O ano passado fechou com resultados pífios para a indústria de veículos no país, acrescentando expansão anual tímida de vendas domésticas (2,1 milhões, +3%), exportações (376 mil, +16%) e produção (2,2 milhões, +11,6%). São números muito próximos das projeções revisadas em outubro pelas entidades que reúnem os fabricantes (Anfavea) e seus concessionários (Fenabrave).
As fábricas rodaram 12 meses sempre abaixo da demanda interna e externa, devido às limitações impostas pela falta de componentes eletrônicos importados. Essa barreira custou cerca de 300 mil unidades produzidas a menos após paralisações de linhas ou redução da cadência produtiva.
Foi decepcionante, pois esperava-se muito mais de 2021, que deveria ter sido um ano de recuperação robusta após o impacto da pandemia de coronavírus sobre o setor produtivo em 2020, que manteve boa parte de fábricas e concessionárias fechadas em quase todo o segundo trimestre.
Desta vez, os resultados chochos de 2021 derrubaram as expectativas expressadas nas projeções apresentadas no início do ano por Anfavea e Fenabrave. Ambas as entidades esperam por crescimento tímido em 2022, com expectativas mais modestas em comparação com um ano antes.
A Anfavea prevê mercado interno anual de 2,3 milhões de veículos, somando automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus, o que significa expansão de 8,5% sobre 2021, ainda muito abaixo do nível de 3 milhões alcançado pela última vez em 2019. Já a Fenabrave está 84 mil unidades mais pessimista: estima pouco mais 2,21 milhões de emplacamentos no ano, em expansão de 7,3%.
“Ainda vivemos uma crise global de abastecimento de insumos e componentes na indústria, e novos desafios têm surgido para o setor, como os constantes aumentos nas taxas de juros, que vêm impactando nos financiamentos”, justificou José Maurício Andreta Júnior, presidente da Fenabrave recém-eleito para o triênio 2022-2024. Segundo o dirigente, as concessionárias já informam filas de espera menores, maior volume de carros para pronta entrega e sentem mais dificuldade para aprovação de crédito.
Ainda assim, há quem acredite que ambas as estimativas estão otimistas demais, tendo em vista que não há nada melhor no cenário prospectivo desenhado para os próximos 12 meses, que pode resultar até em queda de vendas. Entre os fatores negativos, destacam-se a economia patinando – analistas sugerem que o PIB pode crescer apenas 0,5% ou até cair 0,5% –, desemprego recorde, alta da inflação e dos juros – o CDC para comprar um carro já cobra 27% ao ano –, instabilidade política trazida pelas eleições, câmbio volátil na casa de não menos que R$ 5,50 por dólar.
Ao mercado aparentemente mais frágil se junta a escassez de semicondutores, problema que melhorou mas deve persistir até o fim de 2022, em combinação com a escalada dos custos de produção que já jogou nas alturas os preços dos veículos e empurrou milhares de consumidores para fora do mercado de zero-quilômetro.
As projeções da Anfavea apontam ainda para produção de 2,46 milhões de veículos em 2022, apenas 9,4% superior a 2021, incluindo também exportações de 390 mil unidades, 3,6% acima do ano passado. São todos volumes ainda muito abaixo dos verificados em 2019, antes do impacto da pandemia – e a expectativa é de voltar a esses níveis, com mercado superior a 3 milhões/ano, somente daqui a dois ou três anos, o que significa, no mínimo, meia década perdida.
Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea, reconhece as muitas dificuldades que o ano reserva, mas pondera que as projeções da entidade são “razoáveis” diante do cenário atual. “No início de 2021 derrubamos as projeções quando antecipamos a falta de componentes que a indústria iria enfrentar e fomos chamados de pessimistas. Este ano fizemos uma ponderação entre a escassez de semicondutores e a possível retração da demanda, e estamos sendo considerados otimistas. Projetamos vender [no mercado interno] apenas 180 mil veículos a mais este ano, é um crescimento moderado, ninguém está soltando rojões”, justificou.
“Avaliamos que após passar por tantos problemas nos últimos dois anos, hoje o piso do mercado brasileiro se fixou no patamar de pouco mais de 2 milhões de veículos por ano, com espaço para expansões moderadas até retomar o nível pré-pandemia de 2019 só a partir 2024, em linha com o ritmo de recuperação que está sendo observado no mundo todo, não só aqui no Brasil”, argumenta o presidente da Anfavea.
Entre os pontos que sustentam as projeções da Anfavea, Moraes espera que parte das 300 mil unidades que deixaram de ser produzidas em 2021 possam ser vendidas em 2022, para clientes que decidiram esperar pelo carro zero-quilômetro. Ele também aponta que as locadoras devem ajudar na expansão: no ano passado elas compraram 410 mil veículos, equivalente a 21% dos negócios, e precisam comprar mais este ano para renovar suas frotas, hoje com idade média de dois anos, enquanto o normal no setor são oito meses.
Moraes sustenta ainda que parte importante da economia brasileira segue bastante aquecida. O agronegócio estima colher em 2022 safra recorde de 290 milhões de toneladas de grãos, o que deve sustentar em alta as vendas de caminhões pesados, que cresceram quase 50% em 2021 (ante o avanço de 43,5% do mercado geral de veículos de carga). A renda gerada pelo setor também impulsiona vendas de veículos leves de alto valor agregado, como picapes e SUVs.
Contudo, o dirigente reconhece que uma nova variável negativa não foi considerada nas projeções fechadas pela Anfavea no início de janeiro: o novo salto da pandemia de Covid-19 com a chegada da altamente contagiosa variante ômicron do coronavírus (que neste momento infecta inclusive este colunista).
Moraes admite que a nova onda de infecções poderá impor restrições em escala ainda não conhecida e impactar a operação dos fabricantes de veículos como já aconteceu nos últimos dois anos, causando reduções de produção tanto pela adoção de medidas sanitárias nas fábricas como por interrupções nas cadeias globais de fornecimento de componentes. “É preocupante”, resume.
Antonio Filosa, presidente da Stellantis América do Sul, que em dezembro afirmou não ver motivos para “imaginar um mercado [brasileiro] menor do que 2,4 milhões a 2,5 milhões” de veículos leves, sem fazer nenhuma nova previsão, também admitiu que há um mês ainda não tinha colocado na conta o novo avanço da pandemia. “De lá para cá aconteceu a ômicron, ninguém esperava impacto tão grande com números tão altos de vacinação. De nossa parte, temos de adotar a estratégia de operar em qualquer ambiente, como fizemos até agora. É como sair com sol em Londres e levar um guarda-chuva, porque sabemos que lá sempre chove”, compara.
Com 431 mil emplacamentos, em crescimento de 34% sobre 2020 e participação de quase 22%, a Fiat voltou a ser a líder de vendas no Brasil, algo que não ocorria desde 2015. São da marca quatro dos 10 carros mais vendidos em 2021. A Strada, com 109,1 mil unidades, foi o veículo mais vendido do País – primeira picape a ocupar esse posto e único modelo que vendeu mais de 100 mil no ano. O comercial leve, mais utilizado como carro de passageiros após o lançamento em 2020 da versão quatro portas, nos últimos 12 meses foi líder em quatro, ficou na vice-liderança em cinco, foi terceiro em dois e quinto apenas em um mês.
Com seis carros, quatro Fiat e dois Jeep, entre os 10 mais vendidos do país em 2021, o Grupo Stellantis completou seu primeiro ano de existência – após a fusão entre FCA e PSA – na liderança folgada do mercado brasileiro, somando 635,5 mil emplacamentos, em crescimento de 38% sobre 2020 e participação de 32%, mais que o dobro da segunda colocada, a Volkswagen.
Além de recolocar a Fiat no primeiro lugar do ranking, todas as marcas da fabricante tiveram desempenhos expressivos. Jeep cresceu 35% e subiu pela primeira vez ao sexto lugar, com participação recorde de 7,5% sustentada por apenas dois produtos nacionais, Renegade e Compass. A Peugeot apresentou o maior crescimento, 119%, e mais que dobrou o market share para 1,5%, enquanto a francesa irmã Citroën contabilizou avanço de 73%, com 1,2% do mercado. Até a Ram, com apenas duas picapes importadas de grande porte, anotou desempenho recorde, avançando 87% no ano.
Excluindo-se o segmento de comerciais leves, onde está a Fiat Strada, o hatch Hyundai HB20 foi o carro mais vendido do país com 86,4 mil unidades emplacadas no ano, também foi o veículo mais comprado no varejo (nas concessionárias), com 70,5 mil vendas.
Após meses de paralisação de suas linhas de produção no país por falta de componentes, a GM voltou com força ao mercado já no fim do ano. O hatch Onix e o sedã compacto Onix Plus retomaram o topo do ranking de vendas em dezembro, fazendo dobradinha na primeira e segunda posições, ultrapassando a Fiat Strada (terceiro). Somado ao desempenho mensal recorde do SUV Tracker, quinto veículo leve mais vendido de dezembro, a Chevrolet foi a marca mais demandada no varejo (vendas nas concessionárias) no último mês de 2021.
Comemorando seus 40 anos, em 2021 a Volkswagen Caminhões e Ônibus (VWCO) retomou da Mercedes-Benz a liderança do mercado brasileiro de caminhões, com 37,4 mil veículos vendidos, crescimento de 46,4% sobre 2020, abocanhando participação de 29%. O volume sobe para 41 mil emplacamentos quando são consideradas as vendas de 3.545 Delivery Express – homologado como comercial leve de 3,5 toneladas de PBT, mas que tem peso total técnico de 4,6 toneladas que o enquadraria na categoria de caminhão semileve.
Já a Mercedes emplacou 33 mil caminhões e cresceu 23,7%, equivalente a market share de 25,7%. A marca, que completou 65 anos no Brasil, não tira o primeiro lugar da VWCO nem com a soma aos seus volumes dos 3 mil emplacamentos da linha de semileves Sprinter, que no ano passado foi separada da fabricante de caminhões em uma empresa independente, a Mercedes-Benz Cars & Vans.
Com a liderança de vendas no Brasil e na Argentina, o Grupo Stellantis também se firmou no topo do mercado sul-americano com 812 mil veículos vendidos na região, equivalente a participação de quase 23%, incluindo as marcas Fiat (pela primeira vez líder na América do Sul), Jeep, Peugeot, Citroën e Ram. De uma constelação de 14 marcas pertencentes ao grupo no mundo, o fabricante também já vende modelos importados DS na Argentina e Opel no Chile.
Pela primeira vez em cinco anos a BMW tirou da Mercedes-Benz a coroa de marca de carros de luxo mais vendida do mundo. Os números oficiais devem ser consolidados até o fim deste mês, mas a BMW antecipa que vendeu o volume recorde global de 2,2 milhões de veículos da marca bávara em 2021, crescimento de 8,4% sobre 2020, enquanto as entregas da rival Mercedes somaram pouco mais de 2 milhões de automóveis, em queda de 5% em comparação com um ano antes.
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