de consumo não deixa dúvidas sobre a evolução: 12,2 km/l na estrada, contra 11,6 km/l do antigo. Na cidade, a média passou dos 7,8 km/l para 8,7 km/l - sempre com etanol no tanque.
Se a melhora no consumo já era esperada, que tal então dar uma olhada no desempenho? Em uso urbano, já fica claro como o Prisma ganhou agilidade nas saídas e fôlego nas subidas. Na estrada, ficou mais fácil manter a velocidade de cruzeiro. O teste de pista confirma o pique extra: a aceleração de 0 a 100 km/h baixou de 12,4 segundos para 11,7 s, enquanto a retomada de 80 a 120 km/h melhorou de 12,8 s para 11,8 s - méritos também do novo câmbio, pois, à exceção da sexta, todas as outras marchas estão mais curtas devido ao diferencial encurtado.
Outro ponto que melhorou o prazer de dirigir do Prisma foi a troca da direção hidráulica pela assistência elétrica. Antes, o volante era um tanto pesado nas manobras em baixa velocidade, o que comprometia o conforto na cidade. Agora ficou na medida: leve com o carro parado, firme e comunicativa em velocidade - ficou melhor até que a do novo Cruze, demasiadamente assistida. Quem gosta de sentir o carro também vai apreciar a suspensão mais baixa, que reduziu a rolagem da carroceria nas curvas, colocando o Prisma entre as melhores dinâmicas do segmento - como faz curva! Também os novos freios mostraram bom resultado em nossas medições: vindo a 100 km/h, o espaço de parada foi reduzido em três metros (total de 40,7 m).
No caso da suspensão, no entanto, a teoria do cobertor curto cobrou seu preço: o Prisma está mais estável, mas perdeu conforto. Em pisos ondulados, os ocupantes passaram a sentir mais os impactos, especialmente no banco traseiro. O acerto não chegou a ficar duro, mas comparado ao modelo anterior está nitidamente mais firme. Curioso que a mudança, como dissemos antes, não teve nada a ver com dinâmica. Foi para reduzir o arrasto aerodinâmico e consequentemente o consumo. De quebra, o carro ficou mais bonito, por estar mais assentado ao solo. Combinou com as mudanças visuais, que lhe deram uma carinha de filhote do novo Cruze.
Por dentro, a GM corrigiu a posição do puxador das portas dianteiras, bem como adotou um revestimento mais bacana para os bancos - que mescla couro e tecido nesta versão LTZ. Faltou mexer na posição de dirigir. O banco do motorista segue muito elevado mesmo em sua posição mais baixa, enquanto o volante só regula em altura, mas não em profundidade. Também poderia ter havido melhoria no acabamento, que segue apenas razoável. Continuamos a encontrar alguns plásticos com rebarbas na cabine e, no porta-malas, não há forração completa da tampa.
Na parte de conectividade, só boas notícias: a elogiada central multimídia MyLink com tela de 7" agora é de segunda geração, com botões físicos para os comandos principais (ficou bem melhor de usar) e conexão Apple CarPlay e Android Auto para celulares. Além disso, o Prisma incorporou o sistema OnStar com monitoramento via satélite e serviço de concierge (cortesia por um ano). Uma das atrações do sistema é a função de rastreamento, que reduz o custo do seguro.
Todas essas mudanças, é claro, têm um preço. Um Prisma LTZ manual como o testado sai por R$ 60.090 - R$ 58.690 do preço básico mais os R$ 1.400 da pintura metálica (Vermelho Carmim). Em compensação, o sedã vem completinho: ar-condicionado, conjunto elétrico, MyLink 2 com câmera de ré, rodas de liga, faróis de neblina, sensor de estacionamento traseiro, computador de bordo e monitoramento da pressão dos pneus, entre outros itens, são todos de série. Ficam faltando mais itens de segurança, como airbags laterais e o controle de estabilidade (ESP), além de coisas mais simples como terceiro encosto de cabeça no banco traseiro e fixação Isofix para cadeirinhas.
Olhando para os principais rivais, percebemos que o Hyundai HB20S Comfort Style 1.6 (R$ 59.185) e o Ford Ka+ SEL Plus 1.5 (R$ 58.790) são tão caros quanto o GM - ou seja, ele está dentro da realidade do segmento. O Prisma não tem o motor forte do Hyundai ou o ESP do Ford, mas se o sedã da Chevrolet já era o líder de vendas quando tinha os pés descobertos, o que esperar agora que a GM esticou o cobertor?
Texto e fotos: Daniel MessederFicha técnica – Chevrolet Prisma LTZ 1.4Motor: dianteiro, transversal, quatro cilindros, 8 válvulas, 1.389 cm3, comando simples, flex; Potência: 98/106 cv a 6.000 rpm; Torque: 13,0/13,9 kgfm a 4.800 rpm; Transmissão: câmbio manual de seis marchas, tração dianteira; Direção: elétrica; Suspensão: independente McPherson na dianteira e eixo de torção na traseira; Freios: discos sólidos na dianteira e tambores na traseira, com ABS; Rodas: aro 15" com pneus 185/65 R15; Peso: 1.054 kg; Capacidades: porta-malas 500 litros, tanque 54 litros; Dimensões: comprimento 4.282 mm, largura 1.705 mm, altura 1.478 mm, entreeixos 2.528 mm; Preço: R$ 58.690 (agosto 2016)
Medições CARPLACEAceleração
0 a 60 km/h: 5,0 s
0 a 80 km/h: 8,0 s
0 a 100 km/h: 11,7 s
Retomada
40 a 100 km/h em 3a marcha: 10,3 s
80 a 120 km/h em 4a marcha: 11,8 s
Frenagem
100 km/h a 0: 40,7 m
80 km/h a 0: 25,4 m
60 km/h a 0: 14,3 m
Consumo
Ciclo cidade: 8,7 km/l
Ciclo estrada: 12,2 km/l
Galeria de fotos:
Galeria: Teste CARPLACE: Novo Prisma LTZ 1.4 desafia a teoria do cobertor curto