Depois dos seguidos reajustes que elevaram os preços dos carros novos à estratosfera, especialmente nos últimos dois anos quando o valor médio de compra em lista aumentou mais que o dobro da inflação do período, a variação de valores tende a se acalmar este ano com a esperada retração dos consumidores. Mas a trégua promete ser breve.
Existem já colocadas no horizonte legislações de emissões, eficiência energética e segurança veicular que obrigam à adoção de tecnologias que impõem nova pressão aos preços nos próximos anos.
Algo parecido já aconteceu em 2014 quando airbags frontais e freios com ABS tornaram-se obrigatórios por lei em todos os carros vendidos no Brasil. A diferença é que, naquela época, os aumentos foram absorvidos por renda maior da população e emprego estável.
Novo salto dos preços foi sentido a partir de 2018 com a introdução de sistemas de infoentretenimento que hoje estão a bordo até dos modelos mais baratos do mercado – e que por este e outros motivos já não são mais tão baratos quanto foram.
Mais pressão nos preços deve ser embarcada nos carros na próxima fase do programa brasileiro de controle de emissões para veículos leves, o Proconve L8, ou PL8, que entra em vigor a partir de 2025 com exigências adicionais de limitação de poluentes em relação ao PL7, que começou a vigorar em janeiro de 2022 com evoluções que já trouxeram aumentos de custos.
Também estão em discussão novas metas de eficiência energética e adoção de sistemas de segurança do Rota 2030, programa de desenvolvimento da indústria que este ano entrou em seu segundo ciclo, com prazo até 2027 para cumprir os objetivos.
Consultores e executivos da indústria ouvidos pela coluna apontam que, para atender todas as metas de eficiência energética em discussão, em uma escala gradual, até 2030, será necessário produzir mais da metade dos carros, algo em torno de 60%, com sistemas híbridos, impondo custos adicionais que variam de algumas centenas a vários milhares de dólares, a depender da solução adotada.
Até mesmo carros menores situados na entrada do mercado, como Hyundai HB20 ou Chevrolet Onix, terão de adotar os sistemas híbridos leves com bateria de 40 V, tecnologia suficiente para reduzir consumo na ordem de 5% e atender metas, mas que traz custos adicionais que colocam em questão os benefícios a uma faixa de mercado de renda menor, habitada por consumidores que já há algum tempo não conseguem mais comprar um veículo zero-quilômetro.
O que se antevê no futuro próximo, portanto, é o aumento do descompasso da renda da população com o preço crescente dos veículos no País.
Há dez anos, quando o mercado brasileiro atingiu seu ápice histórico de 3,8 milhões de veículos vendidos, em 2012, o Brasil vivia a época do pleno emprego e a renda de um jovem recém-formado era suficiente para aprovar um financiamento e comprar seu primeiro carro.
Hoje, diante de preços nas alturas e crédito muito caro e restrito este consumidor sumiu do mercado. A anomalia causada por esta combinação de vetores negativos nunca foi tão grande: 2022 terminou com apenas 30% das vendas financiadas e estranhos 70% à vista. Tal cenário nunca foi visto antes. Há apenas dois anos estes porcentuais eram opostos, com 60% a 75% das compras financiadas.
A exclusão de centenas de milhares de consumidores do mercado foi consumada por crédito cada vez mais limitado e aumentos de preços de quase 100% nos últimos seis anos. Levantamento da consultoria Jato Dynamics mostra que o valor médio de lista de um carro no Brasil em 2016 era de R$ 66,3 mil. Em 2023 este valor chegou a R$ 130,8 mil.
Levantamento similar, da Bright Consulting, aponta que os aumentos mais agudos nos preços começaram a ser aplicados após a eclosão da pandemia, em 2020. Diante do cenário negativo as fabricantes começaram a proteger o caixa e naquele ano a consultoria apurou reajuste médio de 12,4% no preço público de lista dos carros, porcentual três vezes maior do que a inflação anual medida pelo IPCA, de 4,5% no período.
Em 2021 a Bright registrou nova e ainda mais pesada carga: o preço médio do carro subiu 26,3%, aumento real de nada menos que 16 pontos porcentuais acima do IPCA do período, de 10%. Com a falta de semicondutores as montadoras direcionaram os chips que conseguiram para os veículos mais caros e rentáveis, o que elevou o valor médio de lista dos produtos.
Já sentindo o impacto das altas dos preços na retração das vendas os fabricantes seguraram um pouco os reajustes em 2022, que, na média, acompanharam a inflação de 5,8% – o que também já é muito diante dos aumentos já aplicados antes e da renda que não subiu na mesma proporção do IPCA.
A perspectiva de curto prazo aponta para comportamento parecido em 2023: com o consumidor ainda mais retraído os reajustes dos preços públicos devem, quando muito, acompanhar a inflação e, dizem os analistas, vão surgir algumas promoções, com concessão de bônus ou redução de juros.
Nada que seja suficiente para compensar a perda de renda dos últimos anos, o que coloca o mercado brasileiro em mais um ano de estagnação ou mesmo de queda abaixo do piso de 2 milhões de veículos registrado nos últimos três anos.
Este cenário tende a piorar com os novos e inescapáveis aumentos de custos previstos para os próximos anos. A única forma de interromper esse ciclo vicioso será a volta do crescimento econômico com aumento de renda da população, acompanhada de redução da inflação e dos juros, com ampliação da concessão de crédito. Nada disso está no horizonte de curto prazo.
Sim, já aconteceu antes, especialmente de 2006 a 2013, quando o mercado brasileiro ascendeu a volumes acima dos 3 milhões de veículos/ano, inclusive passando por cima da crise financeira global de 2008, mas as condições eram melhores. Agora, com um novo governo, as negociações são para criar condições de crescimento que tragam para cima a rota que, atualmente, aponta para baixo. A conferir.
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