Desta vez não foi só a falta de carros a entregar que derrubou o mercado de veículos leves, como aconteceu ao longo de 2021. A persistente escassez de componentes eletrônicos continua a segurar as vendas, mas em janeiro limitação da oferta de produtos se combinou com problemas de demanda, que acendem o alerta sobre uma possível retração do mercado.
Todo começo de ano as vendas recuam sobre dezembro, normalmente o melhor desempenho dos doze meses anteriores, mas desta vez o tombo foi mais profundo do que o usual.
A associação dos fabricantes, a Anfavea, contabilizou apenas 116,8 mil emplacamentos de automóveis e utilitários leves, o que representa queda pronunciada de 28,2% na comparação com o resultado do mesmo mês de 2021. Foi o pior janeiro dos últimos 14 anos, segundo levantamento histórico da Autoinforme.
Sim, seguem faltando alguns modelos, mas em menor escala. Para além deste e de outros fatores conjunturais, incluindo a sazonal queda de vendas em janeiro e fatores extraordinários, como chuvas e novo alastramento da Covid-19, problemas estruturais da economia brasileira começam agora a aparecer com mais força, notadamente o aumento generalizado de preços combinado com queda também generalizada da renda da população.
O encarecimento dos veículos se soma ao crédito mais caro, responsável por viabilizar algo entre 55% e 60% das vendas de carros a pessoas físicas no país, que agora precisam pagar taxas de 26,8% ao ano nos novos financiamentos via CDC – um ano atrás essa média era de 18,5% ao ano.
"A elevação dos juros preocupa, porque está acima do esperado. Isso reduz as vendas financiadas, que representam mais da metade dos negócios", alertou Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea, ao apresentar os resultados da indústria, na segunda-feira, 7. A taxa Selic (juro básico da economia) subiu de 2% ao ano um ano atrás para 10,75% agora, o que se configura no maior juro real do mundo (6,4% ao ano, descontada a inflação projetada).
“Era necessário subir para conter a inflação, mas o problema é a dose, o Banco Central está subindo a taxa 1,5 ponto a cada vez e já se fala em 12% no fim de 2022. Isso freia a atividade e podemos ter PIB negativo este ano”, avaliou Moraes.
“A alta nas taxas de juros encareceu o crédito e restringiu a aprovação de financiamentos – em torno de 68% das propostas foram aprovadas em janeiro. Também tivemos queda na renda do consumidor, pelo aumento da inflação”, admite José Maurício Andreta Jr., presidente da Fenabrave, que reúne os concessionários.
Janeiro teve ainda fatores extras de dissuasão do consumo que pioraram o cenário tanto nas fábricas como nas concessionárias. O primeiro deles é a nova onda de infecções de Covid-19, que ainda causa restrições à circulação de pessoas, afeta o comércio e reduz a produção. “Não foi algo que aconteceu só aqui, a pandemia afetou a produção e as vendas em todos os maiores mercados do mundo”, ponderou Moraes.
Mesmo com 90% dos funcionários vacinados, a Anfavea calcula que no mês passado algo entre 6% e 7% dos empregados das fabricantes de veículos foram afastados com Covid, um contingente de 6 mil a 7 mil pessoas, provavelmente infectados pela variante ômicron do coronavírus, que embora de letalidade baixa entre os vacinados, é mais contagiosa e incapacita grande número de trabalhadores de uma semana a dez dias. Segundo a entidade, não houve interrupções na produção por causa da nova onda da pandemia, mas a produtividade foi reduzida.
Somando os períodos de paralisação da das fábricas por férias coletivas, comuns entre dezembro e janeiro, com a queda de produtividade por absenteísmo de trabalhadores com Covid, a indústria no país produziu apenas 145,4 mil veículos no mês passado, uma forte retração de 27,4% em relação a um ano antes – quando o Brasil também enfrentava a segunda onda da pandemia, com número de mortes bem mais elevado.
Mas o volume produzido foi mais que suficiente para alimentar o mercado interno de 126,5 mil emplacamentos (incluindo caminhões e ônibus na soma) e as exportações de 27,6 mil unidades, em alta de 6,6% sobre janeiro de 2021.
Também afetam o comércio e a logística de suprimentos as chuvas que atingiram severamente algumas regiões do país, como Minas Gerais, Bahia e Goiás, além de São Paulo mais recentemente, provocando enchentes e interrupções de estradas.
Para o presidente da Anfavea, ainda é cedo para dizer se a alta dos juros e a consequente retração econômica será capaz de reduzir as vendas abaixo das previsões da entidade, que projeta para 2022 mercado interno total de 2,3 milhões de veículos, em alta moderada de 8,5% sobre 2021, quando o maior problema foi de oferta, com a falta de produtos a entregar.
“Fizemos as projeções levando em consideração os problemas de oferta e também de possível retração da demanda. Precisamos tomar cuidado, ainda é cedo para assegurar que o cenário econômico já esteja fazendo efeito maior do que já era esperado em nossas previsões”, defende o presidente da Anfavea.
Para Andreta Jr., da Fenabrave, até o momento “o problema é conjuntural, em função dos baixos estoques das concessionárias, da persistente falta de produtos ainda provocada pela escassez de insumos e componentes, e também devido à sazonalidade do período, quando a renda familiar fica mais comprometida em função de gastos com impostos, matrículas e materiais escolares, por exemplo, o que acaba afetando a decisão de compra do consumidor”.
O cenário de mercado é o oposto para as vendas de caminhões, com 8,7 mil emplacamentos, no melhor janeiro desde 2014 e alta de 15,5% sobre o mesmo mês de 2021. O aquecimento dos setores do agronegócio, sustentado por safras recordes e exportações crescentes, praticamente já garantiu a compra de toda a produção de modelos pesados pelos próximos seis meses.
O segmento de construção civil, também aquecido em 2021, começa a dar mostras de resfriamento, mas ainda segue comprando caminhões, assim como as operações de entregas urbanas de mercadorias, que vem alimentando as vendas de modelos leves, semileves e utilitários.
Mas também neste setor problemas estruturais brasileiros podem estragar a festa em 2022. As altas constantes do preço do diesel, que em 2021 encareceram o combustível em 44% e seguem elevando os custos este ano, podem levar transportadores a adiar a compra de novos caminhões para compensar os gastos maiores com a operação – e não só com o diesel, pois salários, manutenção e os próprios veículos estão (muito) mais caros do que há um ano.
Após mais de uma década de decadência e desempenho decepcionante, sempre abaixo da linha das dez marcas de carros mais vendidas do país, pode-se dizer que Peugeot e Citroën renasceram das cinzas, desde que passaram a integrar o Grupo Stellantis, há um ano. Os resultados, ao menos por enquanto, chegaram em menos da metade do tempo previsto por Antonio Filosa, presidente do grupo na América do Sul.
Em maio do ano passado, ele disse esperar retomar em 24 meses o mesmo sucesso que as duas francesas fizeram no Brasil dez anos antes, quando somavam em torno de 5% das vendas nacionais. Até aquele mês, ambas tinham menos de 2% de participação. Terminaram 2021 com 2,7% e saltaram para impressionantes 5,6% em janeiro. Ainda que seja um salto efêmero, usando os espaços deixados pelas concorrentes, que não conseguiram atender os pedidos por falta de peças para produzir, é fato que a recuperação está ganhando rápida tração e pode ser consolidada com a chegada de novos produtos em 2022, como o novo Citroën C3 e o Peugeot 2008 renovado.
Peugeot voltou ao ranking das dez mais, subiu da 12ª posição em dezembro para a nona em janeiro com market share de 3,5%, o maior em 14 anos, com 4 mil carros emplacados no mês, anotando crescimento meteórico de 163% na comparação com o resultado mensal de um ano antes, enquanto o mercado caiu 28% no mesmo período.
Citroën cresceu ainda mais, 207%, quadruplicando sua participação de mercado para 2,1% com quase 2,5 mil emplacamentos, a maioria, 2,3 mil, do único modelo nacional da marca vendido no país, o C4 Cactus, que em breve vai ganhar a companhia do novo C3 com “identidade mini-SUV”.
Durou pouco tempo a retomada da produção da linha Onix em Gravataí (RS), que após paralisação de cinco meses por falta de semicondutores em 2021, tinha reiniciado as atividades em agosto, recolocando a GM nas posições mais altas do ranking com a volta de seus carros mais vendidos às concessionárias Chevrolet – fechou o ano em terceiro lugar, mas subiu ao segundo em dezembro e janeiro.
Depois de nova interrupção na parada de fim de ano entre 20 de dezembro e 2 de janeiro, a GM confirmou que vai parar novamente a planta por mais um mês, com férias coletivas de 21 de fevereiro a 20 de março. Desta vez a montadora alega que o motivo não é escassez de componentes, mas para fazer ajustes na fábrica. Ainda assim, o resultado é o mesmo: perda de vendas por falta de carros a entregar.
A Volvo anunciou investimento de R$ 1,5 bilhão no período 2022-2025, a ser aplicado em sua operação de caminhões e chassis de ônibus no Brasil, com fábrica em Curitiba (PR). O novo ciclo complementa o programa de R$ 1 bilhão iniciado em 2020. Parte dos recursos será destinada a finalizar o desenvolvimento e produção local de motores diesel Euro 6, que passam a equipar os veículos pesados no país a partir de 2023, para atender a legislação brasileira de emissões em sua nova fase, o Proconve P8. Também está nos planos a fabricação no país de veículos elétricos de carga e passageiros.
O novo aporte foi assegurado após o melhor ano de vendas da Volvo no mercado brasileiro, com 21,8 caminhões semipesados e pesados vendidos em 2021, crescimento de 45,7% sobre 2020, o que levou a outro recorde: o braço financeiro do grupo Volvo Financial Services somou R$ 4,8 bilhões em novos financiamentos, valor 65% acima do registrado um ano antes. Já a divisão de ônibus foi bem melhor no mercado externo: dos quase 1,2 mil chassis vendidos, 812, ou 61%, foram exportados a partir de Curitiba para países da América Latina e África.
Começou devagar quase parando o ano para os fabricantes na Argentina, que projetam crescimento de quase 30% na produção de veículos no país este ano – o equivalente a 558 mil unidades. Janeiro não contribuiu para essa previsão. Com paralisações de fábricas em férias coletivas e por falta de semicondutores, sobraram só nove dias de atividades no primeiro mês de 2022, produzindo o total de apenas 18,6 mil carros e utilitários, uma baixa de 23% em comparação com janeiro de 2021. Exportações de 9,3 mil veículos, mais da metade deles direcionadas ao Brasil, também caíram 22% sobre o mesmo mês do ano passado.
Com um longo salto de 4,7 mil para 8,4 mil veículos embarcados, a Volkswagen Caminhões e Ônibus (VWCO) apurou robusto crescimento de 80% nas exportações em 2021, comparado a 2020. O número é também 61% maior do que as 5,2 mil unidades exportadas em 2019, antes do impacto da pandemia, mas ainda está 22% abaixo do recorde de 10,8 mil alcançado em 2007.
O resultado é atribuído ao plano de internacionalização da VWCO, que tem sede mundial no Brasil e faz parte do Grupo Traton (junto com MAN e Scania). A fabricante busca expandir as vendas externas para mercados além da América Latina, especialmente África e Ásia.
No ano passado houve sensível mudança nos principais destinos externos dos caminhões e ônibus VW produzidos em Resende (RJ): a Argentina, historicamente o maior comprador, caiu para a quarta posição, ultrapassada por México (onde a VWCO tem uma linha de montagem) em primeiro, seguido por Chile e Colômbia.
Foi concluída em 1º de fevereiro a divisão do Daimler Group em duas empresas independentes, com o lançamento das ações na Bolsa de Frankfurt do agora chamado Mercedes-Benz Group AG, que agrega o desenvolvimento, produção e vendas de carros e vans da marca icônica. Antes, em dezembro, foi destacada do grupo e listada separadamente na bolsa alemã a Daimler Truck AG, que integra todas as operações globais de caminhões e ônibus das marcas Mercedes-Benz, Freightliner, Western Star, Fuso, BharatBenz, Thomas Built e Setra. A companhia decidiu se dividir em duas há pouco mais de um ano, alegando que a separação concentrará o foco nos negócios específicos de cada uma, melhorando o resultado de ambas. A conferir nos próximos balanços.
Após arrumar as contas da Audi no Brasil – abatidas por alguns anos de políticas kamikazes de preços para ganhar mercado sem mirar o lucro –, Johannes Roscheck foi promovido a tomar conta do caixa global do grupo na matriz em Ingolstadt, Alemanha, onde neste fevereiro assumiu o posto de chefe de finanças corporativas e controladoria.
Antes de se despedir em bom português – entre idas e vindas ele passou no Brasil cerca de um terço de sua carreira de quase 30 anos no setor automotivo, os últimos cinco na presidência da operação brasileira da Audi –, o austríaco Roscheck ainda teve tempo de anunciar, em dezembro, a retomada da montagem nacional de carros da marca em São José dos Pinhais (PR), que ficou paralisada durante 2021.
O chileno Daniel Rojas, desde 2019 diretor de vendas no mercado brasileiro, é o novo presidente da Audi no país. Promete avançar com lançamentos, planos de eletrificação e manter “expansão sustentável” – eufemismo para crescer sem perder dinheiro, a mesma prática que valeu a promoção de seu antecessor.
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