O dia era 26 de janeiro de 1896, e o anúncio saiu na Gazeta de Petrópolis:
"CARROS MOVIDOS A PETRÓLEO - Estes carros são movidos por um motor simples, facílimo de cuidar e sem o menor perigo de explosão. Andam até 40 quilômetros por hora, conforme a força do motor, podendo a velocidade ser modificada a todo momento pelo condutor. Sobem rampas a 12% e mais, conforme o estado do caminho. Podem ser conduzidos por uma senhora ou uma criança, tal a sua simplicidade e segurança. Substituem com imensa vantagem os carros tirados por animais, quer nas cidades, quer no campo. Para informações, prospectos e encomendas, dirigir-se aos procuradores do agente para o Brasil - Soares, Duarte & Moniz, Rua General Pedra 95, Rio de Janeiro, ou Rua Teresa 43, Petrópolis."
Esse texto é o mais antigo anúncio de automóveis que se tem notícia no Brasil (até que alguém prove o contrário, é claro...). Interessante notar que era bem didático ao apresentar a superioridade dos carros movidos a petróleo em comparação aos veículos de tração animal - mas vago quanto a marcas e motores. A que modelos será que se referia?
Tocada pelos sócios Manoel Alves Soares, João Raymundo Duarte e Claudino Moniz Coelho da Silva, a firma Soares, Duarte & Moniz era uma fundição com oficinas que consertavam máquinas de lavoura e de indústrias. Tinha uma serralheria, uma caldeiraria e era capaz, por exemplo, de derreter velhos canhões de bronze da Guerra do Paraguai e transformá-los em monumentos de praça.
A vocação para novidades da Soares, Duarte & Moniz era tamanha que, em 1896, a empresa já tinha um telefone para atender à clientela. E a firma se propôs a importar automóveis no Brasil da última década do século XIX.
A Soares, Duarte & Moniz repetiu o anúncio no jornal petropolitano em 1º de fevereiro de 1896, mas não se sabe se conseguiu vender algum carro movido a petróleo. De toda forma, fica a glória de ter publicado a primeira peça de publicidade automotiva no país.
Quando se fala da chegada do automóvel ao Brasil, invariavelmente são citados "o Peugeot de Santos Dumont", em São Paulo, e "o carro a vapor do José do Patrocínio", no Rio de Janeiro (a este último sempre é creditada também a primazia nos acidentes de trânsito).
Houve, contudo, outros automobilistas por aqui nos anos 1890. Hoje traremos à luz alguns anúncios publicados no Brasil antes mesmo de o século XX começar.
O automóvel não havia sido inventado e já pipocavam nos jornais daqui reclames de motores ciclo Otto, a quatro tempos. Movidos pela mistura de gás de iluminação e ar atmosférico, eram estacionários e tinham como função tocar serrarias, tipografias, beneficiadoras de café e geradores de luz elétrica, entre outros usos industriais naqueles últimos anos do Império.
A John Petty & C., representante dos motores Otto no Rio desde 1878, apregoava seu produto como um enorme avanço em relação aos motores a vapor usados até então: com potência entre 0,5 a 60 cv, os motores a gás não empregavam carvão, não tinham caldeira e, assim, os riscos de explosão e incêndio eram bem menores - tanto que as companhias de seguro davam incentivos para a troca.
Além disso, o motor Otto dispensava um foguista e podia ser operado com mais facilidade: bastava acender um bico de gás e o funcionamento era instantâneo, enquanto uma máquina a vapor precisava ser pré-aquecida por uma hora. Não havia produção de fuligem e os custos de manutenção eram menores.
Daí que o primeiro produto Daimler a chegar ao Brasil não foi um carro ou caminhão, mas sim um motor "a vapor de petrol", de 2 cv, marinizado. A importadora Backheuser & C., do Rio de Janeiro, tornou-se agente do fabricante alemão (que, na época, ainda não era ligado à Benz). Para demonstrar a eficiência do novo sistema, uma lancha para 12 pessoas, chamada Deodoro, foi equipada com o motor a combustão Daimler. O passeio inaugural pela Baía da Guanabara partiu do cais Pharoux no dia 30 de agosto de 1891, levando jornalistas e convidados. Um anúncio nos jornais apregoou o "grande e espantoso melhoramento".
Ainda mesmo ano, a "Gazeta da Tarde", do Rio de Janeiro, publicou em 6 de abril de 1891 uma notinha de pé de página, um tanto escondida para sua relevância: "Acha-se na alfândega e deve hoje ou amanhã um elegante carro, movido a vapor, adquirido há pouco em Paris por um conhecido personagem desta capital". Só isso. E cá ficamos, em 2022, sem saber que automóvel era e, principalmente, quem foi esse conhecido personagem carioca. José do Patrocínio, talvez?
No fim de 1895, mais um automóvel - desta vez movido "a petróleo" - chegou ao Rio. Pertencia ao Dr. João Paulo de Carvalho (1854-1905), que retornara de um curso de pós-graduação na Europa. O carro logo foi posto em um trem e levado a Petrópolis, onde o médico tinha uma casa no bairro Alto da Serra - lá, era uma chauffeuse quem conduzia o veículo.
O "Jornal do Brasil" publicou a seguinte nota em 23 de janeiro de 1896: "Passeou ontem pelas avenidas de Petrópolis uma victoria movida a petróleo. Era guiada por uma interessante menina, provando assim a facilidade de dirigir tais carros que, além de elegantes e cômodos, são econômicos, pois dispensam animais e cocheiros. A victoria fazia rapidamente as voltas e tinha boa marcha". Pena que a imprensa da época não registrou a marca do automóvel, nem o nome da chauffeuse.
Victoria, vale dizer, era uma denominação herdada das carruagens puxadas a cavalo. Designava carros abertos, de estrutura leve e elegante, com uma capotinha rebatível na parte traseira.
Não demorou e o carro do Dr. João Paulo voltou ao Rio e foi posto à venda. E, assim, foi publicado o primeiro anúncio de classificados de um automóvel no Brasil! O "tijolinho" de uma coluna e apenas três linhas saiu no "Jornal do Commercio" de 5 de outubro de 1897, entre um "Precisa-se de costureira alemã" e alguém se oferecendo como vendedor e cobrador.
Sem sequer mencionar o fabricante do veículo ou a potência do motor, o renomado médico informava secamente no texto:
"CARRO AUTOMÓVEL - Vende-se um, a petróleo, quase novo e garantido; na Rua das Laranjeiras nº 82."
Este era o endereço do Instituto dos Surdos-Mudos, que à época era dirigido pelo Dr. João Paulo. O instituto, diga-se, está na Rua das Laranjeiras até hoje. O que mudou foi a numeração.
Nos últimos meses de 1897, o jornal "O Commercio de S. Paulo" publicou um anúncio da Decauville, uma companhia francesa que já era bem conhecida por aqui por fornecer implementos para estradas de ferro. Dos trilhos às locomotivas, a Decauville fazia de tudo. No reclame, a firma oferecia ainda produtos como balanças, guindastes, geradores a vapor e, numa linha fina, perdida no meio do anúncio... "carruagens automobiles"!
Explica-se: a fábrica estava diversificando sua produção e preparava o lançamento do Decauville Voiturelle. Produzido entre 1898 e 1903, era um carrinho muito leve e de linhas delicadas. Equipado com motor a gasolina de 3cv, o modelo tinha três lugares.
No pé do anúncio, vinham as instruções aos brasileiros que se interessassem nos produtos da Decauville: Vá a Paris, pegue o trem até Corbeil, tome um bonde e encomende o seu diretamente na fábrica! Mas a visitação só está aberta às terças e sextas-feiras...
Fato é que pelo menos um Decauville Voiturelle chegou por aqui e fez certa fama. Pertencia a Guerra Duval e venceu a primeira corrida de automóveis no Rio - um pega informal entre Botafogo e Copacabana, tendo como oponente um certo “sr. Cardea, capitão do Muquy”. O prêmio pela vitória foi uma garrafa de champagne.
Das marcas que existem até hoje, a primeira a anunciar no Brasil foi a alemã Benz. Foi na edição de 10 de janeiro de 1899 do jornal "The Rio News", dedicado à comunidade de língua inglesa na então Capital Federal. Daí que o anúncio saiu em inglês.
O carro mostrado na ilustração era um Benz Patent-Motorwagen Victoria (1893–1900), primeiro modelo de quatro rodas da marca alemã. O principal objetivo da marca, contudo, parecia ser outro. Lá no pé da propaganda, vinha a convocação: "Skillful and respectable agents are required", em bom português, "Precisamos de representantes habilidosos e respeitáveis". Antes de anunciar automóveis, afinal, era preciso ter quem os vendesse.
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