Teste CARPLACE: Novo Cruze vai pra cima do Corolla e até do A3 Sedan
A prática é comum nos EUA, mas até onde eu me lembre nunca tinha visto isso no Brasil. No lançamento do novo Cruze para a imprensa, a Chevrolet colocou não só diversas unidades do modelo à disposição dos jornalistas, mas também dois carros da concorrência: o líder de vendas da categoria, Toyota Corolla, e a referência de motor e acabamento do segmento, o Audi A3 Sedan, para serem avaliados nas mesmas condições que o Cruze 2017. A ousadia da marca mostra o quanto ela está confiante em seu novo produto. Mas, afinal, será que o novo Cruze chega com essa bola toda?

Antes dos testes práticos, é preciso falar um pouco de posicionamento de mercado - e daí você vai entender o que o A3 Sedan estava fazendo lá na pista da GM. O Cruze de segunda geração chega atuando em duas frentes: na versão LT, já bastante recheada e tabelada a R$ 89.990, ele mira o Corolla XEi, versão mais vendida do best-seller da Toyota; a versão LTZ, de R$ 96.990, aponta para o Corolla Altis, versão topo de linha do Toyota; e por fim, o Cruze LTZ 2 (que adiciona itens de tecnologia extras) estreia por R$ 107.450, invadindo a seara do A3 Sedan. Veja aqui a lista completa de equipamentos do GM.

Mas não é só pelo preço que o A3 foi incluído no comparativo. O destaque absoluto do Cruze 2017 está no trem de força: sai o motor Ecotec 1.8 16V de 144 cv e entra o novíssimo Ecotec 1.4 turbo com injeção direta, capaz de entregar 153 cv e 24,5 kgfm de torque, além de consumo nota A pelo Inmetro. Este propulsor traz soluções semelhantes ao 1.4 TFSI do Audi, como coletor integrado ao cabeçote (para reduzir o fluxo dos gases e chegar mais rápido à temperatura ideal de funcionamento), mas segundo a GM ele é 3,6 kg mais leve que o motor da concorrência e ainda apresenta funcionamento, em média, 6 decibéis mais silencioso.

Pegamos o Cruze na capital paulista em direção ao Campo de Provas da Cruz Alta, em Indaiatuba, interior do estado. Na espera pelo "nosso" carro, demos aquela analisada no estilo do Cruze junto aos demais modelos que passavam na rua. Não resta dúvida de que o novo sedã é mais bonito e encorpado que o anterior, com destaque para a fluidez das linhas em geral, com uma quebra bem leve do capô para o para-brisa e uma transição também sutil do vidro traseiro para a tampa do porta-malas. Os faróis são bem rasgados para as laterais, enquanto a grade dianteira dividida em duas ficou mais discreta que a do modelo antigo.

Apesar de bonito, o Cruze de segunda geração não tem a mesma personalidade do antecessor. De perfil, ele lembra bastante o Civic atual, bem como nos faróis pontiagudos, enquanto as lanternas traseiras remetem ao Jetta. Também é possível enxergar pontos similares a outros sedãs médios, como o Elantra e o Cerato. Outra dúvida que fica é a respeito do acabamento escurecido nas rodas da versão LTZ, talvez esportivo demais para o público conservador desse tipo de carro. Na versão LT, as rodas mantém o aro 17", mas com acabamento claro, mais convencional.

Nosso carro de test-drive é um LTZ 2, que inclui bossas tecnológicas como alerta de proximidade para o carro da frente (até com medidor de distância em segundos), assistente de evasão involuntária de faixa (que corrige o volante sozinho), faróis com facho alto automático (baixa sozinho quando vem veículo no sentido oposto ou à frente), assistente de estacionamento (esterça o volante sozinho), partida à distância e alerta de veículo no ponto cego (que acende uma luzinha no retrovisor externo correspondente). O tom claro interior, cinza e bege, ajuda a dar sofisticação ao Cruze LTZ (no LT a cabine é preta), bem como os bancos de couro legítimo, mas a verdade é que notamos alguma falhas no acabamento, tanto na escolha de materiais quanto na montagem.

Mais tarde, já no Campo de Provas, pudemos rever o Cruze antigo e constatar a involução neste aspecto. Pode ser uma coisa restrita às primeiras unidades feitas na Argentina, mas a verdade é que foi fácil encontrar gaps diferentes entre as peças plásticas do painel e do console central, além de a parte superior do painel ser de plástico rígido - um carro de quase R$ 110 mil merecia painel de espuma injetada, né, GM? O quadro de instrumentos também transmite a sensação de ter ficado mais simples (o antigo era do tipo copinho, bem refinado), apesar da grande tela do novo (e completo) computador de bordo. Já a montagem da carroceria é exemplar, com vãos justos e regulares entre as chapas.

Na estrada rumo a Indaiatuba, o Cruze logo revelou sua nova identidade. Esqueça o motor gastão e ruidoso do antigo modelo, que também demorava para embalar o carro nas retomadas. O novo 1.4 turbo tem funcionamento espetacular, com suavidade extrema e silêncio mesmo em altas rotações, além de ter um "punch" muito mais forte nas acelerações. Curioso que a GM trabalhou a entrega de força para ser muito linear, de modo que um motorista leigo nunca dirá que está dirigindo um carro turbinado. Não há aquele lag em baixo giro seguido de um empurrão, como é comum nos motores turbos. A impressão é de se estar dirigindo um bom aspirado de cilindrada elevada.

Logo na saída fica evidente a disposição do sedã, com os 24,5 kgfm de torque fazendo toda a diferença em relação aos 18,9 kgfm do antigo 1.8. Também é notável como o Cruze mantém altas velocidades em ritmo de passeio, apesar de seu acerto não ter pegada esportiva. Em relação ao Astra europeu, do qual o Cruze herda a plataforma D2, o Cruze argentino teve a suspensão e a direção calibradas para as condições do piso brasileiro, ou seja, esburacado. Sabendo da boa fama do macio Corolla por aqui, a GM tratou de suavizar o conjunto. O resultado está mais para o antigo Vectra do que para o Cruze anterior.

O novo Cruze passa macio sobre as imperfeições do asfalto, e não dá mais aquelas batidas secas de fim de curso que acontecia no modelo anterior, mais voltado à esportividade. Na estrada, é nítido como a carroceria se movimenta nas ondulações, apesar de se manter bem postada ao solo. Já a direção elétrica ficou leve demais em velocidades de viagem, tirando um pouco da comunicação com o motorista. Por um equívoco da GM, na volta do test-drive pegamos um Cruze da engenharia que tinha o acerto de direção mais firme (era um pré-série). Particularmente, achei essa opção bem melhor e a escolheria caso participasse do desenvolvimento do modelo.

Mantendo a velocidade limite da estrada, 120 km/h, outra boa nova do Cruze surge no consumo: conseguimos média de 15,7 km/l usando gasolina, chegando até a uns picos de 17 km/l em trechos de 100 km/h - quando a rotação do motor fica abaixo de 2 mil rpm em sexta marcha. Na cidade não tivemos oportunidade de aferir o consumo (o que faremos em breve num teste completo), mas pelo Inmetro a média chega a 11,2 km/l, também com gasolina. Usando etanol, os números oficiais são de 7,6 e 9,6 km/l, respectivamente.
Para ajudar nesses valores, o Cruze conta com o sistema start-stop que desliga o motor em paradas curtas e volta a religá-lo quando soltamos o freio. Apesar da suavidade no religamento do motor, estranhamos o fato de não poder desativar o recuso (em geral há um botão para desligar o start-stop). Isso pode ser um incômodo em dias de calor, pois junto com o motor também desliga o ar-condicionado.

No Black Lake, talvez mais do que mostrar a competência do Cruze, a GM quis expor a falta do controle de estabilidade (ESP) no Corolla. Ao entrar no desvio sobre o granito molhado, Cruze e A3 Sedan logo ativavam o sistema para corrigir a saída de traseira que ocorria na segunda perna do desvio. No Corolla foi preciso agir rápido na direção para não deixar ele rodar, o que acabou acontecendo com a maioria dos outros jornalistas... Isso significa que, em uma situação crítica, como óleo na pista, por exemplo, o dono de um Corolla pode se ver em apuros.

Já na prova de slalom no seco os três mostraram bom controle, sem rolagem excessiva da carroceria e bom grip dos pneus, cada um a seu modo. O Cruze tem a direção leve e a suspensão mais macia dos três, mas é bastante obediente nas situações limite. O Corolla tem um acerto intermediário que também agrada bastante, oferecendo ainda uma direção mais firme e comunicativa que a do GM. Por fim, o A3 tem a calibração mais esportiva do trio, mas a traseira com eixo de torção (como no Corolla e no Cruze) fica longe de ter a precisão do multilink que equipava a versão importada (mantida apenas no nacional com motor 2.0 turbo).

Passando à D1, o Cruze se revelou novamente muito seguro e previsível, mesmo sendo o que passava mais suave sobre a parte de asfalto ruim. Na serrinha, confesso que senti falta das borboletas no volante para trocas de marcha manuais (estamos num carro turbo!), pois a única opção de comandar as mudanças é com toques na alavanca. O Corolla vai muito bem até extrapolar seu limite, pois aí, de novo, o ESP faz falta - o pneu do modelo estava sujo de terra, mostrando que alguém se empolgou e foi dar uma passeada na grama. Por fim, o A3 é bastante estável em piso liso, mas chacoalha demais sobre o asfalto ondulado, transmitindo isso aos ocupantes.

Aproveitamos também a ocasião para fazer algumas medições inciais do Cruze abastecido com gasolina - lembrando que Corolla e A3 Sedan foram testados anteriormente em nosso padrão, com etanol. Os resultados comprovaram a eficiência do novo conjunto mecânico do GM - além do motor 1.4 turbo, a transmissão GF6 automática agora é de terceira geração, mostrando funcionamento suave e esperto: a aceleração de 0 a 100 km/h foi feita em 8,9 segundos (melhor que os 9,0 s indicados pela GM) e a retomada de 80 a 120 km/h em 6,2 segundos. São índices que deixam o Cruze muito próximo do Audi (e pode até batê-lo quando testado com etanol) e abrem uma distância confortável do Corolla.

Desenvolvido em parceria pela Alemanha e EUA, o novo Cruze também mirou o Toyota na questão do espaço, ampliando a distância entre-eixos para os mesmos 2,70 m do Toyota. Os passageiros do banco traseiro agradecem: adultos com até 1,80 m de altura ficam com os joelhos folgados, além de a cabeça não encostar no teto. Apenas os mais altos terão problemas com a caída da traseira, em virtude do design "meio cupê", mas faltou a saída traseira do ar-condicionado. Por fim, o porta-malas agora tem 440 litros, 10 l menos que antes, mas ele parece maior visualmente por conta da altura elevada da tampa.

Apesar do marketing agressivo da GM (que vai mostrar o A3 e até o Mercedes C180 na propaganda da TV), será difícil o Cruze bater as vendas do Corolla. Não que lhe faltem qualidades, mas é preciso ver qual o volume que a fábrica argentina vai conseguir mandar para o Brasil, além do fato de que o Toyota conta com versões mais baratas. No geral, o Cruze dá um salto gigante em relação à geração anterior e, salvo os detalhes de acabamento, é o melhor carro que a Chevrolet lançou no Brasil no últimos anos. Desde o Vectra B (1996 - 2005) a GM não tinha um produto tão forte neste segmento.
Por Daniel Messeder e Fábio Trindade, de Indaiatuba (SP)
Fotos: Equipe Carplace e Divulgação










Na pista com os rivais
Quando chegamos ao Campo de Provas, duas unidades do Corolla 2.0 e duas do A3 Sedan 1.4 TFSI já nos aguardavam para os testes dinâmicos ao lado do Cruze. Primeiro, fomos para o chamado Black Lake, um quadradão de asfalto com partes de granito onde, com uma lâmina de água controlada, a GM avalia o comportamento dos veículos em pisos de baixa aderência. Depois fomos para a D1, uma pista que simula uma subida e descida de serra, alternando piso lisinho com asfalto ondulado, paralelepípedo e falhas na pista.




