Crédito pode salvar mercado de automóveis em 2025
Emprego em alta e inadimplência em queda sustentam concessões de financiamentos, apesar da subida dos juros
Apesar do bom resultado do mercado de veículos em 2024, este ano começou em clima de ressaca, como se abusos fossem cobrar seu preço com elevação da inflação e aplicação de remédio amargo anticonsumo, na forma de alta dos juros e consequente arrefecimento forçado do crescimento da economia.
Ainda assim o cenário não parece tão ruim quanto sugere a culpa que o Banco Central promete impingir aos brasileiros pelo pecado de ter emprego e consumir o que não estavam consumindo. A punição vem com taxa Selic já contratada pelo mercado financeiro para chegar a 14,25% até março ou abril.
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Claro que o aumento da Selic encarece o custo do crédito e reduz o apetite de quem pensava em financiar um carro. Mas há outros fatores que podem compensar esta alta, que são mais positivos do que em anos recentes: a taxa de desemprego nunca esteve tão baixa, deve fechar 2025 na faixa dos 6% – o que significa pleno emprego e mais renda disponível –, ao mesmo tempo em que a inadimplência dos financiamentos para compra de automóveis também está em patamar historicamente baixo, teve redução vistosa de 1 ponto porcentual nos doze meses terminados em novembro passado, descendo de já bem comportados 5,4% para 4,4% ao longo do ano passado.
Emprego traz confiança ao consumidor para tomar crédito e comprar bens, enquanto a baixa inadimplência fornece mais confiança aos bancos para aprovar os financiamentos.
Além desta condição favorável de mercado, outro fator adicional que reduz a aversão ao risco das financeiras e pode reduzir os juros é o Marco das Garantias, aprovado há cerca de um ano, que facilita e agiliza a retomada de bens em caso de não pagamento das parcelas sem necessidade de autorização judicial.
A regulamentação melhora a qualidade da garantia do financiamento – no caso, o carro – e ajudou a empurrar para cima significativamente as concessões de crédito para compra de veículos em 2024, mas ainda não fez todo seu efeito potencial, que deve ser carregado ao longo de 2025, segundo calculam a Fenabrave, que representa os concessionários, e a Anfavea, que reúne os fabricantes instalados no País.
Mais potencial de crédito disponível
Esta combinação de fatores elevou o apetite de consumidores e bancos, levando a um recorde de concessões de financiamentos de automóveis em 2024, que em volume de unidades vendidas cresceu mais de 30% sobre 2023, uma expansão do crédito que há muito tempo não se via, segundo dados da B3, que guarda o registro de gravames no País.
Em valores, de acordo com acompanhamento do Banco Central, as novas concessões de financiamentos para compra de veículos somaram R$ 192,2 bilhões de janeiro a novembro, valor que cresceu 24,4% na comparação com os mesmos onze meses de 2023.
Apesar de todo este avanço as vendas a prazo de automóveis e comerciais leves ainda estão em patamares historicamente baixos. Em dezembro, ainda conforme dados da B3, apenas 102 mil veículos leves foram financiados, ou 41% do total de 243,7 mil emplacamentos do mês.
Antes da pandemia, em condições normais de temperatura e pressão, a participação dos financiamentos variava de 60% a 70% das vendas de veículos.
Os fatores que levaram ao quadro de mais vendas à vista do que a prazo, com preços dos carros e juros nas alturas, estão, aos poucos, sendo contidos: com a demanda retraída os fabricantes começaram a fazer mais promoções, concedendo descontos e juros mais baixos ofertados por suas próprias financeiras, fazendo as prestações caberem em mais bolsos – que ao fim e ao cabo é o que importa à maioria dos consumidores.
Juro ao consumidor pode subir menos
O principal entrave, portanto, é o custo dos financiamentos, que continua alto e deve subir nos próximos meses – segundo o BC a taxa média era de 26,4% ao ano em novembro, em crescimento de quase 1 ponto porcentual no ano e com spread alto de 15,1 pontos antes da paulada na Selic, de 11,25% para 12,25%, em dezembro.
Contudo, o juro para compra de automóveis zero-quilômetro, oferecido principalmente pelas instituições financeiras dos fabricantes, é bem mais baixo, em torno de 5 a até 10 pontos porcentuais abaixo da média apurada pelo BC, a depender da região e das promoções.
Ou seja, mesmo no cenário prospectivo de alta continuada do juro expressado na taxa Selic do BC, ainda há espaço para a redução do spread, a diferença da Selic para o juro cobrado dos financiamentos ao consumidor, que fica pressionado a subir menos ou até baixar quando a inadimplência é reduzida e a demanda por veículos se retrai.
Desaceleração sim, queda não
Com esses fatores em mente a economista Tereza Fernandez, que assessora a Fenabrave, avalia que a expansão do crédito deve desacelerar em 2025 por causa da alta dos juros, mas “não deve ser queda, é desaceleração, ainda ficará no campo positivo”.
Ela projeta crescimento geral de 5%, mas que pode variar de 12% a 14% no caso dos financiamentos de veículos para pessoas físicas, porque a inadimplência está baixa, o Marco das Garantias está sendo cada vez mais usado pelos bancos e o consumidor quer comprar.
Mesmo depois de todo o mau agouro do mercado financeiro no fim de 2024, que ignorou todas os bons resultados do ano para focar nos ruins em atendimento a interesses próprios, as vendas seguiram aquecidas em janeiro, um mês tradicionalmente de desempenho mais fraco.
Segundo dados da consultoria Bright, na primeira quinzena foram emplacados 68,8 mil automóveis e comerciais leves em dez dias úteis, um pequeno crescimento, de pouco menos de 2%, sobre o mesmo período de 2024, mas 64% das vendas foram sustentadas pelo varejo das concessionárias, um indicativo de que pessoas físicas compraram mais do que empresas. Ou seja: há demanda.
Como o que vende carros no Brasil sempre foi a combinação de emprego e crédito disponível, ainda é possível que os financiamentos ajudem a salvar o ano e manter as vendas de veículos em crescimento, ainda que em ritmo menor do verificado no ano passado. Até porque existe demanda reprimida e capacidade de produção de sobra para atendê-la. Basta os fabricantes segurarem a mão nos reajustes e os bancos continuarem a financiar que o carro anda.
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* Pedro Kutney é jornalista especializado em economia, finanças e indústria automotiva. É autor da coluna Observatório Automotivo, especializada na cobertura do setor automotivo, e editor da revista AutoData. Ao longo de mais de 35 anos de profissão, foi editor do portal Automotive Business, editor da revista Automotive News Brasil e da Agência AutoData. Foi editor assistente de finanças no jornal Valor Econômico, repórter e redator das revistas Automóvel & Requinte, Quatro Rodas e Náutica.
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