Quem o vê assim, lembra logo do saudoso Bandeirante. E mais: o novo modelo pode ser personalizado com opções de grades dianteiras que o deixam ainda mais parecido com o clássico 4x4 da Toyota. Estamos diante do iCar V23, jipinho chinês que desperta desejos em quem curte uma onda retrô-futurista. Seu projeto é resultado de uma parceria entre os grupos Chery Automobile e Xiaomi Technology e, mesmo cheio de modernidades, traz referências dos anos 1960 - como veremos mais adiante.
Antes de mais nada, uma explicação: na China, o grupo Chery tem dez submarcas - uma dessas divisões é a iCar, focada em veículos elétricos. Segundo o fabricante, esse “i” vem de “inteligência, internet, inovação, inspiração e informação”. Apesar do nome em comum, o pequeno Caoa Chery iCar vendido no Brasil não faz parte da linha iCar chinesa (lá, o carrinho é chamado simplesmente de Chery eQ1).
iCar V23 - Modelo é uma interpretação moderna do BJ212 - e há outras inspirações
Por enquanto, o único modelo da iCar produzido em série é o SUV 03, que começou a ser entregue em fevereiro passado. Em abril, no Salão de Pequim, pudemos conhecer de perto o todo-terreno V23 - cuja pré-venda começará no segundo semestre. Também estava no estande o X25, protótipo de monovolume off-road que parece saído de um filme de ficção científica. A iCar já mostrou ainda o conceito esportivo GT, e está projetando um esguio sedã, o TI 01.
iCAR V23 - Lateral tem muito do New Defender
Vamos nos concentrar no V23. O jipe foi desenvolvido pela Chery em conjunto com a Zhimi Technology, que produz aparelhos de ar-condicionado, aquecedores, ventiladores, umidificadores e filtros de ar. Por meio dessa subsidiária (também conhecida como Smartmi), o grupo Xiaomi vem se embrenhando um pouco mais no mundo dos carros elétricos. A ideia é que a colaboração da Chery com a Zhimi renda oito modelos nos próximos três anos.
Em sua estreia, o V23 terá duas versões: 4x2 (com um motor traseiro) ou 4x4 (um motor em cada eixo). Suas baterias são fornecidas pela CATL e a promessa é de que o novo iCar terá de 400 a 500 km de autonomia. Potência e capacidade ainda não foram informados.
iCar V23 - mochila no lugar de estepe e grande ponto cego
Em tamanho, o iCar V23 fica no meio do caminho entre as versões curta e longa do Bandeirante: são 4,22 metros de comprimento, com 2,73 m de entre eixos. Em vão livre, tem os mesmos 21 centímetros, mas ganha do velho Toyota tanto em ângulo de entrada (43º) quanto no de saída (41º).
O painel lembra um pouco o do Defender, só que mais moderno e com telas maiores. As formas externas também trazem muitas retas unidas por cantos arredondados. As lanternas traseiras lembram as do Mercedes Classe G, enquanto a tampa da mala tem um grande ressalto quadrado no lugar do estepe externo, como se fosse uma mochila - é um porta trecos cujo acesso se dá por dentro do carro.
iCAR V23 - o interior também lembra o do New Defender
Como no Toyota FJ Cruiser (2006-2022) e no New Defender, as colunas traseiras são bem largas, sugerindo robustez, mas criando enormes pontos cegos. Nesse aspecto, o velho Toyota Bandeirante ainda é melhor que o jipinho elétrico da iCar!
Enquanto as laterais têm muito do novo Defender, a frente do iCar V23 parece totalmente inspirada na dos Toyota Land Cruiser FJ dos anos 50 e 60 (que, no Brasil, se tornaram o Bandeirante). Essa história, porém, é muito mais longa e complexa, como tudo na China…
Mao Tsé-Tung acena de um BJ212 nos anos 60
A “homenagem”, no caso do iCar V23, foi a um ícone do fora-de-estrada chinês: o Beijing BJ212, que está completando 60 anos de produção ininterrupta. Esse jipe - que já transportou Mao Tsé-Tung - vem passando incólume por todas as transformações do país nas últimas décadas. Produzido até hoje pela Beijing Automobile Works (BAW), é um símbolo da indústria automobilística local tão marcante quanto o VW Santana e as limusines HongQi. Segundo o fabricante, aproximadamente 2,4 milhões de unidades do BJ212 e suas variações já foram feitas ao longo desses 60 anos.
Até o início da década de 1960, as tentativas de fabricar jipes na China resultavam em cópias mais ou menos aproximadas do Jeep Willys, sempre com produção muito limitada. O Exército de Libertação Popular, principal força militar do país, continuava a usar viaturas soviéticas GAZ-69, apesar das crescentes tensões na relação de Pequim com Moscou.
BAW BJ212 - Modelo nasceu para uso militar
Os chineses precisavam ter seu próprio jipe. A Beijing deu um primeiro passo em 1961, com o BJ210. Seu motor era semelhante ao do sedã soviético GAZ M21 Volga. A carroceria de pequenas dimensões, contudo, ainda tinha muito do Jeep Willys - e os militares chineses queriam um 4x4 maior, com portas de metal em vez de lona. A produção do BJ210 foi transferida para outra fábrica (a Tianjin Auto Works) e a Beijing pôde se concentrar em seu novo projeto: o BJ212.
A frente do BJ212 era uma evolução da usada no BJ210, lembrando muito os Toyota Land Cruiser da época. As setas retangulares estreitinhas, embutidas nos para-lamas dianteiros, também vinham do BJ210 (são usadas até hoje no 212 e foram copiadas no iCar V23!). A linha de cintura era bem pronunciada, como nos Land Rover Série II. O novo jipe da Beijing, contudo, era muito mais do que uma simples colcha de retalhos e antecipou o desenho do soviético UAZ-469 (que viria a ser lançado em 1971).
BAW BJ212 - eixos rígidos na dianteira e na traseira
BJ212A - a versão picape
BAW BJ212 - versão soft top
O BJ212 era um todo-terreno simples e robusto com duas ou quatro portas, capota de lona, parrudíssimos eixos rígidos sobre feixes de molas, tração 4x4 e motor 2,4 litros a gasolina com 75 cv. Com o tempo, vieram centenas de configurações diferentes, em versões com capota rígida removível, picape, com entre-eixos normal ou alongado, tanto para uso militar quanto civil. O jipe também usou uma enorme variedade de motores a gasolina ou a diesel, teve diversos nomes (como BJ2020) e foi feito por outros fabricantes, em paralelo à Beijing/BAW.
Em 2023, numa volta às origens, o modelo voltou a se chamar BJ212. Mais do que isso, “212” agora é uma submarca da BAW, com direito a logotipo próprio. A versão atualmente em linha é chamada de Ju ji shou (sniper, atirador). A companhia anuncia o jipão como um “retrô hardcore” corajoso e destemido.
O atual BJ212 mistura frente de Bandeirante e lateral de Defender
Para enquadrar-se nas normas de emissões chinesas cada vez mais estritas, o BJ212 hoje é equipado com um motor Mitsubishi Mivec 4K22, de quatro cilindros a gasolina, 2.4 turbo, de 210 cv e 32,6 kgfm. A transmissão é bem tradicional, com câmbio manual de seis marchas e caixas de transferência e de redução acionadas por alavanca. Um chassi tipo escada com eixos rígidos na frente e atrás completa a receita ortodoxa. Na dianteira há molas helicoidais; na traseira, semielípticas.
Com 4,35 m de comprimento e 2,62 m de entre eixos, esse todo-terreno chinês tem dimensões ligeiramente inferiores às do velho Bandeirante chassi longo. Sua carroceria é parruda como sempre e o interior é forrado com plástico rústico, sem qualquer pretensão estética, qual um Defender dos anos 90. Rádio, ar-condicionado e tomadas USB são as únicas concessões ao conforto.
Hoje 212 é uma submarca da BAW
Em resumo: o 212 é um 4x4 0km puro e sem frescuras, do jeito que os órfãos dos antigos Defender e Bandeirante sempre sonharam - e, na China é vendido por preços abaixo dos 100 mil yuan (R$ 70 mil)!
Ficamos assim: o BJ212 a gasolina é o jipe raiz, para trilha pesada e longas distâncias, enquanto o elétrico iCar V23 é seu netinho Nutella, um brinquedo para jovens clientes. Que os dois convivam em paz no mercado chinês.
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