Em um planeta que precisa urgentemente reduzir emissões de gases de efeito estufa, os diferentes discursos em favor da descarbonizarão definitivamente não combinam com a realidade.
Na prática, enquanto adotam políticas tópicas de incentivo a veículos elétricos e desenvolvimento de fontes limpas de energia, as maiorias economias do planeta estão concedendo subsídios e incentivos trilionários aos combustíveis fósseis, ao mesmo tempo em que as principais petroleiras globais registram lucros recordes.
Segundo estudo apresentado há duas semanas pelo IISD, Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável, feito em parceria com instituições de diversos países – no Brasil o Inesc, Instituto de Estudos Socioeconômicos –, os países do G20 gastaram, em 2022, a escandalosa soma de US$ 1,4 trilhão para subsidiar e financiar investimentos estatais no setor de combustíveis fósseis.
É a maior cifra já registrada na história gasta para produzir derivados de petróleo e baratear os preços de gasolina e diesel aos consumidores destes países – onde se inclui o Brasil. O total inclui US$ 1 trilhão em subsídios a combustíveis fósseis, US$ 322 bilhões em investimentos de empresas estatais do setor e US$ 50 bilhões em empréstimos de instituições financeiras públicas. Os valores são mais do que o dobro dos níveis pré-covid e pré-crise energética de 2019, aponta o estudo.
No Brasil, apesar da alternativa do etanol amplamente disponível há quatro décadas, não há incentivos diretos ao uso do biocombustível e, para piorar, nos últimos anos a gasolina foi subsidiada com isenções fiscais de PIS/Cofins e redução forçada de ICMS dos estados, para segurar os preços dos combustíveis.
Ironicamente os maiores gastos da história para garantir o consumo confortável de combustíveis fósseis ocorrem na mesma época em que os efeitos das emissões de CO2 não compensáveis e o aquecimento global dão as caras de forma cada vez mais clara – e temerária –, com incêndios devastadores e calor desértico no Verão do Hemisfério Norte.
Como alerta o IISD, reduzir artificialmente os preços da gasolina ou do diesel não só incentiva seu uso, o que por si só intensifica a crise climática com ondas de calor intenso, incêndios florestais, chuvas torrenciais e furacões, mas também desestimula a busca de soluções para o problema, especialmente o desenvolvimento de fontes energéticas mais limpas.
Não por acaso o documento do IISD foi nomeado “Fanning the Flames: G20”, ou “Atiçando as Chamas: G20”, pois foi divulgado dias antes da Cúpula de Líderes do G20, que começa esta semana em Nova Delhi, na Índia, com o tema desenvolvimento sustentável na boca de todos e na prática de poucos do bloco econômico.
Em 2009 os líderes do G20 concordaram em reduzir e eliminar gradualmente os subsídios a combustíveis fósseis “no médio prazo”. Uma década depois, concordaram em acelerar estes esforços, mas sem definir ações práticas ou prazos. Ou seja, ao que parece, em vez de melhorar o cenário piorou, pois não houve avanços, só retrocessos. E o tema dos subsídios sequer está na agenda do encontro deste ano.
Como efeito dessa política que destoa do desenvolvimento sustentável, as maiores petroleiras do mundo nunca lucraram tanto. A estadunidense Exxon, a maior delas, apurou lucro recorde de US$ 55,7 bilhões em 2022, um salto de 68,8% sobre 2021. A Chevron, segunda no ranking global, também registrou no ano passado o seu maior lucro da história, US$ 35,5 bilhões, 127% a mais do que um ano antes.
Pior do que os lucros movidos a aquecimento global é a atitude dos acionistas de ambas as petroleiras, que avaliam ser melhor o lucro presente na mão do que a sustentabilidade futura voando. Nas reuniões anuais das duas companhias, realizadas em junho passado, foram vetadas todas as doze propostas da Exxon para mitigação de seus efeitos climáticos; o mesmo aconteceu na Chevron com a rejeição de metas para redução de emissões.
A Petrobras, que também surfou na onda da alta do petróleo com recordes de extração e lucro de R$ 188,3 bilhões em 2022, alta de 77% sobre 2021, ao menos aprovou, em junho passado, o aumento do teto de investimentos em projetos de baixo carbono, de 6% para 15% dos aportes em capital fixo, que serão direcionados ao desenvolvimento de energias renováveis e descarbonização das operações.
A sugestão do IISD é que, em vez de subsídios, os governos passem a taxar as emissões em US$ 25 a US$ 50 por tonelada de CO2 emitida na atmosfera, o que renderia arrecadação estimada de até US$ 1 trilhão por ano, recursos suficientes para bancar a construção de usinas eólicas e solares, por exemplo, ou mesmo expandir a produção de biocombustíveis e minérios essenciais aos carros elétricos.
Ao que parece, no entanto, nada disso acontecerá, o interesse político em se adotar rotas de desenvolvimento sustentável começa em discursos ocos e termina na primeira divulgação de lucros recordes. O negócio é emitir CO2 como se não houvesse amanhã, até porque, como dizia o economista britânico John Maynard Keynes, “a longo prazo estaremos todos mortos”.
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