As motos foram inventadas quase ao mesmo tempo que os automóveis. Em 1885, enquanto Karl Benz construía seu primeiro carro (o Patent-Motorwagen) na cidade alemã de Mannheim, os inventores Gottlieb Daimler e Wilhelm Maybach já tinham aprontado em Bad Cannstatt, a apenas 140 km dali, a Daimler Reitwagen — primeira motocicleta do mundo equipada com motor a gasolina. Esse desengonçado protótipo com quadro de madeira, contudo, nunca chegou à produção em série. Daimler e Maybach preferiram concentrar seus esforços em veículos de quatro rodas.
Um pequeno salto no tempo e chegamos a 1892, em outra cidade alemã: Munique. Depois de tentar fabricar uma bicicleta a vapor, Heinrich Hildebrand, um engenheiro mecânico apaixonado por ciclismo, contratou o projetista Alois Wolfmüller para desenhar uma motocicleta movida a gasolina. Também participou dos trabalhos o engenheiro Hans Geisenhof.
Hildebrand & Wolfmüller (Foto - Bonhams)
Depois de muitas tentativas e erros, eles conseguiram patentear, em 1894, “o veículo de duas rodas movido a petróleo denominado motocicleta”. Pela primeira vez, a palavra “motorrad” (motocicleta, em alemão) era utilizada. No mesmo ano, a Hildebrand & Wolfmüller entrou em produção, tornando-se assim a primeira moto fabricada em série no mundo.
No distante Rio de Janeiro, o jornal “O Paiz” descreveu a novidade em sua edição de 20 de janeiro de 1895:
“Na Baviera, os srs. Wolfmüller e Hildebrand fabricaram máquinas automotoras não lhes dando peso superior a 40 quilos. Externamente, o biciclo tem a forma das máquinas comuns. Na frente da roda há uma espécie de caixa, que encerra o mecanismo motor e o depósito de combustível. O motor compõe-se de uma pequena máquina a gasolina de dois cilindros, que atuam diretamente sobre os pedais. Em cada cilindro e sobre cada um dos pistões produz-se a explosão do ar com a gasolina. O motor não exige abastecimento de combustível no caminho, podendo a bicyclete percorrer 200 quilômetros com uma velocidade média de 30 quilômetros ou, forçando, de 50 quilômetros.”
Notícia sobre a invenção da moto Hildebrand & Wolfmüller é publicada no Brasil (1895)
E, assim, os brasileiros tomaram conhecimento da invenção das motocicletas.
O motor da Hildebrand & Wolfmüller era um quatro tempos de dois cilindros em linha, que ia deitado na parte inferior do quadro. Com refrigeração líquida (o reservatório de água ia no para-lama traseiro), tinha 1.490 cm³ de cilindrada, lubrificação por gotejamento (o óleo era armazenado dentro de um dos tubos do quadro) e taxa de compressão de apenas 3:1. Rendia a potência de 2,5 cv à estonteante rotação máxima de 240 rpm!
O tanque de combustível levava 6,5 litros de gasolina. A ignição era por tubos incandescentes, em vez de velas. No lugar onde as motos atuais têm o farol, havia a saída do escape e uma tomada de ar para o tubo de ignição — ambas cobertas por uma placa redonda com a imagem de um santinho.
A roda dianteira, de 26”, era raiada, enquanto a traseira, de 22”, era o próprio conjunto de virabrequim/volante do motor, recoberto por um pneu! As cabeças das duas longas bielas iam conectadas diretamente ao cubo da roda, como em uma locomotiva a vapor… Com esse acionamento direto, não havia câmbio, coroa, corrente nem pinhão. Largos elásticos de borracha ajudavam a fazer o movimento de retorno do pistão ao ponto morto superior, nos tempos de compressão e exaustão.
Hildebrand & Wolfmüller - Correias elásticas ajudavam os pistões a voltar ao ponto morto superior (Foto - Bonhams)
Esses elásticos também ajudavam o piloto a dar partida na motocicleta, que, por não possuir pedal de kick, nem pedais convencionais de bicicleta, precisava de um bom empurrão para começar a andar. O piloto tomava embalo e, assim que ouvia a primeira explosão, pulava sobre o selim. A cada parada era preciso apagar o motor (não havia embreagem nem ponto morto, lembre-se…).
Para a alimentação, usava-se um “carburador de superfície”: não havia injetor de gasolina e nem um venturi para fazer a mescla ar-combustível — em vez disso, existia um sistema de tubos, dentro do próprio tanque, que fazia com que o motor aspirasse uma mistura de ar com vapor de gasolina (usava-se até o calor dos gases de escape para forçar essa evaporação). Duas válvulas rotativas, acionadas manualmente, permitiam ajustar a mistura e a aceleração ou, simplesmente, cortar o motor.
Hildebrand & Wolfmüller - Um sistema de tubos dentro do tanque fazia o papel de carburador (Foto - Bonhams)
Acionado por varão, o freio dianteiro era uma sapata de madeira que fazia direto contra o pneu. A roda traseira não tinha freio — mas havia um surpreendente dispositivo para paradas de emergência: uma espécie de gancho que, empurrado pelos pés do piloto, atritava diretamente no solo. Suspensão? Esqueça… Para aliviar o sofrimento do piloto, havia apenas uma grande mola sob o banco. A moto pesava 85 quilos — mais que o dobro do que foi informado pelo jornal brasileiro.
PRIMEIRA MOTO EM UMA CORRIDA
Não se sabe exatamente quantas Hildebrand & Wolfmüller foram produzidas. Em um depoimento dado em 1929, o construtor Alois Wolfmüller estimava algo entre 350 e 400 exemplares — mas a companhia concedeu licença de produção da motocicleta pioneira a outras fábricas na Europa, daí que o número total pode chegar a 2 mil motos. Na França, onde era feito pela Duncan-Suberbie & Cie, o modelo foi rebatizado de Pétrolette.
As Hildebrand & Wolfmüller foram as primeiras motos a chegar a países como Japão, Austrália e Indonésia. Outra primazia é ser a primeira motocicleta a participar de corridas. Em 18 de maio de 1895, uma moto dessa marca disputou a prova Turim-Asti-Turim (95 quilômetros), na Itália, competindo com automóveis a gasolina e a vapor. Pilotada por Alois Wolfmüller, um de seus construtores, chegou em terceiro lugar entre cinco inscritos. Nessa época, o versátil Wolfmüller também estava inventando um planador com conceitos e sistemas de controle usados até hoje.
Em 11 de junho de 1895, menos de um mês após a prova na Itália, uma Pétrolette foi a única moto a terminar a lendária Paris-Bordeaux-Paris, considerada a primeira grande corrida automobilística da história (1.178 km). Pilotada por Georges Osmont, ganhou na categoria duas rodas — mesmo tendo abandonado a prova no meio do circuito.
A Hildebrand & Wolfmüller em corte
SUPERADAS RAPIDAMENTE
Em um anúncio de 1895, lê-se o preço da Hildebrand & Wolfmüller: 1.200 marcos (Mk). Como referência, um carro Benz Victoria Vis-à-Vis custava 4.000 marcos na época. De qualquer forma, a primeira moto era obviamente, um brinquedo de luxo para a elite.
Com sua transmissão direta, a H&M tinha reações bruscas e precisava ter o motor apagado a cada parada. Seu funcionamento era tão errático e precário que a Duncan-Suberbie foi condenada pela justiça francesa a reembolsar um cliente. Em pouco anos, a primeira moto fabricada em série no mundo foi superada tecnologicamente pelos triciclos De Dion-Bouton, que tinham motor de alta rotação (1.500 rpm!) e eram bem mais práticos e simples de operar. Outra máquina da época era a Motocyclette Werner, com tração dianteira.
Em 1897, a pioneira fábrica alemã fechou as portas. A dupla Hildebrand e Wolfmüller ainda tentou produzir outra moto, monocilíndrica, com transmissão por cardã e embreagem, mas já era tarde demais: o novo modelo nunca entrou em produção. Foi o fim melancólico da mãe de todas as motos.
Passados 130 anos, ainda existem algumas Hildebrand & Wolfmüller em pleno funcionamento, em museus ou nas mãos de colecionadores (https://youtu.be/RlW7hPnLdvM?si=o0YP0QJTbyjAhluB). Tão ruim assim não devia ser.
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