GM Brasil, 100 anos: jovem curte Chevrolet 1925 pelas ruas de Curitiba
A experiência de dirigir o primeiro modelo montado pela empresa no país
Quando Nicolas Molinari estaciona o seu Chevrolet ano 1925 nas ruas de Curitiba, todo mundo pergunta: “É um Fordinho?”. Daí o jovem médico, de apenas 26 anos, aponta para a gravatinha no colete do radiador e precisa explicar: “Não. É Chevrolet! Já existia naquela época…”
Fundada em 26 de janeiro de 1925, a General Motors do Brasil completa hoje seu centenário. E, acredite, ainda existem em circulação veículos remanescentes do primeiro ano de operações da empresa — um tempo em que a montagem era feita a partir de peças importadas dos EUA, em um galpão no bairro do Ipiranga, São Paulo.
O jovem Dr Nicolas e seu Chevrolet 1925
De acordo com dados da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), restam 20 exemplares de Chevrolet ano 1925 emplacados no Brasil. Essas informações, contudo, nem sempre são precisas, dada a "criatividade" na hora de registrar os carros. Outros podem ter sido transformados em hot rods ou serem frankensteins que já não têm nada do modelo original.
Daí que, nesta reportagem, levaremos em conta um registro de sobreviventes levantado pelo próprio Nicolas. Segundo essa lista, há 16 Chevrolet 1925 no país, sendo que pelo menos 12 deles estão com emplacamento vigente: seis na versão Touring (quatro portas, teto de lona), dois Roadsters (ou “baratas”, como se dizia por aqui) e quatro caminhões.
A paixão de Nicolas pelo Chevrolet nasceu dos passeios com o avô
De avô para o Neto
Desses poucos carros, o mais ativo provavelmente é o que pertence ao jovem doutor de Curitiba, que gosta de guiar seu centenário Chevrolet Superior, série K, com carroceria Touring por sua cidade:
“Nos finais de semana, rodo pra cima e pra baixo com o carro. Vou ao mercado, ao clube, almoço com meu avô…”
E é justamente o avô — dr. Augusto Molinari, também médico e hoje com 83 anos — quem tem uma participação fundamental nessa história. Foi ele quem adotou o Chevrolet, em 1975. Na época, o velho automóvel estava encostado nos fundos de uma casa de autopeças, após ter trabalhado por muitos anos como carro de serviço do estabelecimento.
“Sem ter o que fazer com um Chevrolet de 50 anos, a loja o sorteou entre os funcionários, numa festa de fim de ano. O ganhador também não quis o carro, que estava em péssimo estado, e o vendeu ao meu avô pelo valor de um tanque de gasolina cheio”, conta Nicolas.
Doutor Augusto fez a compra pois tinha a intenção de passear com os irmãos, que curtiam carros antigos (cada um tinha um Ford Modelo A). Só que achar peças para o Chevrolet não era tão fácil quanto encontrar componentes para os Fordinhos 29. Resultado: o Chevrolet acabou virando galinheiro na casa do pai do dr. Augusto (e bisavô de Nicolas).
Em 1995, dr. Augusto decidiu dar outra chance ao Chevrolet e iniciou uma restauração que só terminou em 2005.
“Eu tinha 6 anos quando o carro ficou pronto. Meu avô nunca ia ao encontros de antigos. Em vez disso, preferia dar uma voltinha pelo Centro comigo”.
Quando Nicolas foi estudar Medicina em Maringá, a 520 quilômetros de Curitiba, o avô desanimou e largou o Chevrolet. Ao voltar com o diploma para casa, o neto passou a fazer plantões para bancar os consertos do carro. Um dia, enfim, assumiu de vez o automóvel.
Dos dois exemplares de Chevrolet 1925 que existem em Curitiba, só o de Nicolas circula regularmente.
“Carro antigo é pra usar. Do contrário, é como ter na sala um Rembrandt que só a diarista vai ver. Gosto de mostrar ao dono de Onix que o carro dele vem de uma longa história”, resume o jovem, que hoje é também doutor em Chevrolet dos anos 20.
O Chevrolet 1925 que guiamos, atualizado com os para-choques de 1926
Impressões ao dirigir
Já que carro antigo é pra andar, fizemos um test drive com outro Chevrolet Superior de 1925, pertencente a um colecionador de São Paulo. O exemplar é quase idêntico ao de Nicolas, até na pintura bege com para-lamas marrons.
As diferenças são apenas algumas “atualizações de época”: em 1925, os Chevrolet com carroceria aberta não traziam maçanetas externas das portas, nem para-choques — itens que só foram incorporados em 1926. Outra: as rodas com discos de aço (mais práticas e confiáveis que as de madeira) passaram a vir em 1927, como opcionais.
Logo ao entrar, vem a impressão de que os motoristas de antanho precisavam ser mais esbeltos: o vão para passar entre a porta e o volante tem apenas um palmo. Já o banco traseiro é vastíssimo para um carro pequeno (pelos padrões da época) e os passageiros podem esticar-se à vontade sobre as forrações de couro.
Chevrolet 1925 do Nicolas - o posto de comando
Os tempos eram outros e o carro não tem chave de ignição. Basta virar um seletor no painel — o mesmo que acende os faróis e as lanternas. Antes de pôr a máquina em funcionamento, deve-se empurrar para cima dois pequenos bigodes que ladeiam o volante. Assim, ajusta-se para a partida o acelerador manual e o avanço do ponto.
Com o motor frio, puxa-se o afogador. Depois é pisar no botão que aciona o motor de arranque. Rapidamente, a máquina acorda e o motorista precisa fazer novos ajustes para arredondar o funcionamento.
Motor de quatro cilindros com varetas de válvulas expostas
Lubrificação a feltro
Em 1925, todo Chevrolet tinha quatro cilindros. Suas válvulas, no cabeçote, são acionadas por varetas que ficam expostas na lateral do bloco. Não há lubrificação forçada para o topo do motor: sobre os balancins, há dois pedaços de feltro que devem ser embebidos com óleo a cada cem quilômetros…
O tanque fica na extremidade traseira do carro. Para puxar a gasolina até o carburador há o “autovac”, um grande cilindro metálico que se enche de combustível graças ao vácuo do coletor de admissão.
A primeira marcha da caixa não-sincronizada entra bem, mas na tentativa de engrenar a segunda ouve-se uma sonora arranhada, que ruboriza de vergonha o repórter que vos escreve. É preciso manha para lidar com a alavanca de câmbio um pouco frouxa, além é claro de relembrar a técnica dupla-debreagem. A terceira e última marcha entra fácil.
Velocidade de cruzeiro de 60 kmh e suspensão macia
Lá vamos nós, pela estrada afora, deslanchando sobre um asfalto muito melhor do que se poderia sonhar em 1925. Com eixos rígidos na frente e atrás, e suspensão com uma mola semi-elíptica por roda, o carro anda muito mais macio do que imaginávamos. Podemos até ignorar os quebra-molas, essa triste invenção moderna: aliviamos um pouco o pé e vamos em terceira mesmo.
Vovô mostra que ainda é bom de ladeira. Nas subidas, o motor de 2,8 litros prova que tem um bocado de torque e não exige redução de marcha. No plano, convivemos com as limitações dos 26 cavalos de potência. Na estrada, o ideal é manter velocidade de cruzeiro de 60 km/h para chegar ao destino. Isso era mais do que suficiente em 1925.
Apesar de as rodas desmontáveis de aço (tipo disco) calçarem estreitos pneus 4.50x21, o volante é pesadíssimo. Dirigir exigia esforço — mas uma propaganda da época afirmava: “Uma moça ou mesmo uma menina pode guiar um Chevrolet”.
1926 - Uma moça ou mesmo uma menina pode guiar um Chevrolet
Nos anos 20, aliás, os reclames da marca quase sempre traziam uma mulher ao volante, enfatizando a “condução fácil”, a “suavidade na carreira”, as “mudanças leves” e a “direção segura e sem esforço algum”. Um deles dizia: “Será um prazer guiar por horas sem conta, com sossego e conforto”.
Os freios são um dos poucos detalhes alterados no carro que dirigimos: originalmente “a varão” e só nas rodas traseiras, agora têm circuito hidráulico, para tornar mais seguros os passeios com a família.
Um dos sobreviventes da produção de 1925 no Brasil é esse caminhão do museu Carde
Chevrolet x Ford
O nome Chevrolet Superior série K Touring soa pomposo para um carrinho de aparência tão simples, mas se justifica. Fabricado pela Chevrolet entre 1923 e 1926, o modelo foi batizado assim para sugerir que era superior ao rival Ford T. A cada ano, a GM lançava uma série (B, em 1923; F, em 1924; K, em 1925 e, finalmente, V, em 1926), sempre com alguma pequena melhoria mecânica ou equipamento extra. Em 1927, o modelo foi substituído pelo Capitol, vulgo “Pavão”.
Comparado ao Ford Modelo T, o Chevrolet Superior realmente era sofisticado: tinha três marchas (contra duas do rival) e uma caixa de direção convencional (em vez do impreciso acionamento direto do Ford). O GM já trazia também o padrão de comandos que conhecemos até hoje, com alavanca de câmbio e três pedais: embreagem, freio e acelerador, da esquerda para a direita.
Com suas quatro molas semi-elípticas (de quatro lâminas cada), o Chevrolet era muito mais macio e confortável de guiar que o Ford (que tinha apenas uma mola transversal em cada eixo, com duas lâminas cada).
Em compensação, o Ford tinha um motor mais confiável e resistente, além das carrocerias inteiramente em aço vanádio, enquanto a Fisher Body, fornecedora da General Motors, ainda empregava madeira para produzir as estruturas — era um prato cheio para os cupins. Daí que hoje ainda vemos tantos Fordinhos dos anos 20 nos encontros de antigos e quase nenhum Chevrolet da mesma época.
No caminho de volta para casa, em um carro atual, agradecemos a dádiva de — cem anos depois — podermos manter facilmente de 110 km/h na estrada na maior tranquilidade, com direção precisa, câmbio automático, freios eficientes, estabilidade nas curvas, ar-condicionado gelando e ouvindo música baixinha…
Só falta o espírito simples e divertido do Chevrolet 1925.
Galeria: Ao volante do Chevrolet 1925
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