Desafio é fazer carro nacional melhor por preço menor para ter mercado maior
Indústria precisa negociar fórmula para reduzir valores sem retrocesso tecnológico
É cansativo reafirmar que os preços dos carros no Brasil – e os custos dos financiamentos – fugiram há tempos das possibilidades de compra da maioria população. O que há de novo nesta situação é que os fabricantes começaram a sentir com mais intensidade o principal efeito desta situação: a redução crescente de clientes.
Isto indica que, nos próximos anos, algo deverá ser feito para reverter esse cenário. O desafio da indústria automotiva no País – possivelmente em combinação com o novo governo que assume em janeiro com histórico de apreço pelo setor – é criar políticas para continuar fazendo carros cada vez melhores, mas por preços e meios de compra mais acessíveis, para que seja criado um mercado maior e viável.
Passada a fase aguda da pandemia e da falta de microchips – que continua, mas em escala melhor controlada – as fabricantes estão saindo da zona de conforto que, por cerca de dois anos, protegeu seus lucros com a falta de produtos. Venderam muito menos por muito mais, mas esta situação não é sustentável por muito tempo.
O preço médio de venda de um carro no Brasil já supera os R$ 140 mil, no patamar mais alto da história. Mesmo assim quase 2 milhões de automóveis foram vendidos em 2021 e 2022 – volume que, diga-se, a indústria considera baixo para sua viabilidade no país. Mais incrível ainda é que acima de 60% das vendas este ano tenham sido à vista.
Mesmo muito abaixo do potencial que, diziam, deveria superar 4 milhões de veículos/ano, o limite para continuar vendendo tantos veículos por preços tão altos parece ser ainda mais baixo do que os atuais 2 milhões por ano. Em outras palavras, o mercado nacional está se autoesgotando, parado em número de consumidores cada vez menor diante de valores cada vez maiores.
Esgotamento de mercado
Alguns indicadores divulgados recentemente comprovam a insustentabilidade do cenário atual. Nos onze meses deste ano cerca de metade das vendas foi feita para pessoas físicas, no varejo das concessionárias, outra metade foi para empresas, em novembro isoladamente o porcentual de vedas diretas subiu a impressionantes 56%, segundo relatório mensal da Fenabrave.
Segundo monitoramento da Jato Dynamics, das vendas diretas de novembro chama a atenção a quantidade destinada a locação em divisões ou empresas das próprias montadoras, cerca de dois terços do total. Possivelmente são veículos que estão sendo somados às frotas de carros por assinatura.
As locadoras sozinhas compraram, em novembro, 34% dos carros emplacados no mês, o volume mais alto do ano, que em janeiro foi de apenas 17%, conforme levantamento da associação dos fabricantes, a Anfavea.
Isto ocorre porque há claro recuo do consumidor pessoa física e, também, porque as locadoras têm demanda represada estimada em 600 mil veículos para renovar suas frotas, pois os fabricantes não conseguiram produzir o suficiente para atender todos os pedidos e preferiram, claro, direcionar os carros aonde a venda é, em tese, mais lucrativa, no varejo das concessionárias.
Este cenário também está mudando, pois as vendas diretas destinadas a locações de longo prazo, de dois a três anos em contratos de assinatura, também são uma opção lucrativa às montadoras, especialmente quando o negócio é explorado por divisões ou empresas do mesmo grupo. Não à toa alguns dos maiores fabricantes do país, como Stellantis, Volkswagen, Toyota, Nissan e Renault estão explorando o crescente mercado de assinaturas de veículos.
Outro sinal de alerta de esgotamento do poder de compra do consumidor é que, em outubro passado, 69% das vendas foram à vista, contra apenas 31% a prazo. Esta é uma anomalia nunca vista antes. Há dois anos estes porcentuais eram exatamente o oposto: 60% a 70% dos negócios eram financiados.
Tudo indica que do jeito que está que o mercado brasileiro de veículos não para de pé, não crescerá, caminha para estagnação ou contração – e isto pode inviabilizar o negócios de algumas fabricantes por aqui.
Abro parênteses aqui: antes que comecem os ingênuos ataques a este colunista, dizendo que o melhor era zerar o imposto de importação e deixar “que se explodam as gananciosas montadoras” ditas nacionais, convém ponderar que os carros importados, em sua maioria, seriam destes mesmos fabricantes instalados em outras partes do mundo, e que os preços seriam tão ou mais altos do que veículos produzidos aqui, reduzindo ainda mais o poder de compra, além de ser impossível alimentar mercado tão grande quanto o brasileiro só com importados.
Estímulos ao consumidor
Para voltar a crescer o mercado brasileiro de veículos precisa de correções de rota – ou do Rota 2030, programa que orienta o desenvolvimento da indústria automotiva no país com incentivos e metas para eficiência energética, adoção de sistemas de segurança e investimentos em pesquisa e desenvolvimento.
A primeira das três fases do Rota 2030 terminou em setembro passado e todos os fabricantes cumpriram com exigências do programa de redução de consumo e aumento do uso de dispositivos de segurança ativa e passiva. O problema é que, embora os carros tenham ficado melhores e mais seguros, também ficaram mais caros, o que reduz os benefícios dos avanços tecnológicos à sociedade, pois poucos podem se beneficiar deles.
Com carros melhores e menos clientes para eles, os fabricantes já esboçam movimento que pode resultar em novo atraso tecnológico ao setor no país. Estão começando as negociações para a segunda fase do Rota 2030, de 2023 a 2027, e a tendência é de barrar avanços mais ambiciosos em eficiência energética e adoção de sistemas de segurança, para segurar os preços e manter a rentabilidade.
Reduzir custos com redução da evolução tecnológica é por certo o pior caminho a tomar. Isto já foi feito muitas vezes por aqui e o resultado foi a produção dos piores carros mais caros do mundo – ainda existem muitos deles rodando no Brasil.
Os estímulos, se vierem, devem ser dados ao consumo. Se houver qualquer redução de impostos para carros mais eficientes e seguros, este incentivo deveria ser, obrigatoriamente, repassado ao comprador – e não para a margem de lucro do fabricante, que continuaria com a obrigação de produzir veículos cada vez melhores.
Neste sentido é sempre bom ponderar, também, que se as vendas crescerem, mesmo cobrando menos impostos, a arrecadação também cresce.
Seja qual for o caminho adotado, o melhor dos mundos seria a continuação da evolução tecnológica com redução real de preços relativos ao poder de compra da população.
Até 2023
Por necessidade de descanso, após um ano extasiante, e por falta de assuntos relevantes, este Observatório Automotivo faz uma pausa neste fim de ano e começo do próximo. Volto a publicar novas ideias, debates, críticas e propostas ao setor automotivo a partir da segunda semana de janeiro, já com os resultados fechados deste 2022 e projeções oficiais para 2023. Até lá, termino a última coluna deste ano agradecendo a leitura e desejando a todos um novo ano cheio de realizações e alegrias – diante do que já foi, há de ser melhor.
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