Opinião: Como o C4 Cactus pode resgatar os bons tempos da Citroën
Crossover tem o que sempre destacou os carros da marca: é diferente da concorrência
Você pode gostar ou não dos Citroën, mas é inegável que eles ganharam fama por serem diferentes da maioria dos rivais. Desde que a marca começou a vender seus carros no Brasil, nos anos 1990, tivemos o ZX com o eixo traseiro direcional, o Xantia com a suspensão hidropneumática, a Xsara Picasso com as soluções de espaço, o C3 com o design oval e o C4 com o volante de miolo fixo, entre outras inovações. Mas nos últimos tempos a marca francesa parece ter perdido a capacidade de se reinventar. O atual C3 é bem mais careta que o irmão Peugeot 208, o C4 Lounge é mais tradicional que os sedãs japoneses, o Aircross já perdeu seu encanto e a C4 Picasso, bem, ela é muito legal, mas é cara (importada) e faz parte de um segmento em baixa (minivans).
Neste cenário, o lançamento do C4 Cactus produzido em Porto Real (RJ) significa bem mais do que um novo carro para a Citroën. Ele é a esperança da marca por dias melhores no Brasil, após a empresa ter visto sua participação de mercado ruir de 2,6% em 2008 para apenas 0,8 % agora em 2018. Mas o que o Cactus tem de tão especial assumir essa responsabilidade toda? Bem, digamos que ele é diferente do mar de SUVs compactos que invadiu nosso mercado nos últimos anos.
Para começar, ele não tem nem jeito de SUV - por mais que o termo tenha sido deturpado nos últimos anos. Se tem um carro que merece ser chamado de crossover, este é o C4 Cactus. Ao reunir características de diversos segmentos num modelo só, ele traz design e altura de carroceria de hatch médio, motor do antigo cupê esportivo DS3 (nas versões THP), altura do solo de SUV e conforto de rodagem de sedã. Claro que isso também se reflete em limitações na comparação com concorrentes tradicionais, como o espaço interno ou o porta-malas limitado (320 litros). Na prática, porém, o Cactus é um carro pra lá de interessante.
Uma coisa que curti logo de cara foi a posição de dirigir. Enfim temos um carro alto de suspensão que não obriga você a guiar como se estivesse numa carreta (embora o público típico de SUV aprecie isso). Apesar dos ótimos 22,5 cm de altura livre do solo, você fica na média de altura da maioria dos carros, sem aquela forçada de barra para parecer que você está num jipe. Para colaborar, o apoio de braço da porta fica em posição perfeita e o volante tem as extremidades achatadas (como no irmão de projeto 2008), com aro de ótima pegada. O interior segue a linha "clean" que está na moda atualmente, trazendo a maioria dos comandos na própria central multimídia. Com tela de 7", o sistema concentra o sistema de som, a câmera de ré, o GPS e também o ar-condicionado, entre outras funções. É preciso se acostumar com a falta de comandos físicos, como nos SUVs da Volvo, mas não é nada demais. O quadro de instrumentos é outra tela digital, a mesma do C4 Lounge, que funciona bem, mas carece de recursos - não dá para mudar o layout, por exemplo.
A Citröen também pensou diferente no acabamento, que mescla plásticos rígidos com materiais macios e couro com tecido. Na parte central do painel, um aplique emborrachado suaviza o contato com as mãos, enquanto uma faixa de tecido cinza na vertical corta a peça lembrando um adereço de moda - detalhe que remete ao Peugeot 3008. Essa faixa de tecido também aparece nos encostos dos bancos, tirando a monotonia do couro preto. Outra coisa legal é que as luzes da cabine são brancas, deixando o ambiente moderno. Mas a Citroën economizou nas lâmpadas: não há iluminação central no teto, nos espelhos dos para-sóis e nem no porta-luvas, um vacilo para um carro de quase R$ 100 mil.
Em relação ao C4 Cactus original francês, o nacional perdeu algumas excentricidades. É o caso dos airbumps nas portas (espécie de bolhas plásticas para proteção) e dos vidros traseiros basculantes, que aqui passaram a abrir (felizmente) do modo tradicional. A cabine não é espaçosa como num Creta ou HR-V, mas é suficiente para quatro adultos e não há dificuldades para colocar cadeirinhas infantis no banco traseiro (Isofix é de série). Já o porta-malas parece ter mais que a capacidade divulgada, pois na prática seu formato é mais aproveitável que o do Ford EcoSport ou do Jeep Renegade. Mas há uma "parede" que dificulta o acesso de objetos pesados, deixando a base do compartimento lá embaixo.
É ao volante, no entanto, que o Cactus mais se afasta dos rivais - literalmente. Como o modelo tem o teto baixo (1.563 mm de altura), a suspensão elevada e robusta para superar os obstáculos urbanos não chega a ser problema na hora de conter a inclinação nas curvas. Claro que a vocação SUV do modelo fez ele ser mais "soft" do que o esperado para um carro de motor forte (o mesmo vale para a direção elétrica levinha), mas o resultado é muito agradável para uso geral. O Cactus une a pegada de desempenho de um bom hatch médio turbinado (anda junto com Golf e Cruze 1.4 turbo) com a despreocupação de encontrar pisos ruins pelo caminho. Também os balanços curtos proporcionam excelentes ângulos de ataque e saída, de modo que praticamente não há risco de raspar os para-choques em valetas e saídas de garagem mal projetadas. E ainda tem o sistema Grip Control, que, por meio do ESP, controla a distribuição de torque nas rodas dianteiras de acordo com o modo escolhido (neve, areia ou lama).
Na comparação com o 2008 THP, a vantagem do Cactus é unir, pela primeira vez nesta plataforma, o motor 1.6 THP Flex (173 cv e 24,5 kgfm) ao câmbio automático - o mesmo Aisin de 6 marchas do C3 1.6 aspirado. O casamento em geral é bom, mas às vezes há um tranco ou outro nas passagens e a caixa cisma em segurar a segunda marcha por mais tempo do que deveria - algo desnecessário num motor com tanto torque em baixa. Isso se resolve no modo Econômico, mas aí o carro perde um pouco do ímpeto nas respostas. Também há opção de se esticar as marchas usando o modo Esportivo ou Manual, este só com mudanças pela alavanca (não há borboletas na direção). Qualquer que seja o modo escolhido, nenhum SUV compacto é capaz de acompanhar o Cactus nas acelerações (fez 8,3 s de 0 a 100 km/h em nosso teste com gasolina) ou ultrapassagem (5,2 s de 80 a 120 km/h). E sem pesar no consumo, como mostrou ao registrar média de 9,5 km/l na cidade com gasolina durante os dias em que passou na minha garagem.
Então, em resumo, acredito que o C4 Cactus pode sim resgatar os bons tempos da Citroën por aqui - embora a rede recém-reformulada seja um desafio à parte. Ele é estiloso, chama a atenção nas ruas com seu conjunto óptico duplo e a carroceria de duas cores, tem motor de sobra, roda macio, é confortável e ainda vem muito bem equipado nesta versão top Shine Pack (R$ 98.990). Ela se destaca pela presença de itens de segurança como alerta de saída de faixa e de proximidade do carro à frente, incluindo frenagem automática em baixas velocidades. Na prática, achei o sistema um tanto "desesperado" no trânsito. Mas, em se tratando de Citroën, como disse no começo, prefiro quando ela peca pelo excesso do que pela falta...
Fotos: divulgação
Galeria: Citroën C4 Cactus Shine - Brasil
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